Mas não é surpresa: ele faz parte daquele contingente de concursados cooptados por interesses políticos ou econômicos.
Em outros tempos, a imprensa quatrocentona gostava de apontar desonestidades de adversários. Ademar de Barros e sua caixinha, Paulo Maluf, Orestes Quércia, Renan Calheiros, todos adversários eram fuzilados pelas balas do moralismo, tendo culpa ou não.
O quase silêncio em torno da negociata da venda da Sabesp é a prova maior de que a degradação dos negócios públicos e o negocismo migrou de Brasília para aquele que, em outros tempos, foi o mais independente e moralista estado brasileiro.
Por qualquer ângulo que se olhe, é um escândalo. É escândalo na falta de concorrência, na fixação de um preço inferior ao preço de mercado, na permissão para que uma empresa assumisse o controle da gestão da Sabesp com uma parcela minoritária do capital, a seleção dos investidores premiados com a compra das ações subavaliadas, a falta de compromissos contratuais com a universalização dos serviços, tudo isso compõem um quadro capaz de enrubescer Ademar de Barros.
Mas não é surpresa para quem acompanha o histórico de Tarcísio de Freitas no setor público. Ele faz parte daquele contingente de concursados cooptados por interesses políticos ou econômicos.
Contamos essa história no artigo “Xadrez de Tarcísio, o super-ministro de Bolsonaro, e os negócios do poder militar“.
Tarcísio assumiu um cargo no DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre) em uma das ingenuidades de Dilma Rousseff, que julgou que limparia o órgão com a presença de um militar, ou um ex com ligações com militares. Ainda pairava na ingenuidade nacional a ideia do militar incorruptível.
Aqui, parte do que contamos na matéria:
Provavelmente para segurar a corrupção do órgão, em 2011 Dilma Rousseff demitiu Nascimento e 28 servidores do órgão. E colocou militares no comando, na presunção de que a corporação não fora contaminada pela gana de favores da política.
Para isso, aconselhou-se com o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, pois tinha sido diretor do Departamento de Engenharia e Construção do Exército.
(…) Peri indicou para presidir o órgão o general Jorge Ernesto Pito Fraxe, diretor de Obras de Cooperação do Exército. As licitações foram entregues a um funcionário da CGU (Controladoria Geral da União), Tarcísio de Freitas. Antes da CGU, Tarcísio foi engenheiro do Exército.
Começou ali a saga dos militares no DNIT.
(…) Em 2010 – portanto, dois anos antes das investigações sobre o DNIT – foram abertas investigações para fatos ocorridos em 2004 e 2005.
Descobriu-se uma série de contratos irregulares firmados entre duas fundações do Exército – Fundação Ricardo Franco, de apoio ao Instituto Militar de Engenharia (IME) e Marechal Roberto Trompowsky Leitão de Almeida (ligada ao departamento de educação e cultura do exército-DECEx), ambas de natureza privada.
Segundo relatório do TCU:
verificou-se que foram produzidos, ilicitamente, 88 (oitenta e oito) processos licitatórios direcionados à determinado grupo de empresas, através de pagamentos antecipados, indevidos e sem a correspondente comprovação da execução dos serviços contratados, objetivando-se o efetivo desvio de recursos públicos, resultando em prejuízos ao Erário no montante aproximado de R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais).
“1 – A maioria absoluta das empresas contratadas era controlada pelo Major Washington Luiz de Paula;
2 – Nenhuma das empresas suspeitas aparece creditada nos estudos técnicos apresentados ao DNIT como produtos dos convênios;
3 – Os serviços contratados não foram realizados.
Alguns serviços especializados, como radargrametria, por exemplo, são inexistentes. Foram utilizados bancos de imagens públicos que se encontravam disponíveis em bases públicas como IBAMA e IBGE;
4 – Diversas instituições de ensino (Universidade Federal do Pará, Universidade da Região de Joinville, etc) foram as verdadeiras autoras dos estudos contratados por meio de termo de cooperação ou instrumento similar.
Concluímos que houve fraude generalizada, mediante conluio entre militares e empresas de fachada controladas pelo Major Washington Luiz de Paula, para frustrar o caráter competitivo da licitação, em pelo menos 200 processos licitatórios promovidos pelo Instituto Militar de Engenharia – IME e pelo Departamento de Engenharia e Construção – DEC, no período de 2003 a 2009.
Na época, o comandante do Departamento de Engenharia e Construção do Exército, onde foram feitos os convênios com o IME, era o próprio general Peri, padrinho da indicação do general Fraxe e de Tarcísio de Freitas.
Relatório do TCU acusou frontalmente o general Peri de ter beneficiado os militares com dispensa de licitação entre 2003 e 2007.
“No período em que o general Enzo esteve à frente do DEC foram assinados 27 acordos com a Fundação Ricardo Franco, que subcontratou dez empresas ligadas a militares. Todos sem licitação.”
De acordo com o levantamento do portal Sportlight, em uma das denúncias, o Ministério Público Federal (MPF) constatou:
“A maioria dos atestados de capacidade técnica foi subscrito por membros do Exército, extraindo-se do estatuto da fundação ré que ela se afigura como auxiliar a um Departamento do Exército Brasileiro, o que vem a corroborar a fragilidade e inaptidão de tais documentos em comprovar sua idoneidade e inquestionável reputação ética-profissional”.
Eram as próprias fundações dando atestado de capacidade técnicas às suas próprias empresas.
Por seu lado, o general Fraxe estava sob investigação da CGU, por supostas irregularidades da ONG Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (INDA), criada por Fraxe para fechar contratos com o Ministério. O jornal Valor Econômico publicou reportagem mostrando que trechos da BR-101 tiveram aditivos que elevaram o custo original em até 77%. Os aditivos foram de responsabilidade da Divisão de Engenharia do Exército, chefiada pelo próprio general Fraxe.
Em 2011 o MPF já identificava irregularidades nos contratos do DNIT com a Fundação Ricardo Franco. O órgão contratou a Fundação por R$ 12,6 milhões, para estudos sobre impactos ambientais e sociais dos indígenas que pudessem ser afetados pelo asfaltamento da BR0429. No entanto, descobriu-se que 50% do contrato foram pagos nos primeiros 60 dias. O contrato era para vigorar até outubro de 2014.
O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) serviu para turbinar ainda mais as fundações. Assinou um convênio de R$ 20 milhões com o DNIT, que serviu para contratar até funcionários administrativos, caracterizando o que se conhece no serviço público como “barriga de aluguel”.
Segundo o Estadão, a Ricardo Franco também cedeu 77 funcionários a Dnit, a título de lidar com projetos básicos e executivos de engenharia. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em janeiro, constatou que havia pessoal espalhado por inúmeros setores, como a Comissão de Licitação, a Auditoria Interna e até a Corregedoria.
“Os alocados na DG (Diretoria-Geral) realizam trabalhos de assessoria, respondendo aos órgãos de controle e filtrando pleitos parlamentares.”
“É uma espécie de barriga de aluguel. Você usa para colocar quem quiser dentro”, comparou o ministro José Jorge, do TCU, ao avaliar o caso da SEP. Segundo ele, parcerias como essa, de cooperação técnico-científica, devem ser voltadas para seus objetivos específicos.
(…) Embora se trate de um pacote de serviços técnicos a cargo da fundação, a entidade admite pessoal mediante indicação da Secretaria de Portos para cargos que pouco podem contribuir para a aceleração do PAC. Entre eles, constam parentes de servidores da pasta. O decreto 7.203/2010, da Presidência, proíbe a contratação, para um mesmo órgão, de familiares de funcionários públicos, mesmo quando terceirizados.
Todos os convênios foram assinados no período de Tarcísio de Freitas à frente do DNIT.
O MPF entrou com liminar visando declarar ilegal o convênio firmado entre o DNIT e o Ministério do Exército. Segundo a denúncia, mais de R$ 230 milhões foram repassados às fundações e empresas envolvidas no esquema.
(…) Em setembro do ano passado (2020), investigações da PF levantaram escândalos em contratos assinados por Tarcísio quando esteve à frente do DNIT. Embora não formalmente investigado, seu nome foi citado 17 vezes no inquérito.
No DNIT, Tarcísio assinou parte dos contratos investigados na Operação Circuito Fechado, com desvios de R$ 40 milhões para Business To Technology (B2T).
“O primeiro contrato com a Business To Technology (B2T) para fornecer licenças de softwares (programas de computadores) para o Dnit foi assinado pelo atual ministro em 14 de agosto de 2012, no valor de R$ 11,7 milhões. Depois disso, mais dois aditivos, nos anos seguintes, tiveram o aval dele, elevando o negócio para R$ R$ 22,6 milhões. Segundo a PF, não há qualquer evidência de que o serviço foi efetivamente prestado e a suspeita é de que as contratações serviram de fachada para o dinheiro ser desviado.”
Seguindo a PF, a Advocacia Geral da União apontou a necessidade de três providências:
1. Para que o órgão demonstrasse “a justificativa de que os preços unitários estimados” eram compatíveis com os praticados no mercado.
2. Para “apresentar pesquisa de mercado nacional”.
3. Comprovar, de forma efetiva, que os preços estimados para o certame se encontravam em conformidade com a realidade do mercado, de forma a evitar qualquer prejuízo ao erário.
Os alertas aconteceram ainda em 2012, antes da formalização da licitação e da assinatura de dois aditivos com a B2T. A PF aponta que o DNIT, inclusive, “ignorou as sugestões da AGU acerca das irregularidades contidas na pesquisa de preços”, por meio de um parecer dado em 13 de agosto de 2012.
No mesmo dia 13 de agosto de 2012, Tarcísio assinou o contrato, sem mencionar os alertas. Justificou apenas que havia recursos para a contratação.
“Mesmo assim (diante das irregularidades apontadas), no dia 15/10/2014, o diretor geral substituto do DNIT, Tarcísio Gomes de Freitas, e o diretor presidente da B2T, Nelmar de Castro Batista, assinaram o segundo termo aditivo do contrato nº 786/2012, no valor total de R$ 4,18 milhões, sendo que mais da metade desse valor, o total de R$ 2,631 milhões, foi destinado aos serviços de consultoria e de treinamento, serviços que podem propiciar o desvio de recursos públicos”, registra o inquérito.
Recentemente, a B2T foi acusada em compra de sistema pelo Ministro Osmar Terra, do Ministério da Cidadania. De setembro de 2020, a Operação Gaveteiro foi bater em novas negociações da B2T. Além de contratos em vários Ministérios, a B2T continuava atuando no DNIT.
Em nota divulgada, o DNIT, subordinada a Tarcisio, dizia ter tomado a iniciativa de colaborar com as autoridades.
Mais que isso, o inquérito apontou que a B2T usou uma empresa de fachada para pagar as emissões e propinas. Três funcionários subordinados a Tarcísio receberam propinas. Um deles, Marcus Thadeu de Oliveira Silva, voltou a trabalhar com Tarcísio, quando foi nomeado Ministro da Infraestrutura de Bolsonaro.
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