O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de entrega do relatório final da transição de governo e anúncio de novos ministros. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
"Não há espaço para se iludir com a temperatura política do combate que virá", escreve Mario Vitor Santos
Por Mario Vitor Santos
Este texto está sendo escrito antes do anúncio oficial dos nomes que irão ocupar o Ministério das Comunicações e a Secretaria de Comunicação do governo federal. Muitos dão por confirmados os deputados federais Paulo Teixeira (PT-SP), para o Ministério das Comunicações, e Paulo Pimenta (PT-RS), para a Secom.
A rigor, os nomes não são o que mais importa, embora os dois sejam ótimos. Antes, é fundamental entender politicamente o que está em jogo.
O presidente Lula sofreu na carne já algumas vezes as consequências da derrota na disputa política na área crucial dos meios de comunicação.
Sofreu com campanhas mentirosas que lhe causaram sérias dificuldades, sendo obrigado ao longo dos mandatos a ajustes e concessões de todo tipo. A mídia valeu-se de Roberto Jefferson, de Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Afinal, Lula amargou 580 dias de prisão, punição injusta e ilegal que foi pedida e festejada por todos os veiculos da midia corporativa. No contexto que resultou na prisão, sua sucessora foi golpeada também com base em alegações falsas, mas então convenientemente chanceladas pela mídia corporativa congraçada.
Lula não tem amnésia. Ele deve ter consciência de que já está exposto a mais uma campanha semelhante a ser desencadeada pelo oligopólio da mídia. Lula tem condições de desconhecer sua própria história?
Não há nenhuma razão para acreditar que será diferente desta vez. Existe, porém um relativo clima de lua de mel entre o governo eleito e essa mídia que já o imolou no passado. Trata-se de uma fase cuja duração ainda não está clara. Há espaço para alguma diplomacia antes de que a guerra se instale e o presidente venha a sofrer novamente uma campanha cerrada de desgaste promovida pelo consórcio de veículos.
A questão, vale enfatizar, é criar a consciência política dessa realidade inevitável, convencer-se de sua prioridade absolutamente estratégica para qualquer governo, em especial um governo de esquerda no Brasil (mas não só no Brasil, como demonstram sucessivos golpes e tentativas golpistas recentes com apoio dessa mídia na America do Sul).
É preciso preparar as estruturas para a guerra que virá. Virá mesmo? Não é certo, mas é provável. Vai depender da força do bolsonarismo, força que pode fazer essa mídia se inclinar a favor do governo como se viu na eleição. A complexidade desse jogo terá que ser usada a favor do governo.
Se o bolsonarismo se desestruturar, o governo vai precisar dispor de quadros e estruturas fortes o suficiente para disputar a narrativa em igualdade de condições. A alternativa nao será “técnica” ou “neutra”. Ela envolve política, comunicação, mobilização social e musculatura no campo juridico e técnico.
A mera preparação dessas estruturas será tema de disputa política. Se o mal maior do bolsonarismo deixar de ser um fator, o ggoverno Lula será caçado sem quartel pela mídia em qualquer iniciativa que tome, em especial na área sagrada, na zona proibida e misteriosa da estrutura dos meios de comunicação
Mexer para empatar o desequilíbrio informativo exigirá a coragem de quem desmonta um tabu.
Será necessária uma aliança com os veiculos que apresentam uma alternativa ao credo do oligopólio.
Muitos dos veículos progressistas apoiam e apoiaram Lula em todas as fases até a via crucis em Curitiba. Além deles, terão que ser criados e fortalecidos televisões, portais e influenciadores digitais. Há uma imensa construção politica, uma malha midiática a ser desenvolvida nessa guerra cultural.
Não há espaço para se iludir com a temperatura política do combate que virá. Politicamente, a midia corporativa brasileira alinha-se aos tucanos e à direita “civilizada “. Foi essa mídia que abriu caminho para a chegada do bolsonarismo ao poder.
Exceto pela presença da ameaça bolsonarista, nada indica que essa mídia tucana venha a ser agora menos brutal, ainda que vá perdendo vigor econômico.
Em termos jornalísticos, todos conhecem o completo desrespeito à verdade, que representou a escandalosa associação dessa midia com a Operação Lava-Jato.
Reveladas as suas transações com a chamada República de Curitiba, até hoje nenhum dos veículos envolvidos nas mentiras tramadas nos porões das cortes contra Lula e outros fez qualquer autocrítica, mesmo tendo sido ela cobrada pelo ministro Gilmar Mendes, em sessões do Congresso e do STF.
Por que não o fizeram? Porque fazê-lo implicaria reconhecer que foram, são e serão instrumentos não de jornalismo, mas de uma conspiração política. Estarão interessados em sufocar o governo, até mesmo em apoiar um novo golpe.
Caiu o véu, o negócio desses órgãos não é mesmo “jornalismo”. Foi desfeita a ilusão de que este jornalismo paira no ar em sua suprema isenção, à revelia de interesses e contradições. Ao contrário, este jornalismo se revelou instrumento, uma forma de fazer política, a serviço de certas ideias e preferências de classe.
Pode-se optar pela negação ou pela ilusão de que uma conciliação com os algozes de ontem agora terá o poder de exorcizar os perigos. Trata-se de pensamento mágico e quase uma traição à própria história tão recente. É ela que assombra e interpela, como se o tempo fosse um ser dotado de saber, vontade e juízo.
Quem sofreu tanto e teve que despender energias inauditas para combater os inimigos e afinal sair da situação desesperadora em que se achava vai agora, no poder, esquecer tudo o que ocorreu e simplesmente hibernar até que nova tragédia se abata sobre si?
Seria, como se sabe, falta de inteligência deixarem-se repetir todas as condições vividas no passado e, talvez por milagre, agora esperar resultados diferentes.
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