sexta-feira, 22 de julho de 2022

Escandinávia e imperialismo

Prabhat Patnaik
[*]

Há muitas concepções equívocas acerca do capitalismo escandinavo. Uma das mais comuns é a crença que, uma vez que os países escandinavos desenvolveram economias capitalistas vigorosas sem terem adquirido quaisquer colónias, eles constituem uma clara refutação da afirmação de que o desenvolvimento capitalista necessariamente exige imperialismo. Este é um argumento que tenho ouvido durante décadas, mas baseia-se num equívoco, não apenas acerca da Escandinávia como, sobretudo, acerca do próprio imperialismo.

Na verdade, podem-se dizer muitas coisas positivas acerca das concessões arrancadas ao capitalismo pela social-democracia escandinava (embora muitas delas estejam sob ameaça na presente época de neoliberalismo), mas representa uma leitura completamente errada do capitalismo dizer que a Escandinávia constitui um exemplo de capitalismo não-imperialista. Os países escandinavos podem não terem tido colónias por si próprios, mas eles aproveitaram-se do imperialismo de outras potências tanto antes como depois da Segunda Guerra Mundial. Vamos examinar o arranjo imperialista com algum pormenor.

Cada país capitalista com êxito não precisa ter um império por si próprio. Há um sistema imperial geral dentro do qual ocorre o desenvolvimento capitalista e diferentes países capitalistas avançados são beneficiários deste sistema, mesmo quando não têm impérios por si próprios. No auge do imperialismo britânico, por exemplo, o mercado britânico estava aberto a mercadorias da Europa continental. Esta última não tinha de encontrar mercados exclusivos por si própria porque podia entrar livremente no mercado britânico para vender os seus produtos e conseguiu fazer isso porque o “arranque inicial” da Grã-Bretanha significava que a sua produtividade do trabalho era mais baixa do que entre os novos industriais e portanto (com salários monetários mais ou menos iguais) seu custo unitário de produção era mais alto. Da mesma forma, as commodities primárias extraídas pelo imperialismo britânico das suas colónias e semi-colónias podiam ser acessadas pela Europa continental e outro países capitalistas recém-desenvolvidos daquele tempo, sem que estes últimos tivessem de fazer os seus próprios arranjos exclusivos para a obtenção de tais suprimentos.

Na verdade, isto é um papel que todos os principais países capitalistas cumprem a qualquer momento: trata-se de uma componente essencial do seu papel de liderança, a qual permite a difusão do capitalismo a países rivais e portanto não provoca qualquer desafio grave à sua liderança da parte dos novos países industriais. Os “líderes” realmente absorvem mercadorias das potências rivais empenhadas em desenvolver os seus próprios capitalismos industriais e evitam entrar em défices de transações correntes insustentáveis devido precisamente a este arranjo imperial. A Grã-Bretanha evitou tais défices insustentáveis pela “drenagem” que impôs às suas colónias cuja magnitude era suficientemente grande não só para cobrir este défice como também para fazer exportações de capital substanciais para muitos países com os quais tinha tais défices, nomeadamente os países [de climas] temperados de colonização europeia.

Aos Estados Unidos, que sucederam à Grã-Bretanha como líder do mundo capitalista, faltaram possessões coloniais da mesma espécie. Mas conseguiu gerir o seu défice de transações correntes através da impressão de dólares, os quais sob o sistema de Bretton Woods foram decretados como sendo “tão bom quanto ouro” (sendo convertíveis para ouro a US$35 por onça). Mesmo a seguir, após o colapso do arranjo de Bretton Woods e da convertibilidade do ouro, eram aceites dólares como sendo de facto tão bons quanto ouro pelos possuidores de riqueza, os quais não hesitavam em possuí-los.

Todo o mundo capitalista, em suma, é convidado a andar às suas costas pelo principal país capitalista. É verdade que alguns países capitalistas avançados podem considerar isto demasiado limitativo e tentam escavar os seus próprios impérios, mas aqueles que não o fazem, como os países escandinavos, não podem ser considerados como estando a construir o seu próprio capitalismo sem qualquer recurso ao imperialismo: eles têm acesso aos benefícios do imperialismo da principal potência capitalista.

Há dois pontos adicionais a serem observados aqui. Primeiro, as potências capitalistas rivais emergentes desfrutam de livre acesso ao mercado do principal país capitalista, mesmo quando elas impõem tarifas nos seus próprios mercados contra importações, inclusive as deste último. Assim, a Alemanha e os EUA impuseram tarifas no período da Primeira Guerra Mundial para isolar seus mercados nacionais para os seus próprios capitais, mesmo enquanto invadiam o mercado britânico. Foi esta assimetria que lhes permitiu industrializarem-se apesar da vantagem que a Grã-Bretanha havia obtido. O mesmo é verdadeiro para outros países da Europa continental. Segundo, estas potências rivais não só tinham acesso ao mercado britânico como também aos mercados das colónias britânicas, pelo menos até as décadas de 1920 e 1930.

A introdução da “preferência imperial” no período entre-guerras, a qual implicou tarifas diferenciais, isto é, tarifas mais altas contra mercadorias produzidas fora do império britânico em relação àquelas produzidas dentro do mesmo, assinalou uma ruptura neste arranjo. Isto foi concebido primariamente contra o impulso maciço japonês para capturar os mercados das colónias asiáticas de Grã-Bretanha. Mas muito embora o Japão fosse o alvo principal da “preferência imperial” e da campanha posterior “Buy Empire”, tarifas diferenciais significaram uma mudança geral no sistema imperialista e foram tanto uma causa como um sintoma da rivalidade inter-imperialista que foi desencadeada pela Grande Depressão. Mas em todo o período antes desta ruptura, isto é, antes do expansionismo económico japonês que perturbou o arranjo pré Primeira Guerra Mundial e que se transformou, quando frustrado por estas acções defensivas da Grã-Bretanha, em expansionismo militar japonês, os mercados coloniais britânicos estavam abertos a mercadorias não só da Grã-Bretanha como de potências capitalistas rivais.

Assim, o desenvolvimento do capitalismo na Escandinávia, apesar do facto de países escandinavos não terem suas próprias colónias, não é uma refutação da necessidade de imperialismo para o crescimento do capitalismo; apenas sublinha a complexidade do arranjo imperial. Segue-se daí que os países escandinavos têm tanto interesse em preservar o arranjo imperial quanto qualquer outro grande país capitalista. Isto não acontece só por razões políticas, nomeadamente que um colapso do arranjo de “segurança” imperial torna muito mais difícil a sobrevivência do capitalismo em qualquer país avançado, incentivando seu cerco político. É também uma necessidade económica, para assegurar a disponibilidade de todo um conjunto de mercadorias tropicais e semi-tropicais que não são produtíveis nas metrópoles capitalistas, cujos fornecimentos seriam interrompido com um enfraquecimento do arranjo imperial.

Adesão à NATO

Muitos foram surpreendidos recentemente pela decisão da Suécia e Finlândia de solicitar adesão à NATO e a sua disposição para entrar em acordo com a Turquia a fim de ultrapassar as suas objeções a tal adesão, de acordo com a qual eles retirariam proteção a refugiados políticos curdos que o governo turco quer perseguir. Sem dúvida, a guerra da Rússia com a Ucrânia proporcionou o pano de fundo imediato contra o qual eles manifestaram seu desejo de aderir à NATO, mas a sua mudança de posição indica algo mais profundo, nomeadamente uma mudança básica que está a verificar-se no mundo capitalista.

O argumento avançado pelo imperialismo para explicar a sua posição alterada enfatizada a ameaça colocada pelo “expansionismo russo”, mas este argumento não resiste ao escrutínio. Mesmo assumindo que a Rússia está inclinada a ser “expansionista”, até agora seu “expansionismo” tem sido assumido para cobrir os territórios que foram outrora parte da União Soviética, mas nem a Suécia nem a Finlândia caem nesta categoria. Além disso, no auge da Guerra Fria, quando potências europeias choravam acerca do fantasma de uma ameaça soviética, e os povos europeus eram bombardeados diariamente pelo anti-sovietismo, estes países permaneceram distantes da NATO. Por que então deveriam eles, subitamente, candidatar-se agora à condição de membros da NATO, quando a União Soviética colapsou e quando o desafio ideológico à hegemonia imperialista retrocedeu?

A resposta está no facto de que o imperialismo ocidental está a implodir sob o impacto da crise prolongada em que entrou o neoliberalismo. Ser afligido por uma crise prolongada não é propício ao exercício da hegemonia. O mundo parece estar à beira de uma mudança que as potências ocidentais desesperadamente tentam prevenir pela tomada uma posição ultra-agressiva. É o medo desta possível mudança iminente, com o declínio da hegemonia ocidental e a emergência da China e da Rússia como centros alternativos de poder, que está a agrupar os países ocidentais com nunca antes, incluindo mesmo os países escandinavos. Portanto, a mudança na posição dos países escandinavos, longe de exibir a ultra-agressividade da Rússia, é sintomática da ultra-agressividade da potências ocidentais numa situação em que a sua hegemonia está a ser ameaçada pela prolongada crise económica em que estão mergulhados.

17/Julho/2022

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia
O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2022/0717_pd/scandinavia-and-imperialism . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em resistir.info

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