quinta-feira, 9 de maio de 2024

Um conto de dois soberanos, um lacaio e uma babá

O presidente russo, Vladimir Putin, é recebido pelo presidente chinês, Xi Jinping, durante uma cerimônia em Pequim, China, em 17 de outubro de 2023. (Foto: Sputnik/Sergei Savostyanov/Pool via REUTERS)

Os lacaios do OTANistão continuarão pasmos e confusos. E daí? Falta aos lacaios profundidade estratégica, eles apenas se espojam nas águas rasas da irrelevância

Pepe Escobar
brasil247.com/

Surpreendentes imagens especulares rodopiam em torno de dois grandes desdobramentos ocorridos nesta semana, diretamente inseridos na Grande Narrativa que dá forma a meu livro mais recente, Eurasia v. NATOstan, recentemente publicado nos Estados Unidos: a visita de Xi Jinping a Paris e a posse de Vladimir Putin para um novo mandato em Moscou.

É inevitável que esse seja um conto de dois Soberanos contrastantes – a parceria estratégica ampla Rússia-China – e os lacaios: os vassalos do OTANistão/União Europeia.

Xi, a quintessência do convidado hermético, tem uma fina capacidade de ler uma mesa – e não estamos falando da finesse da gastronomia gálica. No momento que se sentou à mesa em Paris, ele entendeu o Quadro Geral. Não se tratava de um tête-à-tête como o Petit Roi Emmanuel Macron. Era um ménage à trois, porque a Medusa Tóxica Ursula von der Leyen, mais apropriadamente descrita como a Pústula von der Lugen (mentiras, em alemão) havia se intrometido na cena.

Para Xi, nada se perdeu na tradução: essa foi uma berrante ilustração de que o Le Petit Roi, o líder de uma antiga potência colonial de terceira categoria, goza de zero "autonomia estratégica". As decisões que importam vêm da Kafkaesca Eurocracia da Comissão Europeia (CE), liderada por sua babá, a Medusa, sendo diretamente retransmitidas ao Hegêmona.

Le Petit Roi gastou todo o tempo gálico de Xi tatibitando como um bebezinho sobre as "desestabilizações" de Putin, e tentando "engajar a China, que objetivamente possui influência suficiente para alterar o cálculo de Moscou em sua guerra na Ucrânia".

É óbvio que nenhum consultor púbere no Palácio Elysées – e há um bom número deles – ousou informar o Petit Roi sobre a força, a profundidade e o alcance da parceria estratégica Rússia-China.

De modo que coube à Babá a iniciativa de ler em voz alta as letras miúdas da aventura " “Monsieur Xi vem à França".

Papagaiando fielmente a Secretária do Tesouro Janet Yellen em sua recente e desastrosa incursão à Pequim, a Babá ameaçou diretamente seu superpotente e hermético convidado: você está passando dos limites em termos de "supercapacidade", você está produzindo demais, e se não parar, vamos sancioná-lo até a morte.

Aí está a "autonomia estratégica" europeia. Além do mais, não vale a pena repetir o que só pode ser descrito como estupidez suicida.

Defendendo firmemente o debacle - Vamos agora passar ao que realmente interessa: a cadeia de acontecimentos que levou à suntuosa quinta posse de Putin no Kremlin.

Começamos com chefe do GRU (o principal departamento de inteligência) do Estado Maior das Forças Armadas russas, o Almirante Igor Kostyukov.

Kostyukov, oficialmente, chegou a confirmar que exatamente na véspera da Operação Militar Especial (OME), em fevereiro de 2022, o Ocidente estava pronto para infligir uma "derrota estratégica" à Rússia no Donbass, logo antes da Grande Guerra Patriótica (o dia da Vitória, por sinal celebrado nesta quinta-feira não apenas na Rússia, mas por todo o espaço pós-soviético).

Então, os embaixadores da Grã-Bretanha e da França foram chamados ao Ministério das Relações Exteriores russo. Eles ficaram cerca de meia hora cada um, separadamente, e saíram sem falar com jornalistas. Não houve vazamentos quanto à razão de ambas as visitas.

Mas essa razão era mais que óbvia. O Ministério das Relações Exteriores entregou aos britânicos uma grave nota em resposta à tagarelice de David "da Arábia" Cameron sobre o uso de mísseis de longo alcance para atacar o território da Federação Russa. E aos franceses uma outra nota grave sobre a tagarelice do Petit Roi sobre mandar tropas francesas para a Ucrânia.

Imediatamente após esse combinado de blábláblá OTANiano, a Federação Russa deu início a exercícios de uso de armas nucleares táticas.

O que começou com uma escalada verbal da OTAN, portanto, teve como contragolpe não apenas mensagens severas, mas também uma ameaça clara e grave: Moscou verá qualquer F-16 que entre na Ucrânia como um potencial portador de armas nucleares – não importando seu desenho específico. F-16s na Ucrânia serão tratados como um perigo claro e presente.

E ainda tem mais: Moscou responderá com medidas simétricas caso Washington empregue algum tipo de míssil nuclear de alcance intermediário com base no solo (INF), na Ucrânia ou em qualquer outro lugar. Haverá retaliação.

Tudo isso aconteceu no quadro de espantosas perdas ucranianas em campo de batalha nos últimos dois meses mais ou menos. Os únicos paralelos são a guerra Irã-Iraque em 1980 e a primeira Guerra do Golfo. Kiev, entre mortos, feridos e desaparecidos, talvez esteja perdendo até 10 mil soldados por semana: o equivalente a três divisões, nove brigadas ou trinta batalhões.

Nenhuma mobilização compulsória, qualquer que seja seu alcance, seria capaz de se opor a um debacle dessa monta. E a tão propalada ofensiva russa ainda nem começou.

Não há como o atual governo dos Estados Unidos, chefiado pelo cadáver da Casa Branca, em um ano eleitoral, enviar tropas para uma guerra que, desde o início, sabia-se que seria lutada até o último ucraniano. E não há como a OTAN, oficialmente, enviar tropas para essa guerra por procuração, porque elas serão moídas como steak tartare em questão de horas.

Qualquer analista militar sério sabe que a OTAN tem menos que zero de capacidade de transferir forças e recursos de dimensões significativas à Ucrânia – mesmo com os atuais e grandiloquentes "exercícios" Steadfast Defender acoplados à retórica mini-napoleônica de Macron.

Então, temos o Ourobouros novamente, a cobra mordendo sua pobre cauda: nunca houve um Plano B à guerra por procuração. E na atual configuração do campo de batalha, além de possíveis resultados, nos vemos de volta àquilo que todos, de Putin a Nebenzya, na ONU, vêm dizendo: só termina quando nós dissermos que terminou. A única coisa a ser negociada é a modalidade de rendição.

E, é claro, não haverá nenhuma conspiração de cheiradores de camiseta suada em Kiev: Zelensky já é uma entidade "procurada" na Rússia e, em poucos dias, de um ponto de vista legal, seu governo será totalmente ilegítimo.

A Rússia alinhada com a Maioria Global - Moscou tem que ter plena consciência de que graves ameaças continuam existindo: o que a OTAN quer é testar a capacidade estratégica de atingir instalações militares, industriais e de energia no interior da Federação Russa. O que poderia ser facilmente interpretado como a última dose de uísque tomada no balcão antes de o salão 404 explodir em chamas.

Afinal, a resposta de Moscou terá que ser devastadora, como já afirmado publicamente por Medvedev: "Ninguém será capaz de se esconder, nem no Capitólio, nem no Palácio Elysées, nem em Downing Street 10. Uma catástrofe mundial irá acontecer".

Putin, na cerimônia de posse, estava calmo, sereno e controlado, intocado pela incandescência histérica que grassa por toda a esfera do OTANistão.

Essas são suas principais conclusões:

A Rússia e apenas a Rússia irá determinar seu próprio destino.

A Rússia irá passar por esse período difícil e de virada histórica com dignidade, e sairá ainda mais forte e, para tal, tem que ser autossuficiente e competitiva.

A grande prioridade da Rússia será salvaguardar o povo e preservar seus milenares valores e tradições.

A Rússia está pronta para fortalecer boas relações com todos os países e com a maioria global. A Rússia continuará a trabalhar com seus parceiros na formação de uma ordem mundial multipolar.

A Rússia não rejeita o diálogo com o Ocidente, ela está pronta para um diálogo sobre segurança e estabilidade estratégica, mas apenas em pé de igualdade.

Tudo isso é supremamente racional. O problema é o outro lado do supremamente racional.

Mas um novo governo russo estará instalado em uma questão de dias. O novo primeiro-ministro será nomeado pelo Presidente após a Duma aprovar a candidatura.

O novo chefe do Gabinete deverá propor ao Presidente e à Duma candidatos a primeiros-ministros adjuntos e ministros – com a exceção do bloco de segurança e do Ministério das Relações Exteriores.

Os chefes do Ministério da Defesa, do FSB, do Ministério de Assuntos Interiores, do Ministério da Justiça, do Ministério de Situações de Emergência e do Ministério da Relações Exteriores serão indicados pelo Presidente, após consultas junto ao Conselho da Federação.

Todas as candidaturas ministeriais serão apresentadas e apreciadas antes de 15 de maio.

E tudo isso ocorrerá antes da reunião mais importante: Putin e Xi cara-a-cara em Pequim, em 17 de maio. Tudo estará em jogo – e sobre a mesa. Então uma nova era irá começar – traçando a rota rumo à cúpula do BRICS+ a ser realizada em outubro próximo, em Kazan, e a todas as providências multipolares a serem adotadas subsequentemente.

Os lacaios do OTANistão continuarão pasmos e confusos – e histéricos. E daí? Falta aos lacaios profundidade estratégica, eles apenas se espojam nas águas rasas da irrelevância.

Tradução de Patricia Zimbres

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