Em vez de trivialidades sobre a Reinicialização, a fala de Xi Jinping na Agenda de Davos foi um exemplo estarrecedor de realpolitik
Presidente chinês, Xi Jinping, no Fórum Econômico Mundial de Davos (Foto: REUTERS/Ruben Sprich)
Pepe Escobar
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
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Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
A Agenda de Davos, em sua versão virtual, finalmente começou, indo de segunda a sexta desta semana, promovida pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês).
Não, não se trata do Great Reset, a Grande Reinicialização. Pelo menos ainda não. A Agenda é o aperitivo que levará à apoteose do Great Reset, na Reunião Anual Especial do WEF, que terá lugar nesta próxima primavera, em Cingapura.
O tema da Agenda para 2021 é "Um Ano Crucial para a Reconstrução da Confiança". Ooops! Davos, temos um problema: a confiança é sempre merecida, nunca construída.
A confiança, seja como for, na língua de Davos, tem sempre que levar a - o que mais seria? - o Great Reset, apresentado aqui em um clipe pronto para o Tik Tok, recheado de slogans daqueles que pegam fácil, como "um novo painel de instrumentos para a nova economia", ou "pessoas certas, lugar certo, hora certa".
O ponto-chave da mensagem é "sintonize, ligue e envolva-se", copiando desavergonhadamente Timothy Leary, da década de 60, mas deixando de fora o "cai fora".
Obviamente, nem passou pela cabeça dos produtores do clipe que sua obra-prima de Relações Públicas, indiretamente, admite eleições fraudadas e censura generalizada na mídia social.
Deve ter sido muito difícil para a blitz de RP da Agenda ignorar a percepção generalizada de que o que está em questão é a desigualdade de riqueza global, fazendo o Homem - e a Mulher - de Davos perderem o sono e, ao mesmo tempo, serem entusiasticamente aplaudidos por um bando de literati glamurosos e sociopáticos.
Adiante com as sessões.
Aqui está seu novo contrato social
Em um dos dias, um "Painel de Liderança" examinou o tema de como restaurar o crescimento, aconselhando o público e os setores privados sobre como construir uma "nova agenda econômica". Trivialidades soporíficas foram a norma.
As sessões da Agenda do WEF não são de modo algum capazes de tratar do imperativo férreo: a implosão da velha ordem econômica disfarçada sob uma camuflagem Verde, conduzida por auto-designados sábios sub-platônicos pertencentes às classes mais ricas do mundo só irá beneficiar a esse 0,0001%.
A Grande Reinicialização não é um movimento orgânico partindo das bases, coordenado e beneficiando os mais de 99%. Ela, inevitavelmente, irá levar ao tecno-feudalismo, como já afirmei anteriormente. Herr Schwab, o Oráculo Supremo de Ravensburg e Davos, insiste em seus escritos que "vocês não terão nada".
Um gráfico do WEF - Os Dez Riscos Mais Prováveis para o Mundo - deve, na verdade ser interpretado como uma colocação dos alvos supremos da Grande Reinicialização. Não se trata de advertências, e sim de um mapa em direção ao futuro.
Uma sessão sobre o avanço do novo contrato social fundiu-se perfeitamente à discussão sobre o "capitalismo das partes interessadas (stakeholder capitalism)". Temos aqui um espertíssimo marketing de relações públicas - do que mais poderia ser? - do novo livro de Herr Schwab: Stakeholder Capitalism, que propõe uma economia global "mais sustentável, resiliente e inclusiva", e defende - o que mais poderia ser? - "um contrato social claramente definido", que permita que "governos, empresas e indivíduos produzam os melhores resultados".
É assim que funciona. Não se merece a confiança, reconstrói-se a confiança (itálicos meus). Essa confiança se metastatiza no contrato social - que é absolutamente necessário para Grande Reinicialização. Vender esse novo contrato social é uma questão de reformular a imagem do turbo capitalismo global, apresentando-o agora como "capitalismo stakeholder", ou capitalismo com uma face humana.
Nem um pio sobre a Grande Reinicialização como um mecanismo de expansão irrefreada do poderio mega-corporativo, protegendo/servindo o 0,0001% que não sofrem nem jamais sofrerão com a Grande Depressão.
Trocando em miúdos, esse é também um dos principais temas da Quarta Revolução Industrial: consolidar, esmagar e tanger as massas trabalhadoras para a instável economia dos bicos, comandada por líderes dotados de "inteligência emocional".
O The Who acertou na mosca meio século atrás: apresentamos o novo patrão, igualzinho ao antigo patrão.
Uma estarrecedora realpolitik
Ainda não está claro qual será a contraproposta da China, da Rússia e do Irã - os verdadeiros Três Soberanos neste Bravo Mundo Novo, e também os principais nós da integração progressiva da Eurásia, quando confrontados com a Grande Reinicialização.
Nesta mistura tóxica, entra em cena ninguém menos que o Presidente Xi Jin Ping, o líder do país em vias de se tornar a superpotência global. Em vez de trivialidades sobre a Reinicialização, sua fala na Agenda de Davos foi um exemplo estarrecedor de realpolitik.
Xi enfatizou que "construir pequenos círculos ou começar uma nova Guerra Fria, rejeitar, ameaçar ou intimidar outros, impor voluntaristicamente o desacoplamento, perturbações no fornecimento ou sanções, e criar isolamento ou desavenças servirá apenas para levar o mundo a uma situação de divisão e até mesmo de confrontação (...) Não poderemos enfrentar ameaças em comum em um mundo dividido, e a confrontação nos levará a um beco sem saída".
Seria possível interpretar a fala de Xi como alinhada à de Herr Schwab. Não é bem assim. Xi ressaltou que as soluções para nossos problemas atuais tem que ser multilaterais, mas que o mais importante é como implementar geopoliticamnte essas soluções.
Ainda não está claro como o novo regime dos Estados Unidos - os imperialistas humanitários, os oligarcas democráticos, a Big Tech, a Big Pharma, a Big Media - irão reagir à conclamação de Xi: "A abordagem equivocada do antagonismo e da confrontação, seja na forma da Guerra Fria, da guerra quente, da guerra comercial ou da guerra tecnológica, acabaria por prejudicar os interesses de todos os países (...) A diferença, em si, não é causa para alarme. O que é alarmante é a arrogância, o preconceito e o ódio".
Xi ressaltou uma definição precisa de multilateralismo como sendo: "ter as questões internacionais resolvidas por meio de consultas, e o futuro do mundo decidido conjuntamente por todos (...) Empobrecer o vizinho, agir com autossuficiência e descambar para o isolamento arrogante sempre levará ao fracasso".
O que Xi, mais uma vez, deixou meridianamente claro foi o agudo contraste entre a relativa serenidade e estabilidade asiáticas e o caos vulcânico que vem engolfando os maiores centros de poder do Ocidente. Verificar como isso se entrelaça - em termos de realpolitik - com o Bravo Mundo Novo de Herr Schwab será um trabalho para o futuro. No momento, Xi acabou de pregar o Sermão Multilateral em Davos. O Sul Global inteiro está prestando atenção.
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