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Os media corporativos são um insulto ao serviço público e à verdade. Pode-se discernir nas entrelinhas, se suficientemente consciente, mas esses meios de comunicação agem como drogas soporíferas. Deviam ser obrigados a levar a advertência de um médico: consumir este produto pode induzir estupidez resultando em desastre.
1 – Suprimir a história para impedir a compreensão da realidade
Uma versão para público infantilizado diz que o conflito na Ucrânia começou quando, em fevereiro de 2022, Vladimir Putin sem mais nem menos decidiu invadir aquele país. Não há nos media outra versão que não seja uma agressão russa não provocada contra um país inocente. Joe Lauria, editor-chefe do Consortium News. ex-correspondente do Wall Street Journal, Boston Globe e outros jornais, mostra como a história nos esclarece sobre o que agora ocorre.
Desde os anos 1950, a Ucrânia foi objeto de desestabilização pelos EUA, até se chegar a dezembro de 2021 em que a Rússia propõe aos EUA e à NATO uma nova arquitetura de segurança na Europa, depois de uma tentativa fracassada em 2009, com a remoção do sistema de mísseis na Roménia e a retirada de tropas da NATO da Europa Oriental. A Rússia diz que se não houver negociações sérias haverá uma resposta "técnico-militar". Propostas são ignoradas.
Em fevereiro de 2022, a Rússia inicia intervenção militar no Donbass, onde antes da intervenção mapas da OSCE mostravam um aumento de bombardeamentos da Ucrânia sobre as repúblicas separatistas, onde 14 000 pessoas tinham já sido mortas sobretudo pelos grupos nazis da Ucrânia “democrática” desde 2014.
Mas não é tudo. Em março-abril de 2022, a Rússia e Ucrânia chegaram a um acordo que encerraria a guerra, incluíndo a neutralidade da Ucrânia. Os EUA opõem-se; Boris Johnson voa para Kiev para dizer a Zelensky, que parasse de negociar com a Rússia. Putin na reunião com a delegação de países africanos apresentou o rascunho do acordo "preliminarmente rubricado", do qual a Ucrânia se retirou, ao mesmo tempo que se deu a provocação de Bucha para motivar a rejeição dos acordos. Uma encenação de crimes que ninguém tinha visto enquanto os russos se mantiveram na cidade. (Ukraine Watch, 18/06)
A cronologia dos acontecimentos, apresentada por Joe Lauria, mostra claramente a intenção agressiva do ocidente em relação à Rússia. Mostra como a tragédia poderia ter sido evitada se os acordos de Minsk tivessem sido implementados; se os EUA e a NATO negociassem um acordo de segurança na Europa, levando em conta as preocupações russas, se o tratado entre a Ucrânia e a Rússia entrasse em vigor.
O golpe de 2014 não acontece por acaso: na realidade, uma rede nazista ajudou a estabelecer as bases para a guerra na Ucrânia. Na Ucrânia as eleições em 2012 mantinham com 30% a maioria a Viktor Ianukovytch, partido Regiões, favorável a relações preferenciais com a Rússia e um Estado neutro. Mais grave para os objetivos imperiais era o facto do Partido Comunista com 13,2%, mais que duplicava a votação de 5,4% em 2007. Os neonazis do Svoboda, acarinhados desde 2007, ficavam nos 10,5% e, apesar de amplas campanhas mediáticas, gente ligada aos oligarcas como Yulia Timoshenco não conseguiam alcançar o poder.
O golpe de 2014, veio corrigir estes resultados, como é habitual sempre que o imperialismo entende que o povo vota mal (vide Chile, Indonésia, Venezuela, etc, etc.). Foi assim “instaurada a democracia” que a UE/NATO diz defender, colocando no poder oligarcas e neonazis. Victoria Nuland gabou-se de que o derrube do governo democraticamente eleito da Ucrânia ter custado apenas 5 mil milhões de dólares. Como quem semeia ventos colhe tempestades, compare-se com o que o regime de Kiev está custando agora.
