quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O sistema de Justiça tem muitas categorias de difamadores e difamados

Nikolas Ferreira (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

“O acordo com Nikolas Ferreira, que chamou Lula de ladrão, pode ser mais uma farsa”, escreve o colunista Moisés Mendes

Moisés Mendes

Genocidas, ladrões, sonegadores, vampiros, canalhas, falcatruas, golpistas e fascistas. Todos os substantivos-adjetivos aí listados têm envolvido o sistema de Justiça brasileiro em embates raramente sérios. A relevância desses duelos está próxima de zero para medição de forças e compreensão de confrontos na política.

Agora mesmo, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo são mobilizados para decidir o que fazer com uma fala do deputado Nikolas Ferreira de que Lula é ladrão. Em 2019, o empresário Luciano Hang foi absolvido da acusação de ofensa contra Lula, por ter patrocinado mensagens escritas em faixas puxadas por um avião.

As faixas diziam: "Lula cachaceiro devolve meu dinheiro", "Lula na cadeia, eu com o pé na areia", "Melhor que o verão é o Lula na prisão" e "Lula enjaulado é Brasil acordado". A PGR viu uma obviedade: que esse foi o jeito que o véio da Havan achou para chamar Lula de ladrão. Mas a Justiça não viu ofensa, só enxergou liberdade de expressão.

E aí perguntamos nós: no que um juiz escora sua sapiência para decidir se alguém pode chamar um desafeto de ladrão ou de fascista? Um fascista assumidamente fascista não pode ser chamado de fascista?

Há decisões deliberando que sim. E há outras dizendo que não. Não porque que fascistas sejam figuras nebulosas e de difícil enquadramento prático e teórico, mas porque cada juiz vê o fascista que quer ver, pela lupa da sua hermenêutica, dos seus poderes, dos seus círculos e das suas circunstâncias. Até porque fascista virou adjetivo.

No dia 14, o ministro Luiz Fux presidirá uma audiência para oferecer acordo a Nikolas, acusado da injúria contra o presidente em queixa-crime apresentada pela PGR. O acordo foi sugerido pela Procuradoria. Nikolas pede desculpas, o caso é arquivado, para que ele não perca a condição de réu primário, e segue o baile?

É um baile antigo, mas agora mais movimentado e agressivo, em que cada juiz decide o que quiser decidir sobre o que é injúria, calúnia e difamação. Dependendo do injuriado e do injuriador, tudo se resolve, ou é resolvido depois de quase uma década.

Um difamado pode, na área cível, sair de uma ação com R$ 5 mil, se for uma figura sem fama e dinheiro, mesmo que tenha reputação. Se for o contrário, uma alta autoridade por exemplo, pode sair com mais de R$ 300 mil. Já aconteceu. Há categorias variadas de difamadores e difamados.

É assim que a coisa funciona, em situação inversa, para ladras de pacotes de massa, mas aí o departamento é outro. Nas injúrias, calúnias e difamações, cada vez mais frequentes na arena pública, um acusador de um sonegador pode, se o juiz decidir, ser caluniador. Mesmo que o sonegador seja mesmo sonegador.

O caso de Nikolas poderá ser mais um com desfecho cínico e farsante. Finge-se que se encerra o caso, ou o deputado já condenado por transfobia recusa o acordo, por não considerá-lo favorável, e leva a ação até o fim.

O fim pode levar seis anos, no caso específico de cinco jornalistas da Gazeta do Povo, do Paraná, que em 2016 denunciaram os vencimentos astronômicos de juízes e promotores do Estado. Foram cercados por mais de 20 ações com pedidos de indenização de magistrados e promotores.

O caso só foi arquivado pelo Supremo no ano passado. Porque juízes e promotores sabem lidar com ações que se estendem por meia dúzia de anos. Assim como há ações intermináveis, impostas pelo poder econômico combinado com o poder político, em especial o de extrema direita.

Assim como um juiz de primeira instância pode determinar que um site de jornalismo seja retirado do ar, como a Justiça do Tocantins fez nessa quarta-feira com o DCM, porque uma deputada do PL pediu.

A ação de Lula contra Nikolas é parte desse boxe em que só os fracos são nocauteados. Como muitos deles foram durante o período de Bolsonaro no poder. É um boxe permanente, que envolve situações como essa em que o presidente da República é confrontado com um sujeito que usa peruca na tribuna da Câmara para debochar de transsexuais.

O que é ou parece ser ofensa vai ocupando cada mais MP e Justiça com os casos de genocidas, sonegadores, vampiros, canalhas, homófobos e fascistas. Considerando-se que em alguns casos, como o de um sonegador, a acusação o trate como substantivo (e com provas), e não como adjetivo.

O que temos são vampiros de vacinas e de cloroquinas impunes até agora, como temos golpistas e muambeiros. A evolução do caso de Nikolas Ferreira versus Lula pode pelo menos indicar que uma trava será acionada.

PGR e STF podem fechar a porteira nessa área do ataque adjetivado entre figuras com representação. Vai significar o quê? Que podem gerir melhor os ataques, conter impulsos por algum tempo e só.

O resto, e que resto, das grandes questões de fato relevantes a serem revolvidas pelo sistema de Justiça, fica à espera da melhor hora para conter os Nikolas Ferreiras e suas agressões extremistas.

Resta esperar, mesmo que se saiba que Justiça e política nem sempre se entendam sobre a melhor hora. O quase certo é que Nikolas Ferreira sairá rindo desse acordo.




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