terça-feira, 30 de abril de 2024

A Grande Tomada

A importância da velocidade da moeda

Jorge Figueiredo [*]

Este livro, The Great Taking, nunca poderia ter sido escrito por um economista. O seu autor, David Rogers Webb, é sobretudo um empirista. A sua vasta experiência profissional é na área financeira, tendo atuado na Wall Street como administrador de fusões e aquisições, derivativos e hedge funds. Ao contrário de um economista, ele não parte de modelos e concepções teóricas pré-concebidas a fim de analisar a realidade. A sua ótica é tomar a realidade bruta, tal como se apresenta ao nível das aparências e dos dados existentes a fim de procurar estabelecer relações que permitam chegar a conclusões. E as conclusões a que chega são terrificas – não constam em nenhum manual teórico, nem marxista nem não-marxista.

O título do livro poderia ser traduzido como A grande tomada, mas tal tradução não reflete bem todo o conteúdo por trás dessas palavras. A palavra “grande” deveria na verdade ser traduzida como grandíssima, gigantesca, enorme ou total. E a palavra “tomada” como a captura de todos os ativos mundiais pelos 0,0001% da população mundial que constitui a classe dominante planetária. A operação faz parte do Great Reset (Grande reinicialização) do capitalismo que está a ser tramada pelo “comité central” da burguesia e que tem o WEF como a sua ponta de lança.

Esta grande tomada está a ser preparada há dezenas de anos e não se trata uma teoria da conspiração. O primeiro passo de tudo isso foi endividar todo o planeta – famílias, empresas, corporações, governos centrais, regionais e locais, tudo e todos. Quanto ao segundo passo, as provas apresentadas por Webb são minuciosas e convincentes, escavadas em documentos do Bank of International Settlements (BIS), do Federal Reserve e de numerosíssimas instituições financeiras. O livro explicita extensamente as referidas provas, com documentação de autoridades. Uma delas, em apêndice, é a íntegra da resposta do Federal Reserve de Nova York ao European Comission Legal Certainty Group Questionnaire (pgs. 69-98),

A grande tomada refere-se sobretudo à captura dos colaterais de todos os empréstimos mundiais pelas maiores instituições credoras do mundo. A epígrafe do capítulo de introdução contém uma citação de A arte da guerra, de Sun Tzu: “A excelência suprema consiste em romper a resistência do inimigo sem combate”. Parece uma citação adequada diante das afirmações tremendistas que vêm logo a seguir:

“Do que trata este livro? Trata da tomada do colateral, todo ele, o fim do jogo deste super ciclo de acumulação de dívida globalmente síncrono. Isto está a ser executado desde há muito, com uma concepção inteligente, audácia e determinação difíceis de abarcar mentalmente. Estão incluídos todos os ativos financeiros, toda a moeda depositada em bancos, todas as ações e títulos e, portanto, toda a propriedade subjacente de todas as corporações públicas, incluindo todos os stocks de mercadorias, fábricas e equipamentos, terra, depósitos minerais, invenções e propriedade intelectual. Propriedade pessoal e bens imóveis financiados com qualquer montante de dívida serão igualmente tomados, tal como os ativos de negócios de propriedade pessoal, os quais têm sido financiados com dívida. Mesmo com êxito parcial, isto será a maior conquista e subjugação da história mundial.

“Estamos agora a viver dentro de uma guerra híbrida conduzida quase inteiramente pela indução em erro (deception) e portanto concebida para alcançar objetivos de guerra com pouca aplicação de energia. É uma guerra de conquista dirigida não contra estados de outra nação mas contra toda a humanidade”.

Verifica-se que esta estratégia está a ser preparada há dezenas de anos. O passo prévio que permitiu e facilitou tudo isso foi o endividamento de todo o planeta – famílias, empresas, corporações, governos centrais, regionais e locais, tudo e todos. Isso foi conseguido com baixas taxas de juro (na Europa chegaram a ser negativas).

Desde há séculos, o direito à segurança da propriedade é um dos bens mais sagrados no arcabouço jurídico instituído em todos os países que gostam de se dizer civilizados. Pois bem, também este direito está ameaçado com a grande tomada. Webb dá um exemplo comezinho para mostrar isso:

“Digamos que você compre um automóvel a dinheiro. Não tendo dívida contra o veículo, acredita que agora o possui em termos absolutos. Apesar disso, ao vendedor do automóvel foi permitido através de um conceito legal recém-inventado tratar o seu carro como o ativo dele e utilizá-lo como colateral a fim de tomar dinheiro emprestado para as suas próprias finalidades – e o seu veículo juntamente com todos os outros vendidos pelo comerciante são apresados (seized) por certos credores segurados do concessionário, sem que seja necessária qualquer revisão judicial, pois previamente fora estabelecida a certeza legal de que eles têm poder absoluto para tomar o seu carro no caso de bancarrota do vendedor”.