O golpe fascista de 2014, encenado “contra a corrupção” e “pela democracia”, foi contestado com manifestações em todo o país, reprimidas violentamente. O governo não eleito de Arseniy Yatsenyuk, escolhido pelos EUA, cria uma polícia e grupos paramilitares compostos quase exclusivamente por neonazis infestando a Ucrânia, dotados de amplos poderes, em que o Batalhão Azov protagonizou os maiores crimes.
Foi assim, resumidamente, que desde 2014, o vírus fascista voltou à Europa para de novo trazer a ameaça de destruição coletiva, o único feito de que são capazes. Contaminam o ambiente com partidos ditos Verdes, socialistas ou social-democratas, fazendo o seu jogo enquanto dizem defender direitos humanos, democracia, paz e liberdade. A extrema- direita tem campo aberto, os media tratam-nos como respeitáveis democratas, a começar pelos nazis ucranianos que metodicamente destroem os monumentos daqueles que libertaram a Europa desta praga, colocando em seu lugar estátuas de criminosos nazis.
2 – Estratégias em questão
Os EUA consideram por direito divino (God’s own people) ter herdado o mundo. Tudo o que fizerem está acima da crítica dado o poder de que estão investidos e não pode ser partilhado com outros. Para manter este poder “urbi et orbi” esquadras marítimas e bases militares (umas 800), organizações financeiras (FMI), económicas (BM), sociais (ONG), políticas (ONU em parte), militares (NATO, ASAEN, ACUS) foram estabelecidas para garantir este domínio, em permanente vigilância e tensão até à guerra, resultado das contradições inerentes a um poder construido sobre falácias. John Perkins especifica como este domínio se exerce.
Para os vassalos (UE, NATO e aliados) as ações do hegemónico estão para além do bem e do mal: a crítica, a dissidência não é tolerada, pois constitui felonia – rebelião do súbdito contra o senhor (feudal). Foi preciso os EUA fornecerem munições de fragmentação para os “comentadores” “descobrirem” que a Rússia já estava a utiliza-las. Os países europeus da UE/NATO aderiram à sua proibição, não estão de acordo, mas – este “mas” nega tudo o que está antes – não vão criticar “um aliado”, como disse Scholtz. Ou seja, os EUA estão errados, “mas” estão no seu direito, pois as suas decisões atingem o nível do sacrossanto. Contudo, se se tem algo pensante sobre os ombros, para além de interesses imediatos, medo ou alienação, não se confundam os objetivos dos neocons com os do povo dos Estados Unidos.
A NATO promove uma guerra, dentro dos objetivos de submissão da Rússia à “ordem internacional baseada em regras”. Como o vão conseguir? A “ordem” mundial determinada pelos EUA, constitui a visão de futuro da UE/NATO definindo objetivos a médio longo prazo. Nesta visão são definidas estratégias – ou seja que ações devem ser tomadas. Estas ações constroem-se através medidas quanto a logística, como políticas de recursos humanos (número e qualificações) e materiais (equipamentos, munições, abastecimentos).
Diz-se que “amadores falam de estratégia; os profissionais falam de logística". Parece ser este o problema da NATO, caindo no mesmo atoleiro que a Alemanha nazi que teve êxito sobretudo devido a ataques surpresa e impreparação dos adversários. A partir daqui viu-se mergulhada em confrontos que era incapaz de ultrapassar. A Wermacht continuou a conceber estratégias apenas bem sucedidas no papel, pois deparavam com superior capacidade logística. É ocorre atualmente com os EUA/NATO.
A estratégia, se é que assim lhe podemos chamar, da Ucrânia/NATO consiste em contra ataques, bombardeamentos, atos de sabotagem/terrorismo em território russo. São ações que pretendem sobretudo obter elementos de propaganda para justificar a fatura que esta guerra representa para a UE/NATO. O resultado é que se queimam dezenas de milhares de milhões de dólares de “ajuda” da NATO sem atingir objetivos concretos, muito menos os que são apontados por Kiev como os seus fins.
A estratégia da Rússia é completamente diferente. A sua teoria militar assume o legado da URSS em que o aspeto logístico assume um papel fundamental. A propaganda dos media sobre eventuais “ganhos territoriais ucranianos” não tem qualquer significado estratégico. As Forças Armadas Russas usam a sua superioridade logística para destruir o potencial bélico da NATO a fim de seguidamente lançar novas ofensivas contra um inimigo enfraquecido e submeter os países da UE/NATO a uma pressão económica e social que se torne insustentável.
3 – A contraofensiva
A evidência dos erros da estratégia da NATO está refletida na atual contraofensiva. Em mês e meio a Ucrânia/NATO não atingiu sequer a primeira linha de defesa russa. Em contraponto a Rússia avançou nos distritos de Avdeevka, Maryinka, Liman, Svatovo, Kupyansk .
O nível de perdas humanas e de equipamentos, torna inviável qualquer estratégia que não seja remeter-se à defesa e tentar negociar. Nada disto saiu da reunião da NATO, em Vilnius. Pelo contrário, com os estoques de armamento a ultrapassarem os níveis críticos de segurança, mesmo em certos casos esgotados, a pressão é para continuar a investir na guerra com a economia endividada e desindustrializada. Biden numa entrevista na CNN Internacional, admite que o fornecimento de bombas de fragmentação, é um recurso, dado que “eles (a Ucrânia) estavam a ficar sem munições e nós (os EUA) temos poucas”.
A reunião de Vilnius evidencia a derrota de vários objetivos dos EUA. Primeiro: as bravatas de “reconquistar” a Crimeia; segundo: a integração da Ucrânia na NATO, onde tropas americanas poderiam estacionar e colocar armas ao alcance de Moscovo, ameaçando qualquer iniciativa russa independente com a aniquilação imediata. Depois de mais de 20 anos perseguindo esse objetivo, Biden disse que não facilitaria a adesão da Ucrânia à NATO, acrescentando que com o país em guerra não pode cumprir todas as condições para a adesão; por último, a ilusão de que "um contra-ataque vitorioso das Forças Armadas Ucranianas (FAU), levaria a Rússia a negociar" (secretário de Estado Blinken).
Ao considerar-se a vitória da Ucrânia na guerra como a principal condição para a sua admissão na NATO, torna-se esta perspetiva inalcançável. Zelensky – que das suas últimas fotos, parece estar em estado terminal de arrebatamento de cocaína (o BE que também foi a Kiev aplaudi-lo deve ter achado “legal”) – descontrolou-se com tanta exibição de hipocrisia e começou a criticar os seus donos e financiadores. Foi repreendido, desculpou-se, mas não lhe vão perdoar estes “arrebatamentos”.
O fracasso da contraofensiva deitou por terra as ilusões alimentadas nos media. Depois terem rapidamente derrotado a Rússia, percebem que isso não vai acontecer. Trata-se agora de infundir na opinião pública o medo da Rússia atacar o resto da Europa. Mike Pence, ex-vice-presidente, acredita que o apoio à Ucrânia é essencial porque “Se a Rússia derrotar a Ucrânia, não demorará muito para que o exército russo cruze as fronteiras forçando os militares americanos a lutar pelos seus aliados.” Mais uma vez, argumentos semelhantes aos da Alemanha nazi que, perante o avanço soviético, calou a teoria do seu “espaço vital” para se armar em defensora da “civilização europeia” contra a “ameaça bolchevista”.
63% dos ucranianos dizem conhecer pelo menos um parente ou amigo próximo que morreu na guerra, quando em fevereiro apenas 17% dos ucranianos relatavam esta perda. O desastre de Bakhmut e da contraofensiva ucraniana são responsáveis pelas perdas catastróficas do pessoal das FAU. As ondas de mobilização esgotam-se, intensificando-se o recrutamento de mercenários, que inclusivamente assumem posições de comando de tropas. Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, até ao final de junho, foi confirmado que 4 845 mercenários estrangeiros tinham sido mortos mortos; 4 801 escaparam-se da Ucrânia; 2 029 permanecem nas FAU (Ukraine Watch, 10/07)
4 - Que visão de futuro existe na UE/NATO?
