O presidente brasileiro é chegado numa humilde lata de leite condensado - mas seu governo realmente precisava gastar US$ 2,9 milhões com esse alimento?
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Créditos da foto: A propensão de Jair Bolsonaro ao super açucarado leite condensado está sob escrutínio em meio a uma catástrofe de Covid na Amazônia. Mas isso não significa que ele bebeu todo o suprimento do governo. Fotografia por Adriano Machado/Reuters
Um dos pilares da luta populista de Jair Bolsonaro para se retratar como um homem sem frescuras, do povo, é uma lata de leite condensado que custa cerca de US$ 0,80 cada.
Desde sua chocante eleição de 2018, o presidente brasileiro tem aparecido repetidamente ensopando seu pãozinho de café da manhã com o líquido carregado de açúcar - o momento mais famoso foi durante uma refeição matinal com o conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, John Bolton.
Mas alegações, mais tarde parcialmente desmascaradas, de que o governo Bolsonaro no ano passado gastou 15,6 milhões de reais nesse seu seu alimento favorito provocaram um clamor público, com rivais e detratores criticando severamente o que chamaram de hábitos alimentares excessivos do presidente.
"Os responsáveis devem ser punidos!" Trovejou o esquerdista Ciro Gomes no Twitter, exigindo uma investigação do Supremo Tribunal Federal sobre "os gastos absurdos de Bolsonaro".
Sâmia Bomfim, deputada socialista, disse que os brasileiros mereciam saber como 7.200 latas de leite condensado poderiam ter sido devoradas a cada dia. "A família presidencial consumiu tudo isso?", ela se perguntou depois que as alegações foram publicadas por um site de notícias chamado Metrópoles.
Apontando para a mortal crise de Covid na Amazônia, o deputado federal Marcelo Freixo afirmou que "com o dinheiro que Bolsonaro gastou com leite condensado, 8.000 cilindros de oxigênio poderiam ter sido comprados para impedir que brasileiros morressem asfixiados".
O colunista conservador Merval Pereira condenou um "escândalo [que] seria cômico, se não fosse trágico". Além do leite condensado, 2,2 milhões de reais teriam sido gastos em chicletes, 8,9 milhões em chocolates e 31,5 milhões em bebidas gasosas, Reclamou Pereira no jornal O Globo, denunciando como os gastos causaram "indigestão cívica". "Mesmo que o leite condensado tenha se tornado uma mania ministerial, o consumo de mais de dois milhões de latas passou dos limites", disse o colunista.
A verdade, perdida em meio ao alvoroço online e a uma explosão de memes e receitas, parecia revelar um pouco menos sobre as papilas gustativas de Bolsonaro.
O site de verificação de notícias Aos Fatos informou que os valores citados pelo Metrópoles referiam-se à despesa total do governo federal, e não apenas à presidência. A maior parte - £1,9 milhões (US$ 2,6 milhões) - do leite condensado havia sido comprada pelo Ministério da Defesa para alimentar dezenas de milhares de viciados em doces em serviço.
Thomas Traumann, especialista em comunicação política, disse ser irônico que Bolsonaro, que chegou ao poder com um tsunami de notícias falsas e desinformação, estivesse experimentando seu próprio remédio.
Traumann previu que a comoção do leite condensado não derrubaria Bolsonaro. Mas a história foi um golpe de relações públicas para um presidente já sob pressão por causa do colapso da saúde na Amazônia. "Eles começaram o ano na defensiva nas mídias sociais, que é o reino que eles mais dominam", disse ele.
Em um indício do mal-estar da família Bolsonaro, o presidente disse aos jornalistas "de merda" que cobrem a história que deveriam "ir se f*". [“Vai para a PQP”, foi o que disse literalmente o presidente] "Vão enfiar uma lata de leite condensado no rabo", declarou Bolsonaro.
Seu filho, Eduardo, publicou uma série de tuítes defendendo o leite condensado como "um alimento rico em calorias" essencial na culinária brasileira.
Filipe Martins, assessor presidencial, rebateu o que chamou de "alegação estúpida e criminosa" contra seu chefe. Ele culpou a "mídia podre" pelo sensacionalismo lácteo.
Publicado originalmente em The Guardian | Traduzido por César Locatelli
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