O exemplo acima é caricato, mas por incrível que pareça estão a ser impostas normas e regulamentações legais que permitem isso. Note-se que neste exemplo o carro nem sequer era um colateral pois havia sido inteiramente pago pelo comprador – mas mesmo assim o credor do vendedor poderia tomá-lo.

Esta lógica já está em vigor há muito no negócio bancário, mas pouca gente tem consciência disso. Um banco não é o “fiel depositário” de um cliente, ou seja, os depositantes de um banco não são proprietários do dinheiro que puseram no banco e sim credores do mesmo. Assim, no caso de insolvência de um banco há duas soluções de salvamento possíveis: o chamado resgate externo (bail-out) ou o resgate interno (bail-in), em que uma parte do dinheiro dos depositantes é tomada para salvar o banco. A primeira solução (bail-out) foi adotada na Grécia no tempo em que estava submetida à Troika do FMI-BCE-CE. A segunda (bail-in) foi adotada em Chipre pouco depois (mas na UE pouca gente se importou porque ali grande parte dos depositantes era constituída por magnatas russos...).

Aonde conduz tudo isto? Ao Great Reset agora em progresso, com grandes inovações de concentração de riqueza e poder sobre toda a humanidade através da privação. A cada colapso de bolhas financeiras o processo avança um pouco mais. O objetivo deles é reinicializar o sistema financeiro, de modo a poderem providenciar crédito outra vez, mas agora em condições controladas – o que exige a desmaterialização do papel-moeda. Nessa altura, o dinheiro assumirá a forma eletrônica de Central Bank Digital Currency (CBDC). Assim, salário que o trabalhador pensa ser propriedade sua será depositado, por exemplo, no seu smart phone. Dessa forma, o banco central poderá controlar aquilo que ele pode ou não gastar, o quanto gastar e até o quando gastar. Trata-se de um novo feudalismo em preparação, desta vez feudalismo financeiro.

A VELOCIDADE DA MOEDA

Velocidade é o número de vezes que uma unidade de moeda é gasta para comprar bens e serviços num certo período de tempo. Esta é medida comparando o valor de todos os bens e serviços produzidos num período de tempo (PIB) com o valor de todo o papel-moeda e depósitos que possam ser utilizados quase tão facilmente quanto o papel-moda (Oferta Monetária).

Velocidade = PIB / Oferta Monetária

Portanto, Velocidade x Oferta Monetária = PIB. Quanto mais baixa a Velocidade, menor o PIB. Trata-se de um indicador precioso, pois desde o século XIX verifica-se empiricamente que todas as grandes crises econômicas foram precedidas por um declínio agudo da velocidade de circulação da moeda.

O conceito de Oferta Monetária pode ser mais restrito ou mais vasto, M0, M1, M2 e M3 [nota 1] e as estatísticas do mesmo são geralmente publicadas pelos bancos centrais. Mas no caso do conceito mais vasto, o M3, verifica-se que “misteriosamente” o Federal Reserve deixou de publicar as suas estatísticas em 23/Março/2006, sem grandes explicações. Mas esconder dados empíricos para dificultar análises nunca é uma atitude inocente. Por isso, os colossais aumentos da oferta monetária que se seguiram (basta lembrar as Quantitative Easings) não puderam ser espelhados estatisticamente de modo oficial.

Historicamente, um aumento da oferta monetária costumava ser um estímulo ao funcionamento da economia real. Exemplo grotesco disso foi o caso Alves dos Reis cuja injeção de moeda falsificada até estimulou a economia de Angola em 1925. No entanto, tal estímulo só funciona quando os aumentos da oferta são razoáveis – não quando são gigantescos, tal como agora. David Webb explica:

“Comecei a seguir sistematicamente a taxa de crescimento em M3, a mais vasta medida da moeda naquele tempo (a qual já não é publicada). Estudei o que estava a desdobrar-se incrementalmente e vi que em semanas individuais era criada nova moeda correspondente a mais do que 1% do PIB anual dos EUA. Foi quando me ocorreu pela primeira vez que o Fed estava a obter menos “impacto pelo dinheiro” (“bang for the buck”), que o PIB não estava a responder à criação monetária. Isto significava que a velocidade da moeda estava a inverter-se e que o crescimento monetário estava agora muito mais alto do que qualquer crescimento do PIB. O dinheiro que estava a ser criado não estava a ser injetado na economia real, mas conduzia a uma bolha financeira sem nenhum relacionamento com a atividade econômica subjacente. Entendi isto, não em retrospectiva mas sim em tempo real. Se eu podia saber disto, Alan Greenspan e as pessoas que trabalhavam com ele também podiam. Então, porque é que o fizeram? Se algo não faz sentido, é necessário mudar a perspectiva e mirar para um entendimento mais amplo. As crises não ocorrem por acidente; elas são induzidas intencionalmente e utilizadas para consolidar poder e colocar em vigor disposições para medidas que serão utilizadas posteriormente.

