segunda-feira, 25 de março de 2024

Quem mandou mandar matar Marielle?


Chiquinho e Domingos Brazão e Marielle Franco (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados | Reprodução/Marielle, o documentário | Mídia NINJA)

"É indubitável que ainda há peças ausentes neste sombrio quebra-cabeça", avalia Salvio Kotter

Salvio Kotter
brasil247.com/

O resgate da democracia passa também pelo fortalecimento da autoestima. E o próximo presente, depois da prisão dos mandantes da morte de Marielle, poderia ser o pacote completo dos mandantes que mandavam nos mandantes presos - Moisés Mendes, no 247

Recentemente, enquanto acompanhava um telejornal, uma destacada comunicadora de um importante canal de esquerda apontava a seus espectadores que novos ventos apurativos indicavam não serem membros da família Bolsonaro os mentores do homicídio de Marielle. Se tal prenúncio requer preparação, deduz-se que exista uma expectativa robusta, uma quase torcida. Justificada, aliás, pelo desejo de responsabilizar as forças políticas percussoras de uma severa crise humanitária e suas 700 mil vítimas entre mil, mil e cem outros crimes.

Com base nas revelações da Polícia Federal, o véu sobre este crime brutal parece prestes a ser levantado. Ressaltam-se as detenções de dois delegados, antes encarregados da investigação e agora acusados de obstruir a verdade. Isso poderá desencadear um efeito cascata, potencialmente culminando na elucidação do envolvimento de figuras de elite da política nacional. Não seria chocante se, finalmente, fosse exposto um vínculo entre os irmãos Brazão — suspeitos na operação — e Jair Bolsonaro ou seus descendentes, todos comparsas políticos notórios.

O fato é que nós, meros leitores matinais das manchetes, somos levados a questionar, a conjecturar. O jornalista Luís Nassif, mediante rigorosa análise, contribui para o esclarecimento dos fatos. De sua voz e de outras fontes, dessas reflexões e das nossas próprias inferências, apresento nosso complexo retrato deste caso.

A nomeação, pelo interventor federal General Braga Netto, de Rivaldo Barbosa — um dos delegados presos — para comandar a Polícia Civil do Rio levanta suspeita de um possível pacto. Desde 2019, sugere-se uma concertação entre militares e Bolsonaro, que poderia ter implicado na contínua blindagem aos verdadeiros maquinadores do crime.

Posteriormente, com a posse de Wilson Witzel como governador do Rio e aliado a Bolsonaro, prosseguiu-se com a ocultação, mantendo-se Giniton Lages, indicado por Barbosa, à frente das investigações. Foi sucedido por Allan Turnowski, que permaneceu por breve tempo, mas pareceu continuar o legado de seus antecessores.

Enquanto isso, uma cobertura jornalística do Jornal Nacional em outubro de 2019 escancarou que um dos envolvidos no homicídio de Marielle teria visitado o condomínio de Bolsonaro horas antes do fato consumado e contatado alguém na residência presidencial. Bolsonaro rebateu alegando seu paradeiro em Brasília no dia do incidente, enquanto Carlos Bolsonaro entrou em cena para apresentar "evidências" que indicariam a desvinculação de sua família com o suspeito. A emissora, porém, com uma postura titubeante, não deu continuidade à apuração de pistas que poderiam ser cruciais, mesmo diante de informações frutíferas veiculadas por outras fontes. Uma dessas informações é que a empresa de interfonia do condomínio Vivendas da Barra operaria não por PABX, mas por comunicação direta com os telefones celulares dos moradores, o que relativiza o álibi de Jair Bolsonaro.

Outra informação abala o álibi de Carlos Bolsonaro, que ao tentar justificar a inocência do pai, acabou ele próprio em suspeição. Os registros sugerem que Carlos encontrava-se no condomínio na ocasião do delito, contrariando sua alegação inicial de que estivera o dia todo na Câmara Municipal.

Um cenário comprometedor emerge das conjecturas atuais: Bolsonaro poderia ter planejado um encontro clandestino com os executores de Marielle no dia do crime. Construiu um álibi de última hora, argumentando um retorno ao Rio por motivos de saúde, mas retrocedeu para evitar exposição. Mesmo à distância, o encontro teria sido mantido, com Carlos supervisionando os arranjos localmente. Quando evidências do encontro começaram a vir à tona, aliados à família Bolsonaro teriam agido para atrasar as investigações e manipular as provas. Um forte indício é o sumiço do porteiro do condomínio, Alberto Jorge Ferreira Mateus, que, por intervenção explícita de Sérgio Moro, então Ministro da Justiça, desapareceu depois de der dito em depoimento à polícia que Élcio Queiroz, participante do assassinato de Marielle Franco, visitara a casa de Bolsonaro horas antes do crime. A hipótese roborada por todos esses fatos, tão explosiva quanto convém, ainda depende de confirmação factual.

A razão subjacente para silenciar Marielle, uma voz ativa e crítica, pode ter sido seu posicionamento contrário à intervenção federal no Rio em 2018, um posicionamento que colocava em xeque a dinâmica política e ameaçava as pretensões eleitorais de Bolsonaro frente a uma possível chapa Temer-Maia. O modus operandi de seus apoiadores mais extremistas, sempre prontos a incitar violência e atribuí-la a adversários políticos, podia, de fato, achar terreno propício ao imputar o crime à oposição.

Confundir o desejo com uma análise imparcial é terreno escorregadio e certo desastre. Sim, queremos que alguém da família Bolsonaro esteja no ápice da pirâmide de pessoas que executaram Marielle, mas é preciso cautela. Não obstante, é indubitável que ainda há peças ausentes neste sombrio quebra-cabeça. Continuamos, todos nós, aguardando que a luz da verdade finalmente nos revele os acontecimentos na totalidade de seus contornos e nuances.

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Fontes de referência: Jornal GGN, G1, Blog da Berta, e informações contidas nos processos judiciais referentes ao caso Marielle Franco

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