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Lula tem envolvimento apenas marginal na suspensão de X no Brasil, escreve Raphael Machado.
A suspensão dos serviços do X (antigo Twitter) no Brasil, assim como a ameaça de multa de US$ 8.000 para quem usar VPN para continuar usando a rede social, virou manchete global . Embora já houvesse relatos anteriores de atritos entre o X e o sistema político-jurídico brasileiro, a notícia da suspensão surpreendeu muita gente, no Brasil e no exterior.
Para estrangeiros, especialmente aqueles que se consideram “anti-imperialistas”, é muito difícil construir uma interpretação consistente desse conflito entre Musk e o Brasil por causa das expectativas que os críticos da unipolaridade desenvolveram em relação ao Brasil com o retorno de Lula.
Essas são as mesmas pessoas que ficaram chocadas com a hostilidade do Brasil em relação a Nicolás Maduro e uma série de outras posições inconsistentes tomadas pelo governo brasileiro no cenário internacional.
Mas, embora seja relevante investigar o quão comprometido o atual governo brasileiro está com a ideia de uma ordem multipolar, o fato é que Lula tem apenas envolvimento marginal na suspensão de X no Brasil.
Primeiro, como essa questão está sendo enquadrada por ambos os lados da disputa? Geralmente, a questão de “X” no Brasil está sendo tratada como um conflito entre “respeito à lei” versus “liberdade de expressão”. É difícil levar essa estruturação a sério por uma série de razões.
X, sob Elon Musk, tem consistentemente censurado ou reduzido o alcance de contas pró-Palestina desde a visita de Musk a Israel. Se X não for como Facebook, Instagram, YouTube ou o mais novo BlueSky, ele claramente não pode ser visto como um bastião da liberdade de expressão.
Por outro lado, no entanto, a situação também é um pouco mais complexa do que simplesmente o dever de X de cumprir as leis brasileiras. Elon Musk de fato levantou alguns pontos preocupantes sobre o Juiz Alexandre de Moraes, que tomou decisões contrárias às normas da internet brasileira e tentou forçar X a cumpri-las.
Mesmo deixando de lado essas decisões sobre censura de contas em redes sociais, o tratamento dado ao caso X em si atraiu críticas no Brasil.
A raiz desse conflito é o fato de Moraes liderar um inquérito criminal há mais de cinco anos, agora conhecido como “inquérito das fake news”, onde ele vai além do papel usual de um juiz passivo e imparcial e investiga e julga ativamente casos de “desinformação” que supostamente ameaçam a “democracia” e o processo eleitoral do Brasil. A retórica lembra muito as narrativas orwellianas produzidas em Washington e Bruxelas.
Como o establishment político-jurídico e seus parceiros internacionais estão bastante satisfeitos