“Por volta do 4º trimestre de 1999, quando a Bolha Dot-Com estava a alcançar extremos, vi que a oferta monetária estava a ser aumentada a mais do que 40% em taxa anual. Entendi então que a Velocidade da Moeda estava a entrar em colapso. Um tal colapso ocorre quando a economia não está a crescer apesar de taxas muito elevadas de criação monetária”.


Ao examinar o gráfico ao lado verifica-se que a capacidade de produzir crescimento através da impressão de moeda foi exaurida, criar mais moeda já não ajudará. “O fenômeno é irreversível”, afirma o autor. Assim, o anúncio do Great Reset foi motivado não por patranhas como o chamado “aquecimento global” ou a dita pandemia e sim pelo conhecimento certo do colapso deste fenômeno monetário fundamental. As implicações disto estendem-se muito além da análise econômica.

Como se pode saber que tudo isto foi planeado intencionalmente? A evidência decorre do exame dos seus preparativos. É o que Webb descreve minuciosamente ao longo dos 10 capítulos do seu livro: Desmaterialização; Direito à segurança; Harmonização; Gestão do colateral; Porto seguro para quem e seguro do que?; Central clearing (tomadas do risco de contrapartes); Feriado bancário; A grande deflação; Conclusão.

Este comboio já está em andamento e o que Fed está a fazer é aumentar as taxas em meio a uma condição de debilitamento econômico e uma crise bancária. Isto é exatamente o que foi feito na Grande Depressão. E, acrescenta o autor, “eles estão a fazer isto com a justificação bizarra e cruel de combater o crescimento salarial!”.

E Webb conclui: “Os arquitetos da Grande Tomada planearam e prepararam plenamente a utilização desta dinâmica, seguros no seu conhecimento de que, tal como a noite segue o dia, a deflação prolongada e maciça certamente se seguirá à épica expansão do super ciclo de dívida que eles criaram”. Os destinados pelos deuses à destruição são antes endividados através de baixas taxas de juro!

Apesar da realidade sombria que descreve, o livro foi escrito com a intenção de ser um alerta. Destina-se a por o caso em discussão pública, a criar um movimento de opinião a fim de evitar o destino que eles nos preparam. “Dívida não é uma coisa real. É uma invenção, uma construção concebida a fim de tomar coisas reais”, afirma Webb. Assim, tal como muito milhões de milhões podem ser criados para salvar bancos privados, o mesmo certamente poderia ser feito para salvar os depositantes. Na Mesopotamia, há milhares de anos, os reis já sabiam disso e criaram o famoso "ano jubileu" – mas eles não tinham a intenção de tomar todos os bens dos seus súditos. Que isto não seja feito agora é um sinal das verdadeiras intenções deles – a privação e a subjugação. Tal como os gangsters que vendem proteção, os “protetores” aterrorizam os “protegidos”. Acordem!

O original de The Great Taking pode ser descarregado aqui e a versão em português aqui.


[1] A oferta monetária "M0" é o total de papel-moeda em circulação, mais o dinheiro nos cofres dos bancos comerciais e todos os depósitos que aqueles bancos têm em bancos de reserva.

 

A oferta monetária "M1" inclui o "M0" mais todo o dinheiro possuído em contas à ordem nos bancos, além de todo o dinheiro contido em travelers' checks.

 

A oferta monetária "M2" inclui o "M1" mais a maior parte de outras contas de poupança, contas do mercado monetário, mercado monetário a retalho dos fundos mútuos e depósitos a prazo de pequenos valores (certificados de depósitos inferiores a US$100 mil).

A oferta monetária "M3" inclui o "M2" mais todos os outros Certificados de Depósito (depósitos a longo prazo e saldos dos fundos mútuos do mercado monetário institucional), depósitos de eurodólares e acordos de recompra. O Federal Reserve cessou de publicar os dados oficiais da oferta de moeda M3 do dólar americano em 23/Março/2006. Ver www.federalreserve.gov/releases/h6/discm3.htm

Diante dos erros, omissões e ocultamentos das estatísticas dos EUA, felizmente há um economista e estatístico abnegado, John Williams, que faz o trabalho meritório de publicar estimativas dos números enviesados/ocultados pelo governo. Dentre as séries que elabora está a do M3 que o Fed cessou deliberadamente de publicar.


29/Abril/2024

Ver também:

Esta resenha encontra-se em resistir.info

 

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