sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Da União Europeia ao Telegram – Nós vamos pegar vocês

(Foto: REUTERS/Albert Gea)

A saga Pavel Durov é um presente que continuará a ser presenteado por muito tempo. É assim que funciona a guerra quente da informação

Pepe Escobar
brasil247.com/

Um analista russo de alto nível defende a tese de que o caso da prisão de Durov está ligado aos “protestos anti-França nas antigas colônias francesas, o afastamento de sua tradicional “esfera de influência”, onde a infraestrutura do Telegram foi usada para vender narrativas anticolonialistas e antimacronistas”.

Acrescente-se a isso uma “tentativa de influenciar narrativas sobre a Ucrânia, tanto no campo da mídia russa quanto no da internacional, que depende fortemente da infraestrutura do Telegram.”

Paris, de fato, está desesperada para ganhar relevância no campo das operações psicológicas e da guerra de influência especial na Ucrânia.

No entanto, como observa esse analista, os franceses não possuem os meios tecnológicos para tal. Isso, portanto, pode ter levado Macron a se decidir por “praticar uma campanha de pressão pessoal contra a pessoa de Durov. As autoridades francesas devem estar bem desesperadas para se manterem no jogo da política global. E o Telegram, hoje, é (itálicos dele) a política global.

Paris só estava esperando por uma grande chance. Quando o piloto do jato Embraer particular de Durov apresentou seu plano de voo, não havia mandado de prisão na França. Só quando o jato voava para Le Bourget o mandado foi emitido às pressas. Durante todo esse tempo, Durov não suspeitou de nada.

Resumindo: Paris recebeu o fatal aviso de que ele estava voando para a França – que pode ter partido da namorada de Durov, uma alpinista social pós-obsessiva baseada em Dubai – e montou a cilada num piscar de olhos.

Uma Eminência na Cadeia

Há um mito de que o FSB, no passado, pediu que Durov entregasse a chave criptográfica do Telegram. Falso. A FSB queria que Durov fornecesse acesso privilegiado às investigações de crimes graves, em regime caso-a-caso. O que é totalmente diferente do que o governo dos Estados Unidos faz com a Meta ou o Twitter-X por meio da total abertura de suas backdoors, ou portas de acesso não documentadas.

Durov, entretanto, embriagou-se com a “liberdade e democracia” propagandeadas pelo OTANistão, rejeitou a Rússia e foi embora.

O que nos leva ao Presidente Putin.

Putin tinha mais o que fazer do que encontrar Durov em Baku, e o Kremlin desmentiu oficialmente a reunião. Durov viajava pela Ásia Central e pelo Cáucaso, e aconteceu de eles se cruzarem no Azerbaijão.

Há uma coisa que Putin nunca tolera: traição à Rússia. O que se aplica ao pé da letra a Durov.

Quando Durov foi aos Estados Unidos, os americanos, como seria previsível, pediram as backdoors do Telegram para vigiar todo mundo. Durov, então, estabeleceu-se em Dubai e, mais adiante, candidatou-se à cidadania francesa.

Durov tornou-se cidadão francês há apenas três anos – significativamente, antes do início da OME na Ucrânia – graças a um programa especial para “estrangeiros eminentes” criado pelo Ministério das Relações Exteriores, para o qual pouquíssimas pessoas se qualificam: é preciso ser “um estrangeiro que fale francês e que contribua, por meio de ações importantes, para a influência da França e a prosperidade de suas relações econômicas internacionais.

Bem, nenhuma ação foi importante o bastante para livrá-lo de uma cadeia francesa.

Como Conseguir essas Chaves

A Comissão Europeia (CE), em Bruxelas, pode ser sumariamente descrita como um notório bando de covardes eurocratas e/ou psicopatas ocupados em que louvar entusiasticamente os “nossos valores”.

Como seria previsível, a CE se recusa a comentar a prisão de Durov, dizendo se tratar de uma “investigação nacional”.

Uma “investigação” que foi “incentivada” pelo Deep State dos Estados Unidos e posta em prática, a partir de 8 de julho, pela polícia macronista vassala, em benefício da OTAN e ... da própria Comissão Europeia.

Aas acusações que pesam contra Durov, reveladas pelo Procurador da República da França, provavelmente serão destruídas nos tribunais por qualquer equipe de advogados competentes. Essencialmente, alega-se que Durov, pessoalmente, é responsável por aqueles que abusam do Telegram. Ele é “cúmplice” de todos os malfeitos praticados sob a face da terra – desde fraudes organizadas e tráfico de drogas – até fornecer serviços criptografados sem uma “declaração certificada”.

As acusações de falta de moderação por parte do Telegram são falsas. Por exemplo, o Telegram censura correspondências dentro da União Europeia; os residentes da União Europeia não conseguem acessar um incontável número de chats e canais. Além disso, o Telegram não é objeto da recente, orwelliana e barra-pesadíssima lei da UE contra as mega redes sociais, porque atende a menos de 45 milhões de usuários europeus por dia.

Foquemos agora os motivos.

O atual Euro-gulag liberal-totalitário, ou Eurolag, é um maciço bloco de poder que não tem acesso ao conteúdo do Telegram.

O Telegram mantém seus próprios servidores por todo o mundo, e o roteamento se dá através da Amazon, Cloudfare e Google. Desde o início do Telegram, a inteligência/vigilância dos Estados Unidos tem meios para facilmente bloqueá-lo – sempre que assim o desejarem.

A UE é uma outra conversa. Aqui temos Bruxelas, via Paris, tentando adquirir pelo menos algum grau de controle sobre o Telegram – e sobre as redes sociais de modo geral. Um lembrete de importância crucial – que poderia ser subordinado ao Departamento de Tecnologia Patética: a Europa não possui nenhuma (itálicos meus) rede social.

Daí as incessantes ameaças ao Twitter/X e a neo-orweliana Lei de Serviços Digitais, que trata da responsabilidade das plataformas em termos de conteúdo e se aplica a todas elas, e não apenas ao Telegram.

A UE e a França desejam desesperadamente o que a potência hegemônica já tem aos montes: acesso a tudo, aqui e agora, sem nenhuma documentação legal.

A pergunta-chave agora é: eles vão tentar consegui-lo pressionado Pavel Durov? Não há qualquer indício de que ele tenha as chaves criptográficas do Telegram. E se eles pegaram o cara errado?

Nikolai Durov, o ultradiscreto irmão de Pavel, é o grande gênio que arquitetou o Telegram: mestre em matemática, dois PhDs, medalhas de Ouro nas Olimpíadas de Matemática. Os franceses prefeririam selar um acordo – daí o longo interrogatório: mas isso implicaria dobrar Pavel para que ele convencesse Nikolai a entregar essas lendárias chaves.

Por que Agora? E quem Lucra?

Como seria de se esperar, o interrogatório de Durov ocorre com transparência zero. A França é uma sociedade excruciantemente secreta, que tende ao silêncio absoluto em assuntos graves, enlouquecedoramente lenta, pontuada por raras declarações oficiais. Tudo gira em torno dos procedimentos – e a burocracia é estupefaciente.

No entanto, a burocracia francesa pode ter soltado uma dica preciosa sobre o que realmente os preocupa. Eles, simplesmente, não conseguem aceitar que alguém use – ou forneça – os meios de “obscurecimento” em termos de transações financeiras, burlando a censura e a vigilância.

Daí que isso tudo possa ir muito além da obsessão em conseguir algumas ou todas as chaves criptográficas do Telegram. O aparato burocrático francês quer partir para o vale-tudo para suprimir qualquer possibilidade de burla – e ao mesmo tempo reter o poder de penalizar quem quer que seja.

Se a saga prosseguir indefinidamente, levando a um julgamento e, talvez, a uma sentença de vinte anos de cadeia, isso significaria que Durov não seria dobrado frente ao aparato burocrático, e permanecerá para sempre como “cúmplice”.

Muito pouco provável. Dar adeus a todo o luxo e glamour em troca de uma baguete dormida por dia em uma prisão francesa?

Mais duas perguntas inevitáveis. Por que agora? Porque a União Europeia precisa disso desesperadamente. E quem lucra? Os principais candidatos são o “esprit de corps” da ultrarregimentada burocracia francesa e suas conexões oligárquicas franco-europeias. A inveja também está nas cartas. Durov é russo, um forasteiro, e o Telegram – com um bilhão de usuários em todo o mundo – é um sucesso retumbante.

Mais adiante, qualquer coisa pode acontecer – inclusive o bloqueio do Telegram na França e na UE. A Maioria Global não dá a mínima. Enquanto isso, multidões se extasiam ao ver que um tecnoglobalista narcísico pode ser ingênuo a ponto de acreditar que o totalitarismo liberal protegeria sua liberdade.

Tradução de Patricia Zimbres



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