Onde está a euforia da UE nos primeiros meses, a arrogância com que eram anunciadas sanções que iriam derrubar a Rússia, um posto de gasolina com armas nucleares? Enganaram-se, pela frente tinham uma grande potência com enorme potencial científico e material.
A burocracia da UE e governantes exultavam, sentiam-se uma potência global capaz de dar ordens ao resto do mundo (mesmo obedecendo em tudo aos EUA…). Agora, olham o futuro com temor: temor da Rússia, da China, da finança, dos juros, da inflação, temor do crescente descontentamento dos seus povos.
Os agricultores europeus perdem milhões de euros em exportações para a Rússia. Na energia o desastre é total, destruindo níveis de vida e competitividade. Tudo isto acompanhado do crescimento das dívidas públicas, muito longe do que idióticos tratados estipulavam. A produção alemã de produtos químicos intensivos em gás natural, caiu 5,5% em maio e está 16% abaixo da média pré-COVID. Em França a inflação acumulada de alimentos desde 2021 ficou em 21%, enquanto os gastos nominais com alimentos subiram apenas 5%. As pessoas apertam o cinto…
A política externa da UE deveria mudar, mas a obediência aos EUA e a propaganda veiculada pelos media, condiciona a perceção do eleitorado, até que uma crise ainda maior atire tudo por terra. A UE necessitaria de paz nas suas fronteiras criando um ambiente económico favorável à resolução das suas crises económicas e sociais. Pelo contrário, depois de se auto-flagelar com sanções, criar hostilidade ou mesmo destruir importantes parceiros da bacia mediterrânica e com a Rússia, avança na confrontação com a China.
Que futuro para a UE? Continuar a desindustrializar-se? Enterrar-se financeiramente numa guerra para a qual não apresenta uma saída consistente? Segundo a von der Layen a UE já “investiu” na Ucrânia 70 mil milhões de euros – o que não inclui o armamento saído dos arsenais dos países. A invariável satisfação desta senhora demonstra a sua inconsciência. Ignora que Olaf Scholz avaliou os atuais gastos militares da Ucrânia iguais a todo o seu orçamento pré-guerra? (Ukraine Watch, 14/07) 50% das instalações do sistema energético ucraniano e infraestruturas como as ferroviárias, estão danificadas ou completamente destruídas. UE está disposta a pagar tudo isto?
O ex-primeiro-ministro australiano Paul Keating alertou contra tentativas para "circunscrever" a China e para a presença da NATO na Ásia. A NATO "já negou a unidade pacífica numa Europa mais ampla". Exportando tal "veneno malicioso para a Ásia, seria a Ásia acolhendo esta praga sobre si mesma". Quanto ao secretário-geral Stoltenberg considera-o o "idiota supremo" do palco internacional comportando-se como um "agente americano".
A NATO envolveu-se numa guerra que receia assumir diretamente, fazendo-o através de ucranianos e mercenários, mas a emissão descontrolada de dinheiro para financiar a guerra e um país que perdeu as condições para ser um Estado independente, cria distorções económicas e inflação de consequências imprevisíveis. Nenhum político – ou “comentador” – do sistema tem coragem de o mencionar, o que se torna ainda mais grave.
O Ocidente é incapaz de apresentar uma iniciativa política credível para pôr fim ao conflito ucraniano. Dizer então que compete à Ucrânia decidir sobre as condições de negociação com a Rússia remete-nos para inqualificável hipocrisia, tal como a “democracia” na Ucrânia. A questão é que Moscovo não esquece ter sido duramente ludibriada nos acordos de Minsk, no tratado de paz com a Ucrânia em 2022, nos acordos sobre cereais.
A realidade é que esta guerra ultrapassa as relações entre a Ucrânia e a Rússia. Trata-se de uma completa reorganização das relações internacionais, incluindo o comércio e as finanças, as alianças políticas e mesmo os valores culturais.
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