Ex-presidente Lula (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
por Fábio Prudente Netto
No campo político, diversos políticos, de Bia Kicis à Ciro Gomes, vêm afirmando que Lula não foi inocentado pela Justiça, vez em que os processos apenas teriam sido anulados. Verifica-se, na realidade, que Lula – quando teve juiz competente e parcial – nem sequer foi denunciado, sendo, por consequência, considerado inocente.
Desde a anulação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos processos da Lava-Jato envolvendo Luiz Inácio Lula da Silva – caso do Triplex e do Sítio de Atibaia –, seus adversários políticos vêm o rotulando como “corrupto”, “bandido”, entre outros termos. No entanto, pouco se diz sobre os fatos jurídicos acerca da questão, os quais geram muita dúvida, inclusive nos eventuais eleitores de Lula.
Em primeira análise, é indispensável rememorar as decisões da Corte Constitucional no âmbito dos processos mencionados anteriormente. Na primeira decisão envolvendo Lula, observa-se a proferida pelo ministro Edson Fachin, de forma individual, em que este reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, de modo a remeter todos os processos que envolviam Lula à Seção Judiciária do Distrito Federal. Destaca-se que Fachin, no âmbito de sua decisão, afirmou que a nulidade seria apenas dos atos decisórios praticados, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir sobre a possibilidade da convalidação dos atos instrutórios – Habeas Corpus 193.726/PR.
No entanto, após a decisão individual, a Segunda Turma do STF, dessa vez no âmbito do Habeas Corpus 164.493/PR, julgou a parcialidade de Sergio Moro no processo, reconhecendo a parcialidade do então juiz em razão de sete motivos: (i) ordenação de uma “espetaculosa condução coercitiva do então investigado” – citação literal; (ii) “quebra de sigilos telefônicos do paciente, de seus familiares e até mesmo de seus advogados, com o intuito de monitorar e antecipar as estratégias defensivas”; (iii) divulgação seletiva de conversas obtidas em interceptações telefônicas do paciente com familiares e terceiros; (iv) atuação, no período de férias, para que não fosse dado cumprimento à ordem do juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Rogério Favreto, que concedera ordem de habeas corpus para determinar a liberdade do ex-presidente Lula (HC 5025614- 40.2018.4.04.0000); (v) utilização de expressões “de sua percepção” no momento de elaboração da sentença, de modo a demonstrar uma pretensa atuação abusiva da defesa; (vi) violação do dever de independência da autoridade judiciária quando, em 01/10/2018, ordenou o levantamento do sigilo e o translado de parte dos depoimentos prestados por Antônio Palocci Filho; (vii) aceitação do cargo de ministro da Justiça após a eleição do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, que há muito despontava como principal adversário político de Lula.
Posteriormente, no âmbito do Agravo Regimental no Habeas Corpus 193.726/PR, o plenário do STF concluiu que inexiste hierarquia entre as decisões proferidas pelas turmas e pelo plenário, no sentido de estabelecer que a parcialidade do magistrado precede a discussão sobre incompetência e que o reconhecimento da suspeição acarreta em impacto mais grave aos atos processuais em relação à incompetência, vez em que há anulação do processo por inteiro.
A partir de tais decisões, os processos de Lula foram encaminhados à Seção Judiciária do Distrito Federal. Quanto ao processo envolvendo o Sítio de Atibaia, a juíza federal Pollyanna Alves, da 12ª Vara Federal Criminal em Brasília, ao proferir a sua decisão, afirmou que “a justa causa não foi demonstrada na ratificação acusatória porque não foram apontadas as provas que subsistiram à anulação procedida pelo Supremo Tribunal Federal”. Por outro lado, quanto ao caso do Triplex, a procuradora do Ministério Público Federal, Marcia Brandão Zollinger, indicou que não haveria provas e que teria ocorrido prescrição, parecer que também foi acolhido pela juíza Pollyanna Alves.
No campo político, diversos políticos, de Bia Kicis à Ciro Gomes, vêm afirmando que Lula não foi inocentado pela Justiça, vez em que os processos apenas teriam sido anulados. Por outro lado, Deltan Dellagnol e Sergio Moro afirmam que Lula foi condenado em “mais de três instâncias”, o que acarretaria na sua culpa. Contudo, em observância aos fatos elencados anteriormente, verifica-se, na realidade, que Lula – quando teve juiz competente e parcial – nem sequer foi denunciado, sendo, por consequência, considerado inocente.
À luz dos fatos expostos, sublinha-se que, no Brasil, a presunção de inocência está expressamente garantida no art. 5º, LVII, da Constituição Republicana, de modo que não é possível se presumir a culpa de qualquer cidadão, ou seja, para que seja “formada” a culpa é necessário a observância, entre as diversas regras processuais, a do devido processo legal e ao trânsito em julgado, nos termos da decisão da Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 43, do Supremo Tribunal Federal[1].
Como nos ensina Geraldo Prado[2], a presunção de inocência é cláusula pétrea e princípio reitor do processo penal brasileiro, de modo a estabelecer uma relação com o conceito jurídico de culpabilidade adotado no Brasil. Dentro dessa seara, Aury Lopes Júnior sustenta que o conceito normativo de culpabilidade exige que somente se possa falar em (e tratar como) culpado, após o transcurso inteiro do processo penal e sua finalização com a imutabilidade da condenação. Dessa forma, segundo Aury, somente se pode afirmar que está “comprovada legalmente a culpa”, como exige o artigo 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, com o trânsito em julgado da decisão condenatória[3].
Dessa forma, nota-se que o “tratamento como inocente” não ocorre apenas por meio de sentença absolutória, mas também pela ausência e não recebimento da denúncia ou, ainda, pela inexistência de processo, do contrário, estaríamos instituindo a presunção de culpa no Direito brasileiro.
Ao fim, verifica-se que os políticos, os blogueiros e alguns jornalistas que esbravejam a culpa de Lula ou desconhecem o mínimo de Estado de Direito ou estão de má-fé. Independe da causa, a irresponsabilidade sobressai.
Fábio Prudente Netto é Advogado (UFRJ) e pós-graduando na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.[1] PENA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE. Surge constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, a condicionar o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, considerado o alcance da garantia versada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, no que direciona a apurar para, selada a culpa em virtude de título precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da sanção, a qual não admite forma provisória (ADC n° 43, Rel. Min. Marco Aurélio, 07/11/2019).[2] PRADO, Geraldo. “O trânsito em julgado da decisão penal condenatória”. In: Boletim do IBCCrim, n° 277, dezembro de 2015.[3] “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa (…)”.
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