quinta-feira, 25 de abril de 2024

Preparando-se para a guerra, a Europa neoliberal afunda-se na sua própria lama

Fontes: Desejo de escrever

Por Juan Torres López
rebelion.org/

Os líderes europeus falam sobre a guerra. Ou melhor, da sua inevitabilidade. Dizem-nos que a União Europeia deve preparar-se sem qualquer desculpa possível para enfrentar o conflito bélico e que as nossas economias e orçamentos devem dar prioridade às despesas militares. Mesmo em alguns países, estão a preparar a mobilização de milhares de jovens.

Noutra altura comentarei o quão estranho é que esta convicção seja bastante estranha à percepção dos cidadãos e, além disso, contrária à vontade de pôr fim ao fantasma da guerra que animou as grandes figuras que promoveram a construção da Europa. Agora, quero simplesmente destacar a contradição cínica em que caem todos estes líderes.

Durante décadas (não só depois da crise), impuseram políticas de austeridade que produziram uma perda crescente de atividade, taxas muito baixas de crescimento econômico e uma desindustrialização progressiva, da União como um todo e até de grandes potências como a Alemanha. A melhor prova disso é que a indústria deste último representava 30,2% do seu PIB em 1991 e 36,8% se incluída a construção. No final de 2023, essas percentagens eram de 18% e 24,2%, respetivamente.

A causa fundamental de tudo isto tem sido o declínio progressivo do investimento. Segundo dados do Banco Mundial, na década de 70 representava cerca de 30% do PIB dos países europeus. No final de 2022 era de 25% para toda a União; mas as grandes potências registam um peso muito menor, 16% na Alemanha e 17,3% em França.

Por trás de tudo isto estão as regras de estabilidade orçamental impostas como triplo resultado da incompetência, dos preconceitos ideológicos e da escravidão ao capital financeiro dos líderes europeus.

Até o próprio Fundo Monetário Internacional demonstrou que, em 17 economias da OCDE e desde 1985, o investimento público foi o motor que atraiu o investimento privado, aumentando assim a produção (tanto a curto como a longo prazo) e reduzindo o desemprego. Precisamente, o motor que tem vindo a abrandar constantemente na União Europeia, submetendo-a, contrariamente à lógica econômica mais básica, às mesmas restrições orçamentais que as despesas correntes.

As economias de todos os países da União, sem exceção, pagaram por esta estratégia que só beneficiou o capital financeiro por uma razão muito simples de compreender: vive da dívida a que se deve recorrer quando a atividade econômica progride com baixo desempenho. e, portanto, com falta de renda.

Agora, os líderes europeus devem pagar a conta pelos seus erros e servidões anteriores.

O comportamento da economia russa, que tantos pensavam estar morta em poucos meses devido à guerra e às sanções após a invasão da Ucrânia, tem sido um teste para o algodão: apenas países com uma base industrial poderosa, com economias focadas na produção material de bens e serviços produtivos, podem enfrentar a guerra dos nossos dias com alguma segurança, sem que a atividade e o rendimento diminuam e entrem em colapso.

O esforço para transformar a União Europeia numa potência militar com capacidade para enfrentar os seus supostos inimigos é uma quimera dos líderes europeus; precisamente, porque eles próprios o condenaram à desindustrialização e ao enfraquecimento estrutural, ao imporem as absurdas regras de estabilidade orçamental.

Não tenho dúvidas de que irão agora inverter os seus princípios para aumentar as despesas militares, mas o paradoxo será que mesmo assim a capacidade defensiva europeia não será aumentada, pelo menos a curto e médio prazo. Pelo contrário, a militarização da União aumentará a nossa dependência dos Estados Unidos e obrigar-nos-á a fazer renúncias muito prejudiciais nas despesas produtivas e sociais, o que terá custos muito elevados para a maioria da população que (atenção a isto !) só conseguirão perdurar se, ao mesmo tempo, se fortalecerem as ideias de extrema-direita, xenófobas e militaristas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário