domingo, 31 de março de 2024

"Esquecer 1964"


Nonato Menezes

Dias e até meses que antecedem o aniversário do golpe civil/militar de 1964 costumam ser tomados de críticas/discursos/lamentações, alguns inflamados como, agora, tem sido sobre a proposição do presidente Lula em não comemorar/homenagear/rememorar/lamentar/relembrar aquele dia/período infame da nossa História.

Acadêmicos, juristas, jornalistas e muitos outros, todos do campo progressista, se “escandalizaram” com a sugestão do presidente em não querer baixar a bandeira (ou hastear?), em homenagem ao golpe.

A primeira impressão sobre o frisson das vozes e dos escritos parece óbvia por não defenderem o “esquecimento” pelos órgãos oficiais e pela sociedade, afinal, aquele dia 31 de março de 1964 e o que se seguiu durante 21 anos é digno de exposição em qualquer galeria de horrores.

Mas, que motivos reais teríamos para “homenageá-lo”? Ou, para que aconteçam eventos oficiais em “comemoração” a mais um ano daquela data sombria? Seria o golpe, em si, o fato mais importante, dada a flagrante violação da Constituição e do Estado de Direito? O número de mortos e ou de torturados durante os 21 anos de horror por tocarem fundo nas almas da maioria dos brasileiros? A corrupção dos militares e civis durante a ditadura, defendida, sobretudo pela “grande mídia”, como inexistente? Ou a violação dos direitos civis em toda sua escala, seria o ponto de convergência mais importante a ser “comemorado”?

Com intuito de tornar simples a escolha do motivo para eventual “comemoração”, sugiro que o número de mortos seja aquele a ser mais enfatizado, afinal, sem querer banalizar os demais motivos, este trata da própria supressão da vida. Uma indignidade, ponto final.

O Relatório da Comissão Nacional da Verdade, volume III, aponta 434 mortos pelos militares e civis, durante a ditadura. Número “razoável” para merecer uma homenagem, ainda que a supressão de uma vida, do ponto de vista dos seus “próximos”, é mais chocante do que se o ocorrido for com 33 ou qualquer outro número de vítimas distantes.

Sendo o número de mortos a justificar a “homenagem”, não seria razoável relembrar as mortes dos cerca de 25 mil civis do conflito de Canudos? Ou relembrar os, aproximadamente, 12.000 sertanejos e escravos que foram mortos na Cabanagem, no Pará, por defenderem os menos favorecidos, entre 1838 e 1841? Ainda, não seria legítimo relembrar as centenas de mortes ocorridas na “Revolução Praieira”, de 1848, em Pernambuco, assim como milhares de vítimas do sangrento conflito do Contestado, de 1912? Ou relembrá-los todos estes e outros tantos, independente das motivações, para que sejam entendidos e não “sejam repetidos”?

Fato é que, relembrar momentos históricos como o golpe de 64, por exemplo, pelo número de mortos ou outro motivo qualquer, apenas em manifestações oficiais, soa como inócuo, se o propósito, entre outros possíveis, seja incutir na consciência nacional a repulsa àquele momento histórico tenebroso.

A Consciência Nacional sobre o golpe e sobre outros movimentos violentos, aos quais não desejamos que se repitam, só se dará quando nas Escolas e nas Universidades a nossa História for levada a sério. Quando nossa História for ensinada, estudada e defendida como conhecimento capaz de fazer a sociedade, através da compreensão do nosso passado, vislumbrar um futuro sem golpes de Estado e sem tanta violência.

Sem compreendermos o que outrora nos envolveu, sem entendermos, pelo menos em parte, como foi pavimentado nosso caminho como sociedade, relembrar em evento oficial, seja hasteando bandeira, cantando o Hino Nacional ou rezando, relembrar o golpe de 64 ou qualquer outro momento histórico violento é de efeito zero na Consciência Nacional.

Ao invés dessas manifestações inócuas, nossas autoridades, os humanistas em geral, pessoas que lutam e acreditam na Democracia e todos os compromissados com a melhoria da vida em nosso País deveriam, ao invés de apenas relembrar momentos de terror, sempre que possível, clamar e lutar por um Ensino melhor, com nossa História, não apenas marcando presença nos currículos e nos imprestáveis livros didáticos, mas sendo levada a sério. E que no mesmo balaio, reservem espaço especial para nossa Literatura, quase nada lida em nossas escolas e universidades. Também, defender a Arte como o Cinema, por exemplo, como fonte de inspiração e conhecimento do nosso passado.

A propósito, uma perguntinha clichê para quem teve a paciência de chegar até aqui em sua leitura:

Você mesmo(a), ao longo de prováveis quinze anos como estudante, qual ou quais as obras foi incentivado(a) à leitura, como tarefa ou não, durante o período citado ou mais,

a ( ) Vidas Secas, Graciliano Ramos;

b ( ) Raízes do Brasil, Sergio Buarque de Holanda;

c ( ) Canudos: diário de uma expedição, Euclides da Cunha;

d ( ) Li os três citados, por conta própria;

e ( ) Li apenas um para fazer tarefa;

f ( ) Não li nenhum, nem por exigência, nem depois da vida de estudante.

Se você indicou a letra “d”, provavelmente não irá, nem fará parte de evento oficial para relembrar o golpe, talvez pegará um livro ou apenas um texto e fará uma releitura para "relembrar" ou conhecer mais sobre aquele momento triste, motivado(a), talvez, pela data e ou pelo alarido em torno do tema.

Salve, Lula!

Um comentário:

  1. Salve LULA. Ótimas análises e reflexões Nonato. Precisamos valorizar a importância dos currículos educacionais, principalmente os referenciais utilizados sobre a real e verdadeira história do Brasil sob todos os aspectos. Abraços.

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