sexta-feira, 31 de maio de 2024

Um jogo perigoso

Imagem: Ilya Perelude

Por ANDREW KORYBKO*

Não há chances da Rússia ficar de braços cruzados e deixar que os Estados Unidos ataquem diretamente qualquer alvo dentro de suas fronteiras

O ministro polonês das relações exteriores, Radek Sikorski, revelou em sua última entrevista ao The Guardian que “os americanos disseram aos russos que, se explodirem uma bomba nuclear, mesmo que não mate ninguém, atingiremos todos os seus alvos [posições] na Ucrânia com armas convencionais, nós destruiremos todos eles. Penso que isso é uma ameaça credível”. Se for verdade, e não há razão para suspeitar que ele simplesmente inventou isso, então os EUA estão jogando um perigoso jogo de galinha nuclear com a Rússia.

Como explico nessa análise sobre a razão da Rússia realizar atualmente exercícios com armas nucleares táticas, que é a dissuasão de uma intervenção militar convencional da OTAN na Ucrânia, procurando, com isso, sinalizar que poderá recorrer a essas armas se essas forças atravessarem o Dniepre. Da perspectiva russa, a força indicada de 100.000 homens, que a OTAN está preparando para invadir a Ucrânia se suas “linhas vermelhas” forem cruzadas, pode representar uma ameaça à sua integridade territorial caso ataquem suas regiões recentemente unificadas.

Desde que se mantenham na margem ocidental do Dniepre, não haveria razão para uma contenção russa por meio de armas nucleares táticas, mas estas poderiam ser realisticamente utilizadas no caso de atravessarem o rio e de fato parecerem se aproximar das novas fronteiras do país. Nesse cenário, a Rússia teria razões para lançá-las sobre as forças invasoras como último recurso, em legítima defesa, para neutralizar preventivamente essa ameaça, de acordo com sua doutrina nuclear.

Depois de ter colocado o leitor a par do contexto em que Radek Sikorski compartilhou a resposta planejada dos EUA à potencial explosão de bombas nucleares na Ucrânia, talvez fique mais fácil de entender agora por que isto equivale a um perigoso jogo da galinha nuclear. Essencialmente, os EUA querem que a Rússia renuncie à sua intenção de utilizar armas nucleares táticas se a força de invasão da OTAN, que supostamente conta com 100.000 homens, atravessar o rio Dniepre, o que poderia acontecer se a Rússia conseguisse um avanço militar.

Se esta sequência de acontecimentos se desenrolar – as linhas de frente entram em colapso, a OTAN intervém convencionalmente na Ucrânia, sua força de invasão, alegadamente de 100.000 homens, atravessa o Dniepre, a Rússia lança bombas nucleares táticas sobre eles e, em seguida, os EUA atacam todas as suas forças nas regiões recém-unificadas –, então a Terceira Guerra Mundial estourará. Não há chances da Rússia ficar de braços cruzados e deixar que os Estados Unidos ataquem diretamente qualquer alvo dentro de suas fronteiras. Retalhará de forma agressiva ou lançará um primeiro ataque nuclear.

A única forma de evitar este pior cenário é a OTAN evitar seus planos de invasão em quaisquer circunstâncias, incluindo um potencial avanço militar russo. No entanto, se ainda assim avançarem devem manter suas forças no lado ocidental do Dniepre e, idealmente, confiar num mediador neutro como a Índia para transmitir à Rússia que não pretendem atravessá-lo, mesmo que se aproximem dele. Qualquer coisa menos que isso é um perigoso jogo da galinha nuclear que poderia literalmente provocar o apocalipse.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.

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