sábado, 4 de setembro de 2021

''A questão central da política brasileira era e continua sendo: você é contra ou a favor da Petrobras?''


Créditos da foto: Brizola durante o exílio no Uruguai, em 1974 (Foto de Ricardo Chaves)

Por Leonel Brizola Neto

As palavras do título são de Leonel Brizola Neto, vereador pelo Psol, em sessão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro às vésperas do golpe de Estado contra Dilma Rousseff, em 2016. À época, ele citava o avô, Leonel Brizola (1922 - 2004), por ter sido pioneiro em denunciar o entreguismo da elite local aos interesses estrangeiros, e um dos maiores defensores de nossa democracia, líder da Campanha da Legalidade.

Passaram-se gerações, atravessamos 20 anos de ditadura militar, tivemos um curto período de ensaio democrático - os governos após a redemocratização, até as eleições de 2014 - e desde 2016 vivemos a mais profunda e conturbada instabilidade política dos últimos anos. Contudo, uma coisa não mudou: a sanha do capital externo sobre o nosso petróleo, e agora o pré-sal. Não nos deixam ter a ousadia de ser o país do futuro, nos querem como uma república de bananas.

Para entender a turbulência e apontar caminhos para atravessá-la, Carta Maior preparou uma edição especial sobre as rupturas democráticas na história política recente do país. O discurso de Leonel Brizola Neto integra este especial. Leia na íntegra:

Brizola e Dilma Rousseff, futura presidente da República (Reprodução/Wikipedia)

O SR. LEONEL BRIZOLA – "Obrigado Senhor Presidente, Senhores Vereadores. 'O Senhor Getúlio não deve ser candidato, se for candidato não deve ser eleito, se for eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar'.

Esta frase, estas palavras foram ditas por Carlos Lacerda na eleição presidencial de 1950. Com essas palavras, Senhores Vereadores, Senhor Presidente, o udenismo lacerdista mostrava sua verdadeira face: a face do golpismo, a face de golpista.
Uma vez eleito, Getúlio Vargas não teve um dia de trégua. A imprensa antinacional, entreguista e antidemocrática, sempre contrária aos interesses do povo brasileiro, gastava todas as suas tintas na tentativa desenfreada de desestabilizar o governo. Num verdadeiro trabalho de equipe, financiada por grupos internacionais e capitaneada por Lacerda, a imprensa criava crises políticas diárias. Diárias. E, num trabalho bem sucedido, Senhor Presidente, de reengenharia social, incitou a população e as Forças Armadas contra Getúlio Vargas, a tal ponto que, no dia 24 de agosto de 1954, o Presidente, num ato de desespero, num ato desesperado, deu cabo à própria vida.

Esse tiro não atravessou apenas o corpo do Presidente Getúlio Vargas; esse tiro percorre a história recente de nosso país. O que a elite política burguesa nacional e, principalmente, a internacional não perdoaram foi a ousadia, a coragem de um homem em sonhar um Brasil independente, livre e soberano. A materialização desse sonho foi justamente a Petrobras. Não há nação que consiga sua autonomia política e financeira sem o controle das suas riquezas naturais, em especial sem o domínio efetivo de suas fontes energéticas, no caso aqui o petróleo. Quem controla o petróleo controla a hegemonia mundial.

Desde então, Senhores Vereadores, Senhor Presidente, a Petrobras está em todas as disputas eleitorais do país. No fundo, a questão central da política brasileira era e continua sendo: você é contra ou a favor da Petrobras?

Vargas pagou com a própria vida pela Petrobras. E agora, presenciamos a ressurgência do lacerdismo, com toda a sua carga de ódio, de intolerância e de desrespeito às regras democráticas. Mal acabamos de sair de uma das eleições mais duras que já tivemos, e as forças conservadoras, reacionárias, neoliberais, inconformadas com mais uma derrota eleitoral, articulam novo golpe: o impeachment da Presidente Dilma. É grave o que se trata aqui. É grave o que está acontecendo em nosso país. E, mais uma vez, o olho do furacão é a Petrobras. O que a direita quer, de fato, e o que está por trás é, sim, mais uma vez, a privatização da Petrobras.

Lutamos por muito tempo pelo direito de escolher nossos representantes. Nossa democracia ainda é uma menina. Se olharmos aqui no Plenário — embora não haja muitos Vereadores hoje aqui —, votamos poucas vezes para Presidente da República.
Para vivermos uma democracia, é preciso maturidade. Maturidade para entender que as regras do jogo eleitoral devem ser respeitadas. Não é possível defendermos o regime democrático somente quando o resultado eleitoral nos é favorável. Então, fica assim: democracia é quando você diz sim. Quando diz não, não é democracia. Ora, bem parecido com o que acontece nesta Casa.

Não dá para a oposição defender a tese de que o atual governo está implantando no país uma ditadura? Que as eleições foram fraudadas? E que a Presidente Dilma foi eleita à força? Não dá. A única força que a reelegeu foi a força de 54 milhões de brasileiros. E disseram um não rotundo ao retorno do neoliberalismo no comando deste país. Defender o mandato da Presidente Dilma Rousseff é defender, sim, a Petrobras, é defender, sim, o país.

Agora, cabe uma pergunta: onde está o PMDB, que recebeu polpudas verbas do governo federal, que recebeu todo tipo de apoio do governo federal e agora se cala? Ou conspira por trás dos panos contra a Presidente, eleita democraticamente? Onde está o Senhor Eduardo Paes, o Senhor Pezão, para colocar a cara e vir defender a democracia deste país? Simplesmente se omitem ou estão conspirando com os golpistas?

Quero salientar, Senhor Presidente, que defender a Presidente Dilma não significa o apoio cego e acrítico. Pelo contrário; não é em absoluto fechar os olhos a um governo que começou muito mal.

O governo do PT começou muito mal, mexeu em direitos dos trabalhadores. Fez pior. O Vereador César Maia fez um adendo sobre a questão de 2002, da carta ao povo brasileiro, e esqueceu de mencionar uma pessoa muito parecida com quem vou mencionar agora. Colocou na condução econômica do país um legítimo representante da escola de Chicago, um entreguista, um instrumento da privatização, como era o caso do preposto do Banco de Boston, Dr. Henrique Meirelles. Exatamente como aconteceu na ditadura militar, como aconteceu no governo Collor, como aconteceu no governo Fernando Henrique. E, pasmem, aconteceu no governo do ditador Pinochet. Não nos esqueçamos, Senhor Presidente, de que o Senhor Levy fazia parte da gangue do guardanapo do Senhor Sérgio Cabral naquele encontro de luxo em Paris, com champanhe francês. Tudo isso pago com a grana de vocês.

Ora, a lógica desse cidadão, Senhor Levy, é a mesma lógica que era no governo Cabral. Faz parte dessa lógica governar com ajustes fiscais, arrochando principalmente a vida dos trabalhadores. A Presidente Dilma, Senhor Vereador Reimont, que muito me alegra em ser meu companheiro nesta egrégia Casa, tem que fazer o Brasil dos brasileiros, como Evo Morales fez na Bolívia, como Mujica fez no Uruguai, para não falarmos do saudoso Hugo Chavez na Venezuela. Hoje, a Petrobras precisa ser

renacionalizada. Não é mais a Petrobras do Getúlio.

E não tenho receio de afirmar que a corrupção instalada na Petrobras foi devido à sua internacionalização. Aí está o fato. Porque é inconcebível para o imperialismo uma empresa no Brasil como a Petrobras, de modo que o reacionarismo se une numa espécie de santa aliança para combater a esquerda. O Senhor Lacerda está de volta, e não é com a Leila do Flamengo. A imprensa, liderada pela revista Veja e a TV Globo, faz a cabeça da população, manipula a opinião pública. O esquema perverso é o seguinte, Vereador Reimont, o esquema perverso! E não é de hoje!
A Veja faz uma capa bombástica, o Jornal Nacional reverbera e a semana toda, os jornais, num efeito de manada, de cascata, faz a mesma situação! É um golpe!

No Dia Internacional da Mulher, o Globo coloca a Presidente da República ajoelhada, com um carrasco de preto, ameaçando a sua decapitação!?!? Que recado é este?!!! Ora!!!

Não existe nenhum cuidado com a pesquisa e a comprovação dos fatos que são noticiados! Não existe a preocupação com a informação responsável! O que existe é a busca do incitamento para o golpe! O incitamento! É o “Fora Dilma”! É uma falsa panelada! Pajelança! Que é isso?!

Aqui, Senhor Presidente, é necessário fazer um repúdio à Revista Veja, que na edição da semana passada, trouxe um especial sobre os 450 anos da Cidade do Rio de Janeiro. E aí fez um apanhado de esportistas, políticos, artistas em geral, mostrando todo o seu partidarismo, seu ódio e seu desconhecimento histórico, retrata Leonel de Moura Brizola como político demagogo, populista e irresponsável, que tinha desapreço pelas instituições democráticas; e o responsável – e aí a velha cantilena de sempre – pelo aumento da violência na cidade do Rio de Janeiro! Cantilena, essa, que todo o PMDB disse: “Olha, culpa de 30 anos atrás! É culpa de 30 anos!” Aquela vala, que Vossa Excelência mostrou, ainda há pouco, Senhor Presidente, devia ser culpa do Brizola, segundo o PMDB! Esta é a lógica!

A Veja não conhece a ética e nem a decência jornalística, quando estão em jogo os seus interesses econômicos! O que a Veja não se deu conta, ou finge reconhecer é que a sua credibilidade está no chão. Por que está no chão? Com todas essas mentiras? E o fato é que está em séria crise! Tanto a crise financeira, ao ponto de hoje ocupar, Reimont, apenas metade do prédio, porque não consegue pagar o prédio todo! Está em crise! Ora! Como falar que Brizola tinha desapreço pelas Instituições democráticas, quando foi líder de um dos maiores movimentos épicos do Brasil, a campanha da legalidade, para exigir, justamente, o cumprimento da Constituição e empossar o Presidente, no caso de João Goulart, eleito, democraticamente, pelo povo! Inclusive, colocou a sua própria vida no Palácio Piratini, impedindo o bombardeio, que ia ser bombardeado, junto com sua família! Estava lá a minha avó, meu pai, meus tios! Numa clara demonstração de amor à Pátria e amor, sobretudo, ao povo brasileiro.

Ora, como falar que Brizola era demagogo, sendo um dos políticos brasileiros que mais construiu escola no Rio Grande do Sul! Nenhuma criança sem escola! Cinco mil escolas, como Governador do Rio Grande do Sul, e aqui, duas vezes, como Governador do Rio de Janeiro, os Cieps?! Ora! Como foi? Falar que Brizola foi populista, irresponsável, sendo que foi o único político brasileiro, que teve a coragem e a ousadia de enfrentar a mais poderosa rede de comunicação do País, a Rede Globo? Como falar que Brizola fez mal ao País, sendo que lutou contra as empresas multinacionais, na defesa do povo brasileiro?! Ora! Encampando a ITT e a Bond and Share! Para a Veja, contribuir para o aumento da criminalidade, é impedir que a Polícia atire em inocentes! Isso Brizola proibiu! Que a Polícia matasse inocentes! Como vemos, hoje, a polícia do PMDB matando e exterminando jovens negros da Favela!

Quem não se lembra daquela foto fatídica de três negros, premiada, feitas por um fotógrafo do Jornal do Brasil, três negros sendo acorrentados pelo pescoço, como se fossem escravos, só porque eram suspeitos! Porque eram negros, pobres; ou tão pobres de tão negros; ou negros de tão pobres!

Brizola acabou com o apartheid social que havia nesta Cidade, e passou o Rio de Janeiro a ser efetivamente de todos, e não só para quem pode pagar – como está sendo desenhado com o prefeito Eduardo Paes.

Por falar em 450 anos do Rio de Janeiro, Senhor Presidente, a Cidade vive um processo de internacionalização e descaracterização de sua paisagem, como nunca se viu em sua história. Ser uma cidade cosmopolita é uma coisa, agora, ser uma cidade dominada por interesses das corporações multinacionais é outra, completamente diferente. A Cidade não tem comando político; está indefesa! O sistema educacional é uma vergonha! E a especulação imobiliária deita e rola às custas dos megaeventos.

Começamos o ano com sucessivos casos de crianças que perderam suas vidas, Senhor Presidente, Vereador Reimont, por bala perdida, inclusive dentro da sala de aula, estudando! E, há alguns dias, Senhor Presidente - olha, eu acho que essa cena retrata exatamente o nosso fundo do poço -, uma criança de seis anos de idade e outra de doze foram presas por roubo. Isso mostra a nossa falência de sociedade, e principalmente a falência de uma gestão que foca sua atuação em propagandas pirotécnicas, que mais parecem shows pirotécnicos, mas que se esquece do fundamental, que é governar. O Prefeito adora um espetáculo.

Uma das melhores formas de prevenir o ingresso à criminalidade, Vereador Babá, é justamente fornecer uma Educação de qualidade. Essa era uma obsessão do professor Darcy Ribeiro. A Educação pública municipal está entregue à iniciativa privada. A Prefeitura assinou um contrato, acima de R$ 200 milhões, com a Fundação Roberto Marinho, para aulas de reforço das telessalas. Ou seja, o filho do trabalhador está aprendendo Português e Matemática pela televisão. Os meninos que apresentam insuficiência de aprendizado, a Prefeitura os entrega para que a Globo os eduque. Nenhum investimento no Ciep. Nada! Basta ver o que está acontecendo com o Ciep em Magalhães Bastos: um viaduto de seis pistas passando por dentro de uma escola; a garotada tendo que passar no meio de maquinário pesado; passando por cima de suas cabeças.

E a Segurança pública continua seguindo a lógica belicista: investimento em armamento pesado – lógica que, para a Polícia, é uma ação necessária. Mas não se combate o crime apenas enchendo a Polícia de armas. A questão social não é uma questão de Polícia, como o Brizola dizia. Não se combate injustiça social com pancadas.

Então, nesse sentido, combate-se o crime principalmente com políticas educacionais, culturais e espaços de lazer. Onde estão esses investimentos nas regiões de maior risco em nosso Município, líder do governo? Qual é a política efetiva que o Executivo desenvolve nessas áreas? Quais os resultados positivos da diminuição da criminalidade que o Senhor Prefeito pode nos apresentar?

O Rio de Janeiro não precisa da carioquice que o prefeito gosta de falar. Essa carioquice é uma mistificação, uma deturpação. O carioca precisa de uma Prefeitura eficaz. O carioca quer estar seguro quando sai de suas casas; quer ter uma escola decente para os seus filhos; um trânsito que flua adequadamente nesta Cidade; quer desenvolvimento econômico e social e quer uma Cidade, acima de tudo, arborizada. O corte de árvores passou a ser, infelizmente, comum nesta Cidade. Inclusive, com crime ambiental na Marina da Glória, com corte absurdo de árvores antiquíssimas, para construção de estacionamento. É a lógica do governo PMDB. E a justificativa para esse desatino... Infelizmente, eu não pude usar todo o meu tempo, Senhor Presidente. Mas eu quero voltar a concluir, porque, aqui, eu vou adentrar sobre a questão da casa. A justificativa é de que eram exóticas. Ora, exótico é um governo que, ao invés de defender as riquezas naturais do Rio de Janeiro, as vende aos poderosos grupos econômicos nacionais ou internacionais.

Rio de Janeiro ou Rio dos Empreiteiros? A contradição principal hoje, no Rio, é entre justamente o povo e a especulação imobiliária, a qual elimina a cidadania na cidade, ou seja, a cidade converte-se em serva do automóvel, resultado da política neoliberal que tenta desfigurar a paisagem e desvitalizar a sociedade carioca.
Eu vou encerrar para que Vossa Excelência possa dar prosseguimento, mas eu volto a concluir esse pensamento, Senhor Presidente. Obrigado!".

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