Lula durante entrevista a correspondentes (Foto: RICARDO STUCKERT)
Presidente revelou como se dedicou a reinserir o Brasil no contexto geopolítico internacional após sua volta ao poder
Nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista abrangente no Palácio da Alvorada a jornalistas de agências internacionais e discutiu extensivamente sobre os esforços de seu governo para restabelecer a relevância global do Brasil. O presidente também abordou a importância de combater a desigualdade e a fome como objetivos globais e mencionou os planos para alterar a governança mundial e a necessidade de uma transição energética. Adicionalmente, Lula respondeu perguntas de correspondentes sobre a relação do Brasil com a China, destacando o crescimento da parceria bilateral e a cooperação em diversos setores. Ao final da entrevista, ele reafirmou seu compromisso com políticas que visam a melhoria das condições de vida no Brasil e o fortalecimento da posição do país no mundo. Confira a íntegra:
Presidente Lula: Bem, primeiro deixa só situar a nossa entrevista aqui. A primeira coisa que eu queria dizer para vocês aqui, essa entrevista é uma entrevista onde vocês podem fazer a pergunta que vocês quiserem, como vocês quiserem, sobre o que vocês quiserem, porque a única coisa que pode acontecer de diferente é eu não saber responder, e eu falo: eu não sei responder. Eu peço ajuda para vocês.
A outra coisa é que vamos fazer a coisa mais verdadeira que a gente pode fazer. É uma coisa muito séria, porque o povo também está cansado de entrevista chapa branca, entrevista que, sabe, as pessoas só falam o que o governo quer. E para começar essa entrevista, eu queria começar mostrando para vocês o seguinte. Quando eu tomei posse, dia 1º de janeiro de 2023, um dos objetivos que eu tinha era tentar recuperar a imagem e a participação política do Brasil nessa nova geopolítica mundial.
O Brasil era um país que tinha importância quando eu deixei a presidência em 2010. Ele teve importância com a Dilma e, depois do impeachment, o Brasil foi perdendo importância de relacionamento no mundo.
O Brasil virou quase que um pária mundial. Ninguém queria vir aqui e ninguém queria receber o presidente lá. E eu tinha como missão tentar resgatar essa imagem do Brasil, porque o Brasil pode e tem tamanho, tem população, tem conhecimento tecnológico, científico, tem base intelectual, para ser um protagonista internacional. E a gente só consegue ser protagonista internacional se a gente se respeitar. Porque ninguém respeita quem não se respeita.
Então, eu resolvi tomar a atitude de fazer uma viagem... Vou até só dizer para vocês o seguinte. Entre 2023 e 2024, a primeira viagem que eu fiz foi participando da COP no Egito. Eu ainda não era presidente da República, mas eu fui participar em outubro, novembro, no Egito. Depois, eu fiz reuniões com a Argentina. Com a Argentina, eu fiz uma reunião bilateral, fiz uma multilateral.
Depois, eu fiz multilateral com o Uruguai, bilateral com os Estados Unidos, bilateral com os Emirados Árabes, bilateral com Portugal, bilateral com Espanha, bilateral com o Reino Unido, multilateral do G7 em Hiroshima, bilateral na Itália, bilateral Vaticano, bilateral França, multilateral Mercosul-Argentina, bilateral Colômbia, multilateral Selac, Bélgica e União Europeia, que foi na Bélgica, bilateral Bélgica, bilateral Cabo Verde, bilateral Paraguai, multilateral Brics, na África do Sul, bilateral Angola, multilateral CPLP, São Tomé e Príncipe, multilateral G20, Índia, multilateral G77, Cuba, bilateral com Cuba, multilateral ONU-Estados Unidos, bilateral Arábia Saudita, bilateral Catar, multilateral Emirados Árabes, bilateral Alemanha, bilateral Guiana, multilateral Caricom, multilateral Selac, bilateral Egito, bilateral Etiópia, multilateral União Africana, bilateral Colômbia, multilateral OIT na Suíça, multilateral G7 na Itália, multilateral Mercosul, Paraguai e bilateral Bolívia.
Essa foi a agenda que nós cumprimos em 2023. O dado forte dessa nossa decisão de voltarmos ao mundo é que eu participei de todas as reuniões que envolveram todos os assuntos importantes no mundo. A começar com a reunião entre a União Europeia e a América Latina, na Bélgica, para a gente discutir a questão do acordo entre a América Latina, entre o Mercosul e a União Europeia. Só aí são 33 países da América Latina, são 27 da União Europeia.
Depois eu participei da União Africana com 54 presidentes da União Africana e mais alguns convidados. Depois eu participei no Caricom com 15 presidentes dos pequenos países do Caribe. Depois eu participei da Selac com os 33 da América Latina. E depois nós participamos das organizações do G7, do G20 e G77. E acho que nós conseguimos, com essa participação, colocar o Brasil no cenário internacional. Sobretudo, com três temas que nós consideramos extremamente importantes.
O primeiro deles, a luta contra a desigualdade e o combate à fome nesse país. A luta contra a desigualdade, a luta contra o combate à fome, a luta contra a pobreza, é uma luta que não pode ser feita por um país. Ela tem que ser feita pelo conjunto dos países que estão dispostos a assumir essa responsabilidade, eu diria, histórica.
A fome não é um fenômeno da natureza. A pobreza é um fenômeno do comportamento humano, ou seja, dos dirigentes políticos. Então, a ideia da gente criar essa coisa importante da aliança global contra a desigualdade, a fome, é a razão principal, o tema principal do G20. Além dessa aliança que nós pretendemos contar com muitos países, nós vamos discutir a questão de mudança governamental na ONU, ou seja, é preciso que a gente tenha uma governança mundial mais ativa, mais altiva, uma instituição multilateral como a ONU, que tenha mais representatividade, que tenha mais países e não apenas os cinco que criaram a ONU e que estão no Conselho de Segurança.
E, ao mesmo tempo, nós vamos discutir um outro assunto extremamente importante, que é a questão da transição energética que o planeta tanto necessita, tanto precisa. E além da transição energética, o Brasil tem um potencial extraordinário, que vocês sabem, não só por conta que a gente já tem 90% da nossa energia elétrica renovável, nós temos 50% da matriz energética toda renovável, nós temos etanol há mais de 40 anos, temos biodiesel desde 2023, temos biomato, temos eólica, temos solar, e agora entra o momento de exploração do hidrogênio verde.
Ou seja, tudo isso são perspectivas extraordinárias para os países como o Brasil, para os países da América do Sul, para os países africanos. É uma perspectiva extraordinária, é onde os países pobres têm condições de discutir com os países ricos em igualdade de condições. O que é diferente é que os países ricos não têm a riqueza mineral que nós temos, não têm a riqueza florestal que nós temos, mas eles têm os recursos para ajudar que você possa utilizar essas riquezas que você tem de floresta, de fauna, de água.
Você tem que ter recursos suficientes para você poder manter isso de pé. Uma outra coisa que nós vamos discutir também é a questão da taxação das pessoas mais ricas desse país. Vocês sabem que 3 mil pessoas detêm uma riqueza patrimonial de 15 trilhões de dólares. Isso é mais do que o PIB da Alemanha, do Japão, da Inglaterra, juntos. Então é preciso que a gente faça uma discussão.
Não é difícil acabar com a fome, acabar com a miséria. É só a gente fazer com que as pessoas que têm acumulação de riqueza distribuam um pouco em forma de pagamento de imposto. E eu acho que é possível construir um consenso. Não estou dizendo que é fácil, estou dizendo que é possível construir um consenso em defesa da taxação dos mais ricos.
Eu queria começar dizendo isso para vocês porque, além de todas essas viagens que nós já fizemos, nós estamos em uma fase agora que é o mundo que vem ao Brasil. O Brasil visitou o mundo, agora o mundo vai visitar o Brasil. Nós, nesse nosso G20, tem algumas novidades. Primeira novidade, nós temos 67 reuniões do G20 para fazer, dos vários campos.
Nós criamos o G20 social. E estamos trabalhando com o empoderamento das mulheres que foi criado na Índia e que a gente quer fortalecer muito porque as mulheres têm um papel extremamente importante na sociedade e cada vez mais as mulheres assumem papel político e nós precisamos então, até o Brasil serve como exemplo, porque aqui nós aprovamos uma lei no Congresso Nacional, definitivamente, que define o seguinte: trabalho igual, salário igual entre mulheres e homens.
Já tem lei, mas não é todo empresário que aceita isso. Tem muita gente relutando. Então, companheiros, além da gente fazer o G20 aqui, o ano que vem, eu ainda tenho esse ano os Brics na Rússia, Kazan, eu tenho a COP 29 em Baku, no Azerbaijão, eu tenho a Apec que vai ser em Lima, no Peru, e tenho os Brics e a COP 30, aqui no Brasil. Então, eu penso que a coisa extraordinária de novidade é que você, há muitas décadas, todo mundo ouve o mundo inteiro falar da Amazônia. “Amazônia, Amazônia”. Eu lembro que na época da dívida externa, nos anos 80, quando eu viajava mundo afora, as pessoas falavam: “presidente Lula”. Presidente não, não era presidente, coisa nenhuma.
Aí o pessoal falava: “presidente Lula, o que vai fazer? A Amazônia é o pulmão do mundo, e a Amazônia é o pulmão do mundo”. E eu falava: “e a dívida externa é a pneumonia”. Então, por favor, vamos tentar cuidar desse pulmão, e precisa de recursos para cuidar desse pulmão. Bem, o dado importante é que agora a Amazônia vai falar para o mundo.
É por isso que nós convocamos a COP na cidade de Belém, que é um lugar muito especial na Amazônia. É um lugar em que a gente pode ter problemas, porque não tem toda a estrutura que tem em uma cidade grande como Paris, como São Paulo, como Londres, como Madrid, como Nova York, não. Mas a gente vai fazer lá mesmo, que é para as pessoas sentirem como é que vivem as pessoas que moram na Amazônia.
Então, para nós vai ser uma coisa extraordinária. Eu espero que a gente saiba tirar proveito disso o máximo possível, e que a gente possa ter sucesso na nossa... Bem, além disso, companheiros, eu acho que vocês estão acompanhando o bom momento da política brasileira. Eu sou tido como presidente de sorte. Ou seja, tudo o que acontece comigo é porque eu tenho sorte. Então, fica demonstrado que, na vida, o jornalista precisa ter sorte e um pouco de competência. O político tem que ter sorte e um pouco de competência.
E o dado concreto é que eu encontrei com a diretora-geral do FMI em Hiroshima, em janeiro de 2023, e ela taxativamente disse que a economia brasileira só ia crescer 0,8%, ou, quem sabe, um pouco menos. E eu falei para ela: “a senhora está enganada. A economia brasileira vai crescer mais de 0,8%”.
Crescemos 2,9%. A inflação está controlada. O desemprego está caindo. Nós temos o menor desemprego dos últimos 10 anos. Numa demonstração de que as coisas estão andando, no Brasil as pessoas precisam aprender a utilizar a macroeconomia, que o mercado tanto discute através da imprensa, mas discutir a microeconomia, que é o chamado pequeno crédito para milhões de pessoas nesse país, que faz a economia funcionar.
Eu digo sempre, e vou terminar para deixar vocês perguntarem, eu digo sempre que um mundo em que poucos têm muito dinheiro, o resultado da sociedade é miséria, é analfabetismo, é prostituição, é fome, é desemprego. Mas num mundo em que todos têm um pouco, é exatamente o contrário. A sociedade vira uma sociedade de classe média, a sociedade pode consumir, a sociedade pode almoçar fora, a sociedade pode viver dignamente.
Então, esse conceito de repartição das coisas, de quem tem muito para favorecer aqueles que não têm nada, não é nem uma questão política ideológica, é uma questão bíblica. Todo mundo sabe que foi por isso que os poderosos quiseram nem que Jesus Cristo nascesse.
Então, dito isso, eu me coloco à disposição de vocês para vocês fazerem as perguntas que vocês vieram fazer aqui. Eu não sei se falta alguma coisa para falar para vocês. A bandeira é mais ou menos isso que eu falei pra vocês: a aliança global contra a fome e a pobreza, a questão da governança mundial, a questão da transição energética. São temas importantes que eu não sei se interessam para vocês, mas eu quero dizer que eu estou à inteira disposição.
Jornalista Chen Weihua: Bom dia, presidente. Meu nome é Chen Weihua. Sou correspondente da agência de notícias chinesa Xinhua. Nos últimos anos, a China e o Brasil realizam vários intercâmbios e trocas de experiências em áreas como a combate à fome e à redução da pobreza. E este ano marca os 50 anos de relações bilaterais entre a China e o Brasil.
Então, posso perguntar, senhor presidente, qual a sua avaliação do desenvolvimento das relações China-Brasil durante esses 50 anos e que expectativas tem para a cooperação amistosa entre os dois países nos próximos 50 anos? E a segunda parte da minha pergunta é sobre o trabalho do Sul Global. O Brasil sediará a cúpula dos líderes do G20 deste ano e vai lançar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
Isso aqui reflete a contribuição positiva dos países do Sul Global para o fortalecimento da conversa internacional. Senhor presidente, em termos de luta contra a fome e a pobreza e também da promoção de um desenvolvimento global mais inclusivo e da salvaguarda da paz mundial, que tipo de cooperação podem os países do Sul Global, incluindo a China e o Brasil, podem realizar? Obrigado.
Presidente Lula: Muito bem. É importante dizer para vocês que este ano nós completamos 50 anos de relações diplomáticas e comerciais com a China e nós queremos fazer uma grande festa aqui no Brasil porque o presidente Xi Jinping vai vir em uma visita oficial e nós pretendemos discutir com os chineses uma nova parceria estratégica entre o Brasil e a China.
Uma parceria estratégica que envolva não apenas exportação de commodities, mas que envolva, no fundo, a gente fazer uma discussão envolvendo ciência, tecnologia, envolvendo a produção de chips, de software. Ou seja, o que nós queremos, na verdade, é ter uma parceria estratégica que faça com que a relação Brasil-China seja infinitamente maior, mais próspera e que possa gerar emprego na China e emprego no Brasil.
Eu estou muito otimista com essa visita do presidente Xi Jinping e estou muito otimista com a reunião do G20. A China é um grande parceiro do Brasil. É importante lembrar que foi no meu primeiro mandato que eu reconheci a China como economia de mercado. Não foi uma tarefa fácil aqui no Brasil porque muita gente não queria que eu reconhecesse a China como economia de mercado. E eu reconheci a China como economia de mercado porque eu queria colocar a China dentro da OMC. Eu não queria que ela ficasse agindo de forma paralela.
Então é melhor legalizar, trazer para dentro e fazer a discussão. E eu acho que foi correto. Acho que foi extremamente correto. Hoje, embora você possa dizer que a China é um país socialista, você possa dizer que a China é um país que tem um partido único, a verdade é que a China fez com que o capitalismo fosse utilizado em benefício de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas. O crescimento da China é inegável. Ninguém pode reconhecer, pode não concordar, mas ninguém pode deixar de reconhecer o que a China fez nesses últimos 30 anos e 40 anos no mundo.
Então a China é um parceiro que nós vamos ter sempre em conta, sempre ter uma relação privilegiada porque interessa estrategicamente para a China e interessa estrategicamente para o Brasil. E também porque nós somos contra uma nova Guerra Fria. Nós somos contra a nova Guerra Fria. Ou seja, nós queremos que haja liberdade comercial, haja liberdade diplomática entre os países e não queremos ninguém tentando controlar outros países.
Eu acho que muita gente nos anos 80, muita gente, muitos empresários americanos, muitos empresários europeus, acharam que era importante fazer investimento na China para tirar proveito da mão de obra de salário muito baixo. E foi assim que teve um período que a gente comprava um tênis, era made in China, comprava uma televisão, era made in China, comprava uma camisa, era made in China, comprava uma roupa, era made in China.
Foi assim. Todo mundo foi para a China. O que a China fez? A China aprendeu a fazer. A China formou milhões de engenheiros, milhões de especialistas e a China passou a produzir melhor do que os países que estavam donos das empresas lá. E hoje a China produz tanto ou mais do que os outros países numa demonstração de que o Brasil tem que aprender. O Brasil pode aprender com a China. Como é que a China conseguiu em tão pouco tempo dar o salto de qualidade que deu na questão comercial?
Eu não sei se vocês já visitaram a China, mas quem for à China, qualquer cidade, escolha qualquer cidade que você vai ver que o desenvolvimento é extraordinário, o crescimento é extraordinário. Às vezes é até difícil da gente imaginar como é que conseguiram em tão pouco tempo fazer aquilo. Mas esse é um fato real. E o mesmo está acontecendo agora um pouco na Índia, mais lentamente, mas está acontecendo. Um pouco aconteceu no mundo árabe.
Hoje, quando você vai nos Emirados Árabes, você não confunde mais com um mundo, sabe, que tinha camelo e que tinha muito deserto. Não! Ou seja, Dubai está virando uma Nova York de tanto prédio, de tanta modernidade, de tanta coisa. Esse mundo é que o Brasil está aprendendo a fazer. O Brasil precisa pegar todo o resultado do crescimento do Brasil para fazer investimento interno, para melhorar a vida do povo.
Então nós temos que ter em conta isso. Eu acho que a China é um parceiro essencial na luta para o crescimento econômico do Brasil, para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. A China é essencial para que, junto com o Brasil, a gente possa fazer mais duas coisas. Fazer um combate à fome. E o combate à fome, a maior contribuição que um país pode dar é combater a fome internamente no seu país.
É por isso que aqui no Brasil eu digo: na hora que você coloca o pobre no orçamento, você está colocando a fome. E nós, em apenas um ano e seis meses, já tiramos 24 milhões de pessoas do mapa da fome. É possível fazer.
Então, a grande contribuição é cada país acabar com a fome no seu país. E depois, o que sobrar, todo mundo se junta para ser solidário e resolver o problema. É isso que eu espero que a gente tenha com a China, para que a gente possa fazer mais 50 anos ou 100 anos de relações altamente positivas.
Vocês perceberam que eu falei aqui na minha fala inicial que eu vou para a Apec. A Apec é o Encontro dos Países do Pacífico. O Brasil nunca foi convidado, mas dessa vez eu fui convidado. Aí me disseram que a China quer discutir comigo a Rota da Seda. E eu quero discutir com a China a Rota da Seda. Eu quero saber aonde é que a gente entra, que posição nós vamos jogar, porque nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular.
Então, essas coisas, um país como o Brasil não tem que ter medo. Não tem que ter medo. Eu tenho dito para os meus ministros, vocês precisam viajar o mundo inteiro, conhecer todas as experiências de um país grande, pequeno, médio, porque não é um país só que sabe tudo.
Eu lembro quando a China tinha um PIB menor do que o Brasil, eu lembro quando a China produzia menos aço do que o Brasil. E hoje a China produz um bilhão de toneladas e o Brasil continua produzindo 35 milhões de toneladas, com potencial de 51 milhões de toneladas. Então, não tem alternativa para um país do tamanho do Brasil, que não seja a pluralidade nas suas relações com todo mundo. Nós não queremos brigar com os Estados Unidos para estar junto com a China. Nós não queremos brigar com a China para estar junto com os Estados Unidos.
Nós queremos ter relação com a China, com os Estados Unidos, com a Alemanha, queremos ter aliança na América do Sul, porque esse é o papel de um país do tamanho do Brasil. Esse é o papel de um país importante, que tem muita perspectiva de um futuro muito promissor do seu povo.
Jornalista Simone Iglesias: Presidente, bom dia. Muito obrigada por essa conversa. Eu sou a Simone Iglesias, da agência Bloomberg. Ontem, a gente viu uma reviravolta na eleição americana. O presidente Biden desistiu de concorrer, está endossando a Kamala Harris, a sua vice. É uma discussão que ainda vai ser feita dentro do Partido Democrata. Então, primeiramente, eu gostaria de saber o que o senhor acha dessa desistência do Biden e dessa possibilidade da Kamala assumir a candidatura a presidente contra o Donald Trump.
E, junto a isso, eu sei que o Brasil tem muitas divergências, o seu governo tem muitas divergências com o governo Trump, mas ele tem uma posição mais alinhada ao Brasil e à China com relação à guerra da Ucrânia. E ele tem uma relação muito mais positiva com o Putin do que tem hoje o presidente dos Estados Unidos.
Então, eu lhe pergunto, se o Trump for eleito novamente agora esse ano, se ele pode, afinal, ser o mediador e a pessoa necessária para acabar com a guerra da Ucrânia, tendo essa posição mais alinhada com a da China e do Brasil nesse contexto. Obrigada.
Presidente Lula: Olha, uma coisa que é justo eu dizer para vocês. Eu conheci o Biden pela primeira vez em uma reunião no Chile. Ele foi como vice-presidente da República, representando o presidente Obama. E, depois, eu fiquei muito feliz quando o Biden foi o candidato do Partido Democrata à presidência da República.
E fiquei feliz quando ele ganhou e fiquei muito mais feliz com os discursos que ele fez em defesa dos trabalhadores. Ele disse coisas no discurso dele que, se fosse dito em outro país, o cara que fez o discurso era chamado de comunista. Porque ele disse textualmente que quem produz a riqueza dos Estados Unidos são os trabalhadores, não são os empresários.
Ele disse textualmente, sabe, “eu vou governar para fazer com que os trabalhadores voltem a ter respeitabilidade, a ter salário, a ter uma série de coisas.” Mas, ainda, ele me convidou para fazer junto com ele uma parceria estratégica para o trabalho decente nesse país.
Eu fui a Nova York, tivemos um encontro, uma reunião bilateral, assinamos um documento, assumimos um compromisso que está funcionando entre o governo brasileiro e o governo americano, entre os trabalhadores brasileiros e os trabalhadores americanos.
Então, eu gosto muito do Biden, gosto muito, respeito muito o Biden. Bem, a candidatura do Biden, eu disse no início, quando se começou a discutir se ele ia sair ou não, que dependia dele. Somente ele pode entender se ele tem condições ou não tem condições. Você percebe? Somente ele. Porque qualquer dirigente político pode, sabe, pode até contar uma mentira para o mundo inteiro, mas você não conta para você. Você sabe, a verdade está dentro de você.
Então, na medida que o presidente Biden resolveu tomar uma posição, o meu papel é torcer para que eles escolham um candidato ou uma candidata que disputa as eleições e que vença aquele que for o melhor, aquele que o povo americano votar.
Porque o meu papel não é escolher o presidente dos Estados Unidos, o meu papel é conviver com quem é o presidente dos Estados Unidos. Então, seja um candidato democrata, seja o Biden, seja o Trump, a nossa relação vai ter uma relação civilizada de dois países importantes, que têm uma relação diplomática de séculos e que a gente quer manter e que temos parcerias estratégicas importantes com os Estados Unidos e nós queremos manter.
Eu espero que vai ser assim. Espero que a disputa se dê da forma mais civilizada possível, espero que não tenha baixo nível, espero que não tenha nada que possa colocar o símbolo da democracia em risco. Eu penso que, com relação à guerra da Rússia e da Ucrânia, eu acho que houve uma precipitação mundial e, na minha opinião, por conta da fragilidade da governança mundial.
Se a ONU tivesse mais representatividade, ela convocaria uma Assembleia Geral extraordinária para discutir qual seria o comportamento da ONU. Ora, mas não, o que aconteceu? Os Estados Unidos tomaram a dianteira de dizer que tinha que derrotar a Rússia, que tinha que vencer a Rússia, sabe, outros europeus foram juntos e o que aconteceu é que, até agora, você saiu da mesa de negociação e a guerra não acabou. Todo mundo sabe que uma guerra custa muitas vidas, custa muito dinheiro, traz prejuízos enormes, as coisas que você levou séculos para construir e, de repente, você destrói com uma bomba.
Então, eu acho que faltou paciência para o diálogo. Faltou paciência. Possivelmente, o Putin tenha achado que começar a guerra seria uma coisa fácil para ele e, possivelmente, o Zelensky tenha achado que o fato de ter tantos aliados também fosse fácil para ele. O que está provado é que não é fácil para nenhum. É difícil para todo mundo. É difícil para quem está em guerra, muito mais difícil para o povo que está sendo vítima dessa guerra e também é difícil para os países que resolveram financiar essa guerra.
É uma coisa que está ficando cara e isso começa a pesar no orçamento individual de todos os países. O Brasil e a China assinaram um documento entre o representante de Xi Jinping e o Celso Amorim. É um documento que está sendo levado em conta para que a gente tente criar uma situação de mesa de negociação. E ela só pode acontecer quando o Putin e o Zelensky quiserem. Porque são os dois que estão conflitando. E o Brasil estará à inteira disposição.
Eu sempre disse que a China joga um papel muito importante na tentativa de fazer com que a gente encontre o caminho de paz. A Índia joga um papel importante. Eu estou dizendo, estou citando países grandes que não estão envolvidos diretamente na guerra, que estão de fora e que estão analisando a guerra, como nós no Brasil.
Por que nós tomamos a decisão de não participar, de não fazer as coisas que tanta gente queria que a gente fizesse? Era porque eu acredito que somente a paz é que vai resolver o problema da Rússia e da Ucrânia. A guerra não vai resolver aquilo. Ou vai levar, quem sabe, dezenas de anos nessa guerra fratricida que vai destruindo e matando gente e que os políticos não se entendem.
Então, eu sou daqueles que acredito que, em algum momento, vai surgir a oportunidade de fazer a paz. E acho que os Estados Unidos, seja Trump, seja Biden, seja Kamala, seja qualquer pessoa, os Estados Unidos são muito importantes. O presidente dos Estados Unidos tem um peso, independentemente de quem ele seja, pela importância do país, pela pujança da economia, pela pujança do poder bélico, do poder nuclear dos Estados Unidos.
Então, os Estados Unidos também têm muita responsabilidade. E eu espero que, em algum momento, todos nós sentemos e falemos o seguinte: vamos resolver o problema, vamos entrar em paz e vamos tentar negociar quem fica com quem, quem é russo, quem é ucraniano. Outro dia eu até brinquei, seria tão mais fácil fazer uma pesquisa nas cidades que estão ocupadas, quem quer ser russo, quem quer ser ucraniano? Aí a maioria vence, sabe? E você define, não precisa de guerra. Não precisa de paz. Uma urna eletrônica, pode ser, uma urna eletrônica, que é mais honesta e você fica sabendo de que lado o povo quer ficar.
Porque o que a gente vê é uma dicotomia. É o Zelensky dizendo: “o povo é ucraniano, o povo não quer ser russo”. E o Putin dizendo: “não, o povo é russo, o povo fala russo, o povo quer russo”. Ficam os dois brigando com isso e o povo não opina. Então, seria importante o povo opinar para dizer: “oh, gente, eu quero tal coisa. Eu não quero nem ser ucraniano, eu não quero nem ser russo, eu quero ser Brasil”. Aí seria bonito.
Mas é isso, eu continuo esperançoso que a gente encontre uma solução de paz. Nós vamos ter muitas reuniões por esses dias e em cada reunião certamente vai discutir isso. O problema é que nenhum país pode ter uma posição fechada. Eu, por exemplo, os meus companheiros europeus, vocês sabem que eu tenho uma admiração pela tese da União Africana.
Eu acho que a construção da União Europeia é um patrimônio democrático da humanidade. Você imaginar, depois da Segunda Guerra Mundial, os países se reunirem, criarem um parlamento, criarem um banco central, criarem uma moeda e ainda colocar os secretários, que na verdade fazem o papel, quem governa, na verdade, esse mundo são os funcionários. Então, quem vai decidir assinar o acordo União Europeia e Mercosul não é o Olaf Scholz, não é o Macron. Quem vai decidir é a Ursula von der Leyen, que é responsável pela União Europeia.
Então, eu acho que a União Europeia, que é esse patrimônio, eu acho que eles entraram cedo demais no conflito. Eles deveriam ter continuado como o caminho do meio, tentando encontrar um caminho de paz. Eu falei com todos eles, mas, em política, quando as pessoas colocam na cabeça uma coisa, as pessoas não mudam. Então, muita gente achava que ia derrotar o Putin com muita facilidade. E está provado que nem é fácil derrotar o Putin, nem é fácil o Putin derrotar o Zelensky.
Você veja um negócio, só para dar um exemplo. Vamos pegar a Faixa de Gaza, que é um território do tamanho da minha cidade de São Bernardo do Campo: 400 quilômetros quadrados. Já está há quanto tempo essa guerra fratricida do primeiro-ministro de Israel com o pessoal de Gaza? Já mataram quantas milhares de pessoas? E a guerra não acaba. E vai demorar, mesmo Israel tendo decisões da justiça internacional. E é importante escrever sempre que a mesma justiça internacional que condenou o Putin está condenando o Netanyahu. A mesma justiça e a mesma decisão.
Então, se uma guerra dessa, no caso da Faixa de Gaza, já tem decisão do Conselho de Segurança da ONU, já tem reconhecimento da ONU de que a Palestina deve ser reconhecida como um Estado soberano na ONU. Hoje há um grande número de gente defendendo o Estado Palestino, a criação dos dois Estados, que é uma coisa que nós do Brasil sempre defendemos. A criação dos dois Estados para viver de forma harmônica, como vivem todos os outros países do mundo. Mas aí, enquanto não houver vontade de fazer acordo, não tem solução. É triste, mas é assim o mundo. É triste, mas é assim.
Eu, no caso do Brasil, fico muito orgulhoso porque o Brasil, graças a Deus, não tem contencioso com nenhum país do mundo. Não tem. A minha bronca agora com a França, porque a França fez a gente... A França eliminou a gente em 86 ou em 88. Foi o Platini que eliminou a gente. Depois, em 98, derrotou a gente. Depois, em 2006, derrotou a gente. O time do Brasil era infinitamente superior ao da França. A Argentina fez justiça. É bem verdade que a Argentina fez justiça ao Brasil.
Mas o Brasil não tem divergência e é bom. Vocês podem ter certeza de uma coisa. Todos os países do mundo gostam do Brasil. Todos. E a recíproca é verdadeira. O Brasil tem que gostar de todos os países do mundo. O Brasil não tem que ficar analisando. “Ah, tal presidente é de direita, tal presidente é de esquerda, tal presidente é isso.” Não é esse o papel de um presidente da República. O Estado brasileiro se relaciona com o Estado chinês. O Estado brasileiro se relaciona com o Estado americano, com o Estado alemão. E se a gente colocar isso na cabeça como coisa definitiva, o mundo vai viver muito melhor.
O mundo não pode ser vítima de provocações. Provocações baratas muitas vezes acontecem. O mundo não pode depender disso, a política não pode depender disso. Por isso, que eu sou um cidadão da paz.
Jornalista Eduardo Davis: Presidente, Eduardo Davis, agência EFE. A gente já se conhece. O senhor está falando, sim, de que obviamente o Brasil tem que ter relações com todo mundo. Mas no mundo de hoje também tem um fenômeno novo sobre o qual o senhor fala muito. Aliás, está convocando junto com Pedro Sánchez uma reunião para a Assembleia da ONU à margem sobre o que fazer com a ultradireita, com o avanço da ultradireita mundial. Aliás, aí vai depender tudo o que estão pensando sobre combate à pobreza. Tudo vai depender do que faça também a ultradireita.
Agora, nós temos, no que chamamos, chamam de esquerda, também temos os nossos próprios fantasmas. Temos uma Nicarágua com perseguidos políticos, com exiliados. Sérgio Ramírez está exiliado. Temos a Venezuela, eleição é domingo, também com uma situação bastante complicada de perseguição, de exílio. Além dos 7 milhões que saíram basicamente por pobreza, temos exiliados também, por exemplo, outros Ramírez. Rafael Ramírez, aquele que era presidente da PDB, que o senhor tratou muito, mão direita dos Chávez, está exiliado.
Então, como se dá essa articulação para tentar conter a ultradireita global que está se organizando, sim, enfrentar os nossos próprios fantasmas e colocá-los no lugar em que, de uma maneira ou outra, estão.
Presidente Lula: Olha, deixa eu te dizer uma coisa. Não é anormal na civilização atual você ter candidatos de direita e de esquerda. Você ter candidato socialista e antissocialista. Isso não é anormal. Sempre foi assim. Você pega o mundo desenvolvido, vamos pegar os países mais modelos de desenvolvimento, você pega os Estados Unidos, são dois partidos políticos. Você pega a Alemanha, são dois partidos políticos.
Você pega a França, eram dois partidos políticos, agora, teve o terceiro, que foi o do Macron. Mesmo assim, já perdeu e os socialistas voltaram a crescer. Você tem na Suécia dois partidos políticos. A América do Sul é sui generis, porque o Brasil tem 32 partidos políticos, a Argentina, eu já estou com 78 anos e não consigo entender o que é o peronismo na Argentina, pela pluralidade do que é o peronismo.
Então, o que eu acho é que se você disputa uma eleição e ganha um cidadão de direita, esse cidadão pode ser de direita sobre a sua visão econômica. Ele pode ser de direita sobre a sua visão social. Mas ele não pode ser de direita com relação ao respeito aos valores democráticos. Os valores democráticos significam você respeitar as instituições que foram criadas para garantir que a democracia funcione. E aí é o Congresso Nacional, aí é o Poder Executivo e o Judiciário.
Ou seja, quando eu ganhei as eleições daqui eu disse, eu vou tentar trazer o Brasil de volta à normalidade. O poder Legislativo legisla, o poder Executivo governa e o poder Judiciário julga as coisas que caírem lá. Se cada um cumprir com a sua função fica tudo resolvido.
Na medida em que as pessoas, sabe, ultrapassam o limite da compreensão, da convivência democrática na adversidade, e as pessoas começam a utilizar fake news, a contar inverdades, a mentir, como aqui nesse país um presidente que mentia 11 vezes por dia e fazia da mentira uma profissão de fé. Quando isso acontece é ruim. É ruim para a formação da sociedade. É ruim para o futuro do país. É ruim para as nossas crianças e para os nossos jovens.
Por isso, que eu acho que nós temos que fazer o debate e a disputa de narrativa. Nós, os setores considerados progressistas da sociedade, eu não estou nem falando de socialistas, estou falando setores progressistas da sociedade democrática, tem que brigar por valores.
Eu tive o prazer de governar o meu país, no momento em que eu tinha Chávez na Venezuela, que eu tinha Rafael Correa no Equador, que eu tinha Toledo e depois Alain Garcia no Peru, que tinha o Nicanor e depois o Lugo no Paraguai, que tinha Nestor Kirchner e Cristina na Argentina, que tinha Michelle Bachelet e Lagos no Chile, que tinha Tabaré e Pepe Mujica no Uruguai, e que tinha uma coisa, o Evo Morales na Bolívia.
Então, eu tive o prazer de governar a América do Sul no melhor momento democrático da América do Sul desde o seu descobrimento por Cristóvão Colombo, do lado da Espanha, e pelo Cabral, do lado do Brasil. É o momento mais auspicioso de ascensão social da sociedade da América do Sul, foi nesse período, de 2002 a 2013, 2014.
Então, eu sinto agora que é um retrocesso na visão de discussões sobre problemas que ajudam o povo mais pobre, o povo mais humilde, os trabalhadores, que precisam participar da riqueza do seu país, que precisam participar do crescimento econômico do país. No mundo inteiro está diferente. Veja, hoje, os americanos, os democratas e os republicanos são adversários há mais de 100 anos. Mas era uma adversidade normal. Você era democrata, você era republicano, você poderia casar um filho seu com um democrata, um filho casar, não tinha nenhum problema, sabe. Mas agora não.
Agora você tem 90% de pessoas que são contra que um filho do democrata case com um republicano, um republicano case com um democrata. Você estabeleceu uma linha em que você deixa a civilização de lado e você entra numa loucura política, em que você acaba com o argumento, porque a mentira não precisa de argumento. A mentira só precisa de acusação.
Ou seja, a defesa é que precisa de argumento. Então, você tira a palavra argumento do dicionário e você coloca a palavra fake news, desrespeito, provocação, sabe, do outro lado. Então, o que eu acho? Eu acho que nós, eu inclusive estou tentando fazer uma reunião na ONU, por ocasião da ONU, com todos os presidentes democratas do mundo, para a gente discutir um pouco como é que a gente vai trabalhar para sustentar o regime democrático, em que o povo seja soberano na escolha dos seus membros, que a Constituição seja soberana para que todos a cumpram, e que a convivência democrática na adversidade tem que ser um padrão. Não pode ser uma coisa como acontece hoje.
Então, eu acho que se a gente não fizer o debate, a gente não vence. É importante lembrar, os setores mais à esquerda, nos últimos 40, 50 anos, defendiam o fim do sistema. O sistema estava errado, era para destruir o sistema. Agora quem defende o fim do sistema é a direita e ainda diz que nós somos o sistema. E na medida que eu estou no governo, eu não sou o sistema, mas eu convivo com o sistema. Você percebe?
Então, eles criticam, eles negam tudo. Negam a Suprema Corte, negam o Poder Judiciário, negam o Congresso Nacional, negam a urna eletrônica. Como é que alguém, como é que um candidato como eu pode negar a urna eletrônica? Eu, desde a primeira eleição para presidente em 89 até hoje, o meu partido, ou é o primeiro ou é o segundo, ou é o primeiro ou é o segundo, é o primeiro ou é o segundo.
Como é que pode eu ter ganho as eleições três vezes pela urna eletrônica? Se houvesse qualquer possibilidade de erro, poderia ser que eu não fosse presidente da República. Então, eu defendo essa seriedade do processo eleitoral. E aí eu entro na questão da Venezuela. Veja, eu convivi com a Venezuela desde janeiro de 2003, quando eu tomei posse.
Eu estava na posse do presidente Guterres no Equador, quando eu tive uma conversa com o Chávez e eu propus ao presidente Chávez criar um grupo de amigos da Venezuela para garantir que houvesse um referendo na Venezuela. E nós colocamos dois países que a Venezuela não queria: Estados Unidos e Espanha. Os venezuelanos diziam que os Estados Unidos eram os responsáveis do golpe, que era o Bush. E os espanhóis, o Aznar foi o primeiro presidente a reconhecer os golpistas. E nós colocamos eles.
E quando nós colocamos, o Fidel Castro me procurou para dizer que a gente estava entregando Venezuela ao imperialismo. Eu falei: “Não, Fidel, não estamos entregando. Acontece que eu estou querendo criar um grupo de amigos da Venezuela e não um grupo de amigos do Chávez. É um grupo de amigos da democracia na Venezuela.” Então, como tem uma oposição e a sociedade é mais ou menos dividida, lá é 50/49, 51/48, sempre foi assim.
Então, como tem uma sociedade dividida em dois blocos, é muito melhor você ter gente que representa o outro lado. E foi extraordinário, porque deu resultado, deu acordo, houve um referendo. A oposição não quis participar, você está lembrado disso. Então, agora, o Chávez morreu, aconteceu o que aconteceu. Nós não temos mais Cristina, não temos mais Kirchner, não temos mais Lagos, não temos mais Michelle. Agora temos o nosso companheiro Boric, que está iniciando sua carreira política.
Nós temos o Luis Arce na Bolívia. Ou seja, diminuiu muito o chamado setores progressistas da sociedade. Então, o que a gente tem que torcer? Eu, por exemplo, acho, já falei com o Maduro duas vezes, falei com o telefone com o Maduro e o Maduro sabe que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo mundo. Por isso é que o Brasil está mandando duas pessoas da Justiça Eleitoral para a Venezuela. Eu vou mandar o meu embaixador Celso Amorim para a Venezuela.
E vou ver se a Câmara dos Deputados ou Senado pode mandar gente para ir acompanhar. O Amorim vai. Então, o Maduro sabe, eu já disse isso publicamente. Se o Maduro quiser contribuir para resolver a volta do crescimento na Venezuela, a volta das pessoas que saíram da Venezuela e estabelecer um Estado de crescimento econômico, tudo, ele tem que respeitar o processo democrático.
E eu não sei, pelas informações que eu tenho até agora, eu fiquei assustado com a declaração do Maduro, dizendo que se ele perder as eleições vai ter um banho de sangue. Quem perde as eleições toma um banho de voto. Não de sangue. O Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica. Quando você perde, você vai embora. Vai embora e se prepara para disputar outra eleição. Então, eu estou torcendo que aconteça isso pelo bem da Venezuela e pelo bem da América do Sul.
A questão da Nicarágua. A Nicarágua, veja, virou um problema não para outros países, virou um problema para a Nicarágua. Faz tempo que eu não converso com o Daniel Ortega, porque quando eu fui conversar com o Papa Francisco, o Papa Francisco pediu para eu conversar com o Daniel Ortega sobre um bispo que estava preso lá. O dado concreto é que o Daniel Ortega não atendeu o telefonema e não quis falar comigo. Então, nunca mais eu falei com ele, nunca mais. Ou seja, eu acho que é uma bobagem.
Quer dizer, o cara que fez uma revolução como o Daniel Ortega fez. Uma revolução. Eu participei do primeiro aniversário daquela revolução. Era um bando de meninas e meninas armado de metralhadora que derrotaram o Somoza. Mas você faz uma revolução para quê? Faz uma revolução por que você quer o poder ou você faz uma revolução por que você quer melhorar a vida do povo do seu país? É isso que está em jogo.
Então, eu também digo todo dia o seguinte, uma vez até o Chávez não gostou muito do que eu disse, depois o Uribe também não gostou, porque o Uribe queria um terceiro mandato. Eu estava numa entrevista coletiva e a imprensa pergunta para mim: “Oh, presidente Lula, o que você acha do terceiro mandato?” Eu falei: “Olha, eu sou favorável à alternância de poder. Porque na alternância de poder você pode ter gente das mais diferentes classes sociais governando o país.” Então, a disputa eleitoral é muito importante.
Eu acho que o modelo brasileiro e o modelo americano são as coisas mais extraordinárias que tem. Você tem um mandato de quatro anos, se você for bem, você pode se candidatar à reeleição. Se você for bem, o povo vota em você. Se você não for bem, o povo não vota em você. Simplesmente assim.
Bem, quando um dirigente bota na cabeça que ele é imprescindível ou que ele é insubstituível é porque aí começa a nascer o espírito do ditador, do cara que acha que só ele vai poder resolver, quando na verdade o que vai resolver é o povo escolhendo das pessoas para assumir o poder. Não tem nenhum problema se o cara quer ser a terceira vez e for democrático ótimo, ótimo. Mas o cara que está com o poder da máquina na mão, ele tem mais facilidade do que a oposição.
A eleição minha foi muito difícil aqui, porque eu estava enfrentando um governo que utilizou nos últimos dois anos 60 bilhões de dólares para se perpetuar no poder. Então, nós derrotamos porque foi um trabalho muito sério e, graças a Deus, a maioria da sociedade brasileira é democrática e ela queria a democracia de volta. Foi isso que aconteceu, sobretudo as mulheres, mas foi a maioria, não só de número, mas a maioria de eleitores. Então, é assim que eu penso, eu quero tranquilidade.
Olha, a minha experiência, a minha experiência com a democracia, eu até gosto de contar como exemplo. Eu, em 1985, eu não acreditava que um operário metalúrgico pudesse chegar à Presidência do Brasil. Não acreditava que, pela via do voto, eu chegaria à Presidência da República do Brasil. Quatro anos depois, vem as eleições de 89, e eu disputei as eleições contra todas as grandes lideranças desse país: Leonel de Moura Brizola, doutor Ulisses Guimarães, o doutor Paulo Maluf, o doutor Aureliano Chaves, o doutor Mário Covas, o doutor Afif Domingos...
Era tanto candidato, sabe, famoso, e eu era um metalúrgico de São Bernardo que fui candidato a presidente. Pois bem, foram exatamente os dois mais novos que foram para o segundo turno. E nós fomos para o segundo turno, aí eu comecei a pensar: bom, é possível a gente ganhar as eleições pela via do voto.
E você sabe que quando eu tive essa certeza, eu fiz a primeira reunião do Fórum de São Paulo. Eu convidei toda a esquerda latino-americana para ir no Hotel da Nuvem em São Paulo, na rua Brigadeiro Luiz Antônio, era campeonato mundial, Maradona estava em alta, sabe? E eu queria provar para a esquerda que era possível chegar ao poder pela via do voto. Pela luta armada era muito mais difícil, e os prejuízos eram muito maiores, e vida humana não são recuperáveis, e pelo voto a gente pode ser.
E foi assim que todo mundo foi para o voto. Acabou a guerrilha e todo mundo foi para o voto. Hoje Petros é presidente da Colômbia. A Dilma, que foi uma mulher presa e torturada, virou presidente do Brasil. O metalúrgico ganha a terceira vez as eleições para presidente do Brasil. Isso só pode ser uma coisa gloriosa pro sistema democrático. Sabe?
Eu de vez em quando eu digo o seguinte: se você pegar as revoluções que aconteceram no mundo, você não vai ver um operário como o cabeça. Você não vai ver. Então, as pessoas que lideram são os setores de classe média, os setores mais preparados intelectualmente.
No caso do Brasil, o Brasil é atípico. O Brasil foi um dos operários que criaram o partido político, sabe? Esse operário foi candidato para presidente da República, e nós fomos o segundo em 89, segundo em 98, segundo em 94, primeiro em 2002, primeiro em 2006, primeiro em 2010, primeiro em 2014, segundo em 2018 e primeiro em 2022. Então a democracia, meu caro, ela tem um valor fundamental e não é pouca coisa.
Jornalista Lisandra Paraguaçu: Presidente, Lisandra Paraguaçu, da agência Reuters, para o assunto econômico. São duas questões. Primeira, em relação ao Banco Central, a equipe econômica está cobrando, está pedindo que seja anunciado logo o novo presidente, os diretores, para fazer um processo mais simples. Eu queria saber se o senhor tem, na sua cabeça, um prazo para fazer essas indicações. Se o senhor já conversou com o ministro Haddad sobre isso.
E em relação aos bloqueios do orçamento. Sexta-feira foi anunciado o valor, já tem gente dizendo que não é o suficiente. Eu queria saber se o senhor acha que tem espaço para bloquear mais recursos, se é necessário e se o senhor fica satisfeito com os valores que chegou. O que o senhor pediu para a equipe econômica?
Presidente Lula: O que eu acho engraçado no Brasil é que o Brasil acho que é o único país do mundo em que uma parte da imprensa dá muito mais valor à discussão se o Banco Central vai ser autônomo, se não vai ser autônomo, se vai ser privado, se vai virar empresa, do que em qualquer outro país do mundo.
É muito engraçado isso no Brasil. Nós temos hoje no Brasil, é importante saber disso, grande parte dos meios de comunicação no Brasil hoje estão subordinados ao sistema financeiro. Ou porque estão quebrados e tem um banco financiando. Quase todos. Então, eu vejo de vez em quando as primeiras páginas dos jornais e as principais manchetes dentro, é o mercado falando, é a Faria Lima falando.
Ninguém vai perguntar para um economista que não seja do mercado, ninguém vai perguntar para o presidente da CUT, ninguém vai perguntar para o presidente da Força Sindical, ninguém pergunta para mim. Só você que está perguntando agora que eu vou falar. O que que eu acho, na verdade? Eu falo com muito orgulho, porque eu fui presidente oito anos com o presidente do Banco Central, do PSDB, o Meirelles tinha sido o deputado federal mais votado no estado de Goiás.
Eu não conhecia o Meirelles, eu trouxe o Meirelles para ser presidente do Banco Central. E eu duvido que esse menino que está aí tenha mais autonomia do que o Meirelles teve. Eu duvido. Esses dias eu vi na imprensa que ele já teve 30 e não sei quantas reuniões com o Bolsonaro. Se ele já teve 30 e poucas reuniões com o Bolsonaro, ele teve muito mais do que eu tive em oito anos com o Meirelles. Muito mais.
Então, independência de quem? Independência do povo? Independência dos interesses da população brasileira? Então, vamos ver a declaração dele essa semana aqui que vocês publicaram nos jornais. O que que saiu escrito? Ele reconhece, reconhece que a economia está crescendo e está gerando emprego. E isso é um problema. Porque na hora que gera emprego, gera aumento de salário. E na hora que gera aumento de salário, gera inflação. Alguém precisa dizer para ele que a inflação ela só acontece quando o aumento de salário é superior à produtividade da sociedade. Deveria ser assim.
Então, como é que pode um rapaz que se diz autônomo, presidente do Banco Central, estar incomodado com o fato do povo mais humilde estar ganhando aumento de salário? Ele deveria estar preocupado com a Eletrobras, que era pública e tinha um presidente que ganhava 60 mil reais por mês. Ela foi privatizada e o presidente hoje ganha 360 mil reais por mês. Ele deveria estar preocupado com o presidente da Vale, um senhor que ganha 55 milhões por ano.
Isso é que deveria estar preocupado. E não o salário do povo trabalhador. Então, veja, eu tenho dito publicamente o seguinte: a questão de responsabilidade fiscal eu trago nas minhas entranhas. Porque eu conto sempre o modelo econômico da minha mãe. E ela dizia: “meu filho, a gente só pode gastar aquilo que a gente ganha. Se a gente gastar mais do que a gente ganha, a gente vai quebrar”.
A não ser que você faça uma dívida para construir um ativo novo. Mas se você fizer dívida para gastar, você vai quebrar. Isso é o que me baseia. A minha grande lição de economia é essa. Não aprendi na USP, não aprendi na Unicamp, não aprendi em Harvard. Aprendi com uma mulher analfabeta chamada Dona Lindu.
Ela pegava o pagamento dos oito filhos e ela distribuía o dinheiro: Isso aqui é para pagar a dívida da padaria, isso aqui é para pagar a dívida do açougue, isso aqui é para pagar a conta de luz, isso aqui é o dinheiro do transporte de vocês. Nunca sobrava nada.
Mas tudo bem. Assim eu aprendi a governar. Vocês estão lembrados que foi no nosso governo que a gente disse: a gente não vai dar um cavalo de pau nesse país. Um transatlântico como o Brasil não comporta um cavalo de pau. A gente quer fazer as coisas da forma mais madura. Vamos lembrar o que foi a minha campanha, gente.
Na minha campanha eu dizia que tinha quatro ou cinco palavras mágicas. A primeira palavra mágica era estabilidade. Estabilidade jurídica, estabilidade econômica, estabilidade fiscal, estabilidade social e estabilidade jurídica.
E dizia mais ainda. Além da estabilidade tem outra palavra mágica chamada previsibilidade. No meu governo, ninguém será pego de calça curta com notícias à meia-noite.
Ela vai ser dada sempre com a luz do sol, para que todos vocês saibam o que a gente está fazendo. Então, de vez em quando eu fico boquiaberto, sabe, com tanta gente dando palpite no que a gente vai fazer. Primeiro, a gente sabe como fazer. Eu até agora estou mais presunçoso. Eu digo o seguinte: não tem ninguém nesse país que tenha mais experiência de presidente do que eu. Ninguém. Teve Dom Pedro, que foi 69 anos imperador. Esse não vale. Teve Getúlio, que ficou de 30 a 45 e depois de 50 a 54.
Depois disso, sou eu. Então, eu já vivi tanto essas coisas, gente, eu já vivi tanto essa discussão que isso não me abala, mas me chateia, porque tem que estar discutindo o secundário. Eu tenho um metalúrgico chamado Vicentinho, que é deputado federal, que eu trato ele de filósofo, porque ele criou uma filosofia que é o seguinte: o importante é o principal, o resto é secundário.
Então veja, o importante é fazer a economia brasileira crescer, o importante é fazer a distribuição da riqueza, o importante é controlar a inflação. E eu sei a importância do controle da inflação, que eles não sabem. Eu sei porque eu vivi dentro de fábrica 27 anos e vivi dentro de fábrica quando a inflação era 80% ao mês.
Qual é a experiência dele com a inflação? Nenhuma. Eles moram em Miami, moram não sei aonde, não pagam nem IPTU, nem IPVA no Brasil. Então, essa gente não sabe o peso da inflação, eu sei. Eu sei porque eu senti na carne e na mesa. Então, a minha responsabilidade com a inflação ela é maior do que a de qualquer cidadão que você possa imaginar.
Com relação à indicação de uma pessoa para o Banco Central. Veja, eu tenho que indicar, não apenas vou ter que indicar várias pessoas para o Banco Central. Eu sempre fui contra a autonomia do Banco Central, sabe? O Fernando Henrique Cardoso, quando foi presidente, ele trocou acho que quatro vezes o presidente do Banco Central. Eu não troquei nenhuma. Então, isso é autonomia.
A segunda coisa que eu falo é o seguinte: eu, na hora que eu indicar, eu vou combinar com o Haddad, e o Haddad vai dizer: “presidente, acho que está na hora da gente indicar”. Na hora que ele falar comigo, nós vamos indicar. Eu espero que a gente encontre uma pessoa que seja, sabe, do ponto de vista técnico, muito competente, que seja do ponto de vista político, muito honesto e muito sério, e que seja uma pessoa efetivamente que ganhe autonomia pela sua respeitabilidade, pelo seu comportamento.
E não por alguém que diz que tem autonomia e se reuniu mais de 36 vezes com o ex-presidente. Isso é o que vocês publicaram na imprensa ontem ou antes de ontem. Só para saber, ele se reuniu mais com o Bolsonaro em quatro anos do que Meirelles se reuniu comigo em oito. Porque não há necessidade de fazer reunião com o Banco Central. Então, é isso.
Com relação ao bloqueio no orçamento. Veja, não é a primeira vez que a gente faz bloqueio no orçamento. Ora, toda vez que você faz um orçamento e que você chega, você tem que apresentar um relatório hoje, segunda-feira. E você vai tendo que ir medindo aquilo que foi aprovado, aquilo que você tem que cortar. O mesmo dinheiro que você pode cortar agora, talvez você não precise cortar esse dinheiro daqui a dois meses ou três meses. Depende da arrecadação.
O problema é que, às vezes, eu fico triste como ser humano é que as pessoas que ficam felizes com o bloqueio, sabe, de dinheiro, de obras, as pessoas que estão felizes com a desoneração, com os 17 grupos empresariais muito grandes nesse país. 17, sabe, desoneração que vai custar 27 bilhões. Seria melhor não ter desoneração porque você não precisava bloquear nada.
Então, o Tribunal de Contas preparou um relatório. Não sei se vocês viram. O Tribunal de Contas fez a avaliação das contas minhas do primeiro ano. E uma coisa fantástica, não só aprovou as contas, como descobriu que desoneração não vale nada, a não ser aumentar o lucro. Porque não tem contrapartida. Não tem contrapartida.
Então, quando você desonera, sabe, você está apenas favorecendo o lado empresarial. Você não garantiu mais emprego, você não garantiu estabilidade. Esse é o dilema.
E o Brasil, segundo o Tribunal de Contas, tem 509 bilhões de desoneração em isenção fiscal. Para quem? Não é para o pobre, é para o rico. Então, veja, nós vamos sempre que precisar bloquear, nós vamos bloquear.
Toda vez que você vê essa discussão, você pode lembrar da dona Lindu. Você pode falar: o filho da dona Lindu não vai gastar mais do que ele ganha. Porque é isso que me dá o direito de ser respeitado. É isso que me dá o direito de ter chamado o FMI aqui e dizer, em 2005: “eu não quero mais dever para o FMI, eu vou pagar o FMI”. Não só paguei o FMI, como emprestei mais 15 bilhões de dólares para o FMI. Então, é esse país que eu quero construir.
Eu não fui eleito pela terceira vez para brincar de governar. Eu fui eleito porque eu quero dar um exemplo outra vez, de que é possível a gente fazer desse país uma pátria efetivamente democrática, do ponto de vista de diminuir a desigualdade, a desigualdade de raça, desigualdade de gênero, desigualdade de educação, desigualdade na saúde, desigualdade no transporte, desigualdade na qualidade da comida. É muito desigual o país.
Então, eu quero ver se é possível a gente tornar isso mais igual. Por isso é que nós damos aumento do salário mínimo real. Vocês também já viram essa discussão.
Não, mas é preciso desvincular o salário mínimo, não sei das quantas. Ô gente, a gente não tem que desvincular o mínimo. O mínimo é o mínimo do mínimo do mínimo. O nome já diz. Ninguém pode ganhar menos que o mínimo. O que é que nós fazemos? Nós, quando fazemos reajuste para o salário mínimo, a gente repõe a inflação para manter o poder aquisitivo. E, ao mesmo tempo, a gente pega a média dos dois últimos PIBs e a gente coloca no salário, como aumento real. Ou seja, nós estamos apenas dividindo o crescimento da economia brasileira pelos 203 milhões de brasileiros. É isso que é o aumento do salário mínimo.
Jornalista: Você está falando daquela discussão sobre a previdência?
Presidente Lula: Não. Não, é sempre que as pessoas acham. Eu estou dizendo que o presidente do Banco Central disse que o salário crescendo é muito ruim para a inflação. Talvez, na cabeça dele, o bom para a inflação seja a criança morrendo de desnutrição, seja a criança morrendo de fome, seja saber que tem 750 milhões de pessoas que não têm o que comer. Então, é essa discussão que nós temos que fazer para a sociedade brasileira ter em conta que caminho que a gente quer seguir. Eu estou convencido de que o Brasil é um país que tem tudo para oferecer para o seu povo, condições de vida dignas.
Gente, se eu disser para vocês como é que nós encontramos esse país, não tem noção. Esse país tinha... Era uma coisa... Se eu pudesse dar um exemplo, chamaria, encontrei o país como se estivesse na Faixa de Gaza. Porque vários ministérios desmontados, vários ministérios sem funcionário. O Ibama tinha 700 funcionários a menos do que quando eu o deixei em 2010. Gente, eu dou um número para vocês que é muito marcante. Que é o número mais marcante.
Quando eu deixei a presidência, dia 31 de dezembro de 2010, esse país chamado Brasil produzia 3 milhões e 800 mil carros. Era vendido nesse país 3 milhões e 800 mil carros. Não produzia tudo porque alguns eram importados, tá? Quando eu voltei, 15 anos depois, esse país só vendia um milhão e 800 mil carros. Ou seja, metade. Metade.
E agora eu estou fazendo um esforço muito grande, sabe, e as coisas estão acontecendo, porque a indústria automobilística já anunciou investimentos de 130 bilhões até 2028. Sabe, o povo, a indústria chinesa vir para cá foi muito importante porque alavancou a vontade dos outros competir. É isso que o Brasil precisa. É isso que o Brasil precisa. Então a gente não vai brincar com a palavra chamada estabilidade fiscal, estabilidade econômica e estabilidade social. São três valores fundamentais na minha vida e eu quero fazer deles um novo jeito desse país voltar a crescer e distribuir um pouco daquilo que ele produz.
Jornalista: Presidente, com essa presidência do G20, o Brasil quer assumir a liderança no combate ao clima, mas como o país pode assumir essa liderança climática se aposta no petróleo e explorar a margem equatorial? E segunda pergunta, é seu objetivo colocar no comunicado final do G20 em novembro o abandono dos combustíveis fósseis? Obrigado.
Presidente Lula: Veja, eu sou amplamente favorável a que o mundo tenha uma transição energética muito poderosa que faça com que a gente possa abdicar da utilização de combustível fóssil. Agora, a realidade é que o mundo ainda não pode prescindir do petróleo.
Esse é o dado. O que nós precisamos é o que nós estamos fazendo no Brasil. Nós estamos utilizando a nossa querida Petrobras para que ela seja um dos instrumentos de fomentação da produção e do crescimento da transição energética.
Mas nós não vamos deixar de explorar a riqueza que nós temos porque o mundo ainda precisa de petróleo e o Brasil precisa de dinheiro. Nós somos um país em que nós temos 90% da nossa energia elétrica limpa. Nós somos um país que utiliza 30% de etanol na gasolina há muito tempo.
Nós somos um país que utilizamos 15% de biodiesel no óleo diesel. Ou seja, na verdade, o que o mundo deveria fazer, com um pouco de humildade, era aprender. Eu lembro que em 2008 eu era presidente da República, eu recebi aqui mais de 98 dirigentes do mundo inteiro. A União Europeia iria adicionar 10% de etanol na gasolina até 2020. Já estamos em 2025 e não adicionou um litro.
O Japão iria adicionar 3% e não adicionou nada. Ou seja, então é o seguinte: o Brasil tem a fórmula, tem o conhecimento científico e tecnológico e tem empresa para fazer isso. E nós vamos fazer. E se as pessoas quiserem produzir aço verde, venha produzir no Brasil. Se as pessoas querem produzir carro verde, venham produzir no Brasil. É isso que nós vamos fazer.
E é por isso que a gente não pode prescindir do petróleo. Porque o petróleo é uma das fontes em que a gente pode utilizá-lo para tentar favorecer a transição energética. E, ao mesmo tempo, aumentando a participação de biodiesel no óleo diesel e de etanol na gasolina.
É assim que nós vamos fazer. Mas eu sou, como princípio, eu sou favorável a que a gente, sabe, daqui a alguns anos não tenha mais combustível fóssil. Agora o mundo tem que estar preparado para isso.
Eu, sinceramente, não acredito que as grandes economias do mundo estejam preparadas para isso. E o Brasil pode, porque a frota do Brasil pode utilizar 100% de etanol. Esse Brasil, esse país já teve esse carro que era a gasolina, era a etanol e era a gás.
O mesmo carro. Então está provado que o Brasil tem conhecimento de sobra para ajudar o mundo a encontrar a solução. Mas eu acho que esse debate no G20 vai sair também.
É importante que saia. É importante que saia, porque o G20 ele é um fórum em que a gente debate coisas que não têm que ser aplicadas no dia seguinte, mas a gente debate coisas importantes para a mudança do comportamento dos dirigentes. Por exemplo: como é que você vai trabalhar a regulação dessas empresas de aplicativos? Você tem cinco ou seis empresas no mundo que ganham uma fortuna e uma parte dela ganha muito dinheiro veiculando inverdades, veiculando mentiras.
Como é que você vai fazer uma regulação que seja democrática, que você não tire o direito de liberdade das pessoas, mas que você diga o seguinte: o mesmo crime que é julgado presencialmente, é o mesmo crime da internet. A pessoa que comete um crime na internet é tão, tão culpada quanto o outro qualquer. Nós temos que ter um julgamento para ver se a gente moraliza, e se a gente moderniza, e se a gente traz de volta a civilidade para a internet. A quantidade de mentiras, a quantidade de inverdade, a quantidade de monstruosidade que as pessoas fazem na internet é um troço, assim, absurdo.
Então, a regulação da internet não pode ser só de um país, ela pode ser, quem sabe, de um conjunto de forças políticas, de um conjunto de países que resolvam garantir que essas empresas de aplicativos tenham uma responsabilidade. É isso que nós vamos fazer e eu estou convencido que o G20 é o fórum mais importante para a gente discutir essas coisas.
Jornalista Maurício Savarese: Presidente, Maurício Savarese, da Associated Press. Indo num assunto ainda mais focado de clima, existe uma perspectiva no norte do Brasil de exploração de petróleo, a Petrobras está fazendo estudos. Ambientalistas estão dizendo que o risco de dano ao meio ambiente naquela região também é real. Queria que o senhor comentasse até onde o senhor vê a possibilidade de exploração de petróleo ali, se o senhor ainda está acompanhando os estudos a respeito.
E se eu posso seguir rapidamente, se o senhor pode falar um pouco sobre o seu futuro, seu futuro político, porque, enfim, estamos já discutindo as próximas eleições. O senhor também tem 78 anos, como outros candidatos pelo mundo. Essa decisão do Biden também joga um pouco de luz sobre a sua própria candidatura. O senhor sobreviveu a um câncer, o senhor torce para o Corinthians, que também é muito desgaste. Queria ouvi-lo, como é que o senhor vê disputar o futuro, assim.
Presidente Lula: Obrigado. Primeiro, torcer para o Corinthians não foi uma escolha pessoal, é uma coisa que vem no DNA. Eu nunca tinha ouvido falar em futebol, quando eu cheguei em São Paulo, em 1952, na cidade do Santos, que eu fui morar em Santos, eu virei corinthiano, porque o Corinthians foi campeão do quarto centenário, em 54. E ser corinthiano, para mim, é um jeito de viver. É muito especial ser corinthiano. É muito. Com sofrimento, com alegria. Já vivi coisas excepcionais e já chorei.
Eu lembro que uma vez eu fiquei quase três horas para chegar no Parque São Jorge para ver o jogo do Corinthians. Quando eu cheguei, o jogo já tinha começado, e um tal de Mendes, centroavante da Portuguesa de Desportos tinha marcado três gols no Corinthians. Acho que ele só marcou, se entregou e desapareceu, nunca mais fez nada na vida. Eu cheguei no estádio, quando eu entrei, 3 a 0. Era melhor que eu tivesse faltado no meio do caminho.
Então, o que é que eu penso, na verdade? Veja, o PT, nós assumimos alguns compromissos. Nós assumimos o compromisso de desmatamento zero na Amazônia até 2030. Não foi ninguém que pediu para nós. Fomos nós que assumimos a responsabilidade de que a gente vai diminuir o desmatamento até 2030. Nós agora tivemos esses incêndios no Pantanal. Vocês já publicaram e eu acompanhei que 85% dos focos de incêndio eram em propriedade privada.
Mas nós já colocamos lá quase 850 pessoas, já colocamos 14 aeronaves e 27 embarcações para que a gente possa combater. O que é que é importante? A gente tem conta que é a primeira vez na história do Pantanal, é a primeira vez que o rio está seco no primeiro semestre. Nunca antes na história do Pantanal tinha acontecido uma seca como essa. Então, isso é apenas um aviso. De 14 de janeiro até julho foram 3.900 focos de calor no Pantanal.
E nós agimos com muita rapidez, a Marina (Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima) faz disso uma dedicação quase que exclusiva. E nós vamos tentar cumprir aquilo, porque não é só Amazônia. É Amazônia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga. E ainda os pampas. São seis biomas que nós temos que cuidar no Brasil e vamos cuidar. Não sei se é seis ou cinco. Mas, de qualquer forma, acho que a coisa está avançando.
A questão do petróleo. Quando eu falo a margem equatorial, é importante lembrar que a Guiana Francesa e que o Suriname estão mais perto da costa brasileira do que a chamada faixa equatorial, que é a 575 quilômetros de distância da margem do estado do Amapá. Dá uma distância de São Paulo-Rio de Janeiro, de distância. E depois a Petrobras tem dado demonstrações históricas de que é muito difícil acontecer um incidente na Petrobras. É muito difícil.
Porque é a empresa que tem o maior conhecimento tecnológico de prospecção de petróleo em águas profundas e a Petrobras nunca foi vítima disso. Então, o que nós estamos fazendo? Hoje, para você saber se tem petróleo, você não precisa mais cavar. Não precisa mais ficar furando.
Você pode pegar uma rocha, uma rocha lá do fundo, levar no Instituto Sirius, em Campinas, que eles vão dizer para você se tem petróleo ou não lá. E vão até demarcar a área que tem petróleo. Então, veja, a gente vai pesquisar. Porque o Brasil não pode prescindir da possibilidade de pesquisar. Imagina, não está na água, não está nas 300 milhas brasileiras. Ultrapassa as 300 milhas.
Imagina se o Brasil sai de lá, simplesmente deixa barato. Quando você chegar, tem alguém lá explorando. E depois é o seguinte, a Guiana e o Suriname estão explorando numa situação muito similar à nossa. Então, nós não vamos fazer nenhuma loucura. Nada será feito sem autorização da questão ambiental. O que nós queremos discutir é discutir, seriamente, essa questão ambiental.
E discutir os cuidados que a gente tem que ter. Se, porventura, acontecer um incidente, o que a gente faz? Nós estamos levando muito a sério isso, porque o Brasil, hoje, é a grande referência mundial nessa questão climática. E, por isso, a gente está levando muito a sério.
Qualquer coisa que a gente faça no território brasileiro, em se tratando de combustível, nós levamos muito a sério. Mas, nós vamos precisar de petróleo. O futuro, gente, o futuro... Eu, quando fui eleito a primeira vez, eu disse que se quando eu terminasse meu mandato, o povo estivesse tomando um café, almoçando e jantando todo dia, eu teria feito a obra da minha vida.
Isso, possivelmente, porque eu tinha a fome muito marcada na minha cabeça. Quando eu voltei agora, foi muito triste saber que a gente que tinha acabado com a fome em 2014, voltamos ao Mapa da Fome. O que me deixa feliz é que nós tiramos, até agora, 24 milhões e meio de pessoas da fome e da miséria. Significa que, outra vez, nós vamos acabar com a fome no Brasil. Significa que, outra vez, a massa salarial vai aumentar. Significa que, outra vez, o desemprego vai diminuir.
Significa que a inflação vai estar controlada. E nós estamos trabalhando para reduzir a taxa de juros, que é um grande impeditivo do crescimento mais vigoroso do Brasil, é a taxa de juros mais cara do mundo. Então, daí, a relevância da nossa seriedade na questão fiscal, mas a relevância do Banco Central, pensar um pouco nesse país, e não só na sua função dentro do Banco Central.
Então, eu estou certo que nós vamos terminar o nosso mandato em uma situação muito, muito boa para o povo brasileiro. O que nós estamos fazendo é muita coisa. Nós vamos começar a apresentar agora, eu estava brigando com o Laércio, vamos apresentar as coisas que foram feitas, porque eu... Vou até contar um fato para vocês.
Lá para o meio de janeiro, fevereiro, quando eu fazia a pesquisa, e: “o Lula está caindo, o Lula está caindo”. Eu falava: “Pimenta, pelo amor de Deus, o povo está certo, Pimenta. O povo está correto, eu não entreguei nada ainda”. Eu fui eleito gerando uma expectativa muito grande. Eu já estou há um ano e dois meses e não entreguei nada. Eu já fiz quase 89 lançamentos de políticas públicas dentro do Palácio, mas até você lançar a política pública e ela chegar, é como a água do chuveiro, que você liga e ela vem gelada primeiro, você fica esperando para ela esquentar.
A economia é a mesma coisa. Na hora que você planta, leva um tempo para germinar e você começar a colher. Então, agora nós estamos em uma fase de uma colheita. O que eu prometi? Eu prometi entregar 3 milhões e 600 mil crianças em escola de tempo integral. Eu prometi fazer 100 novos institutos técnicos. Nós criamos um programa Pé-de-Meia para assegurar que os meninos do ensino médio não desistam da educação por conta do orçamento familiar.
Nós estamos pagando uma poupança de R$ 9 mil em três anos. São parcelas de R$ 200 durante dez meses. Vocês já sabem que isso já foi falado. Nós estamos garantindo um pacto com o governo dos estados e com as prefeituras, para alfabetizar as crianças na idade certa. Até o segundo ano do ensino fundamental, as crianças estarão alfabetizadas nesse país. Porque se você não conseguir alfabetizar até essa idade, depois vai ser um retrocesso muito grande ao longo da vida toda.
Então eu estou ciente que nós vamos entregar um Brasil mais produtivo, um Brasil mais feliz, um Brasil com mais gente consumindo, com mais gente tendo carro, com mais gente viajando, com mais gente sorrindo, com mais gente falando de amor e com menos gente falando de ódio, e com menos fake news.
Nós vamos entregar esse país ao povo brasileiro. Aí o futuro a Deus pertence. Quando chegar a hora do futuro, você fala: “Deus, o que faço agora?”. Mas eu estou... Eu só queria que vocês compreendessem o seguinte, eu vivo... Eu tenho dito, inclusive, em alguns discursos que eu tenho feito, é que eu vivo o momento mais importante da minha vida.
Eu estou bem comigo mesmo, mas muito bem. Eu estou com muita consciência do que vai acontecer nesse país. Estou com muita consciência do que nós plantamos e, portanto, eu tenho certeza do que nós vamos escolher. E eu passo para o povo todo santo dia nos comícios que eu faço. Eu hoje me sinto um cidadão pleno. Estou com a cabeça no lugar. Não há notícia que me tire do sério, não há fofoca que me deixe ficar raivoso. Não é nada, não é nada mesmo. Deu na coluna tal, deu... Para mim não importa.
O que importa é você estar consciente da trajetória que você está traçando. E como eu tenho uma causa... Quando o ser humano constrói uma causa para ele viver, ele vive tranquilo. E eu estou tranquilo que a minha causa é cuidar do povo brasileiro.
Cuidar com muito carinho, com muito amor, porque esse povo não merece sofrer o que sofreu. Não merece. A gente não poderia ter tido 700 mil mortes na Covid se tivesse feito apenas aquilo que era necessário fazer. Não precisava inventar nada. Era só fazer o que tinha que ser feito. Nós temos médicos, temos institutos, temos pesquisadores que poderiam dar conta disso.
Graças a Deus, a gente tinha o SUS que pôde salvar muita coisa nesse país. Mas é o trabalho para que a gente tenha uma vacina brasileira. Nós estamos fazendo investimento para a gente ter vacina. Quando tiver uma crise, que Deus queira que não tenha mais, mas se tiver, tem uma vacina, está ali. Nós recuperamos uma coisa importante, que é a vacinação das crianças, que é um processo difícil. Tinha sido criada uma cultura antivacina. E para você vacinar, você tem que convencer as pessoas com muito argumento. Isso está acontecendo.
O Brasil já voltou a ser respeitado na questão da vacinação, já cresceu muito. Então, eu estou vivendo esse momento importante do Brasil. Por Deus do céu, que eu não vejo dificuldade. Não vejo dificuldade. É o seguinte. As dificuldades políticas, elas existem para você resolver. Tem uma dificuldade política, você resolve. Não tem, você não resolve. Mas assim que o Brasil vai dar certo, eu estou convencido de que nós vamos dar certo.
Não vou brigar com nenhum país vizinho. Para mim, se o Trump for eleito, eu vou manter a relação da mesma forma que eu mantenho com os Estados Unidos no tempo do Bush, no tempo do Bush pai, do Bush filho. Não tem nenhum problema para mim. Dos Clintons, do Obama, a mesma coisa. É isso. Obrigado.
Assessoria: Obrigado, pessoal. Completamos a rodada aqui, presidente. Uma hora e meia de entrevista, um pouco mais.
Presidente Lula: Eu ia perguntar. Eu ia perguntar o seguinte, é impressionante que na pergunta da Venezuela e da Nicarágua, eu não tenha entrado na Argentina.
Jornalista: Não, poderia ter entrado na Argentina, poderia ter entrado no Milei (Javier Milei, presidente da Argentina), Bukele (Nayib Bukele, presidente de El Salvador), poderia ter entrado, mas são muitos.
Presidente Lula: Olha, deixa eu dizer para vocês uma coisa. Eu tenho muito em conta, muito em conta, a relação do Brasil com a Argentina. Vocês hão de lembrar que a minha primeira viagem em 2023, ou melhor, em 2003, foi para a Argentina. Porque eu queria fazer um sinal de que a gente iria se voltar para privilegiar a relação com a América do Sul.
Ou seja, se você não cuida da relação daqueles que são seus vizinhos, que estão ligados por um cordão umbilical, que são os nossos quase 16.700 quilômetros de fronteira seca, se você não cuida dessa gente, quem vai cuidar? Então, o meu primeiro gesto foi ir para a Argentina. Então, a Argentina é um país muito importante para o Brasil. Eu tenho certeza que o Brasil é importante para a Argentina.
Então, eu não fico escolhendo quem é o presidente da Argentina. Não cabe a mim escolher o presidente da Argentina, não cabe a mim ficar preocupado com o discurso do presidente da Argentina. Ele seja o que ele quiser. Eu só quero que ele tenha respeito pelo Brasil, da mesma forma que o Brasil tem respeito pela Argentina. Eu só quero que um presidente da República não se esqueça nunca que os interesses do povo são sempre maiores do que os interesses do presidente.
Sempre. É por isso que quando se trata de ter relações com outros países, eu sempre trato de forma privilegiada a relação do Estado brasileiro com o Estado argentino. A relação do Estado brasileiro com o Estado venezuelano.
Não é uma relação pessoal. Não é uma questão de amigo, amizade. Não existe isso entre dois chefes de Estado. Então, é isso que eu espero da Argentina, uma relação civilizada, uma relação crescente. E obviamente que vai depender muito do comportamento do governo da Argentina com relação ao Brasil. Eu estou muito tranquilo.
Estou muito tranquilo porque foi o que o povo argentino conseguiu produzir nas últimas eleições. Como eu fui produzido aqui no Brasil. Vai depender do que a gente faça daqui para frente. Eu continuo tratando o seguinte. Eu continuo tratando todos os países da forma mais soberana possível, sabendo que cada um tem um papel importante e sabendo que todos eles têm importância para o Brasil e que o Brasil tem importância para todos eles.
Se essa relação for mantida, eu não vejo nenhum problema. Se ele, por exemplo, se ele achou que ganhou não indo ao Mercosul para ir a uma reunião lá em Camboriú, se ele achou que é esse o papel do presidente, tudo bem. Quem vai julgá-lo não sou eu, é o povo argentino.
Jornalista: Você chegou a falar com ele alguma vez?
Presidente Lula: Eu não falei com ele. Não, ele passou por mim na reunião do G7 e me cumprimentou. Eu estava até de costas. Eu estava conversando com o meu pessoal. Eu vejo que eu não tenho nenhum problema. Não tenho nenhum problema. Agora, é o seguinte, eu já falei isso, ele tem que pedir desculpas ao Brasil, senão a relação é complicada. Você pode falar a bobagem que você quiser falar desde que você respeite o direito dos outros. É assim que eu faço política internacional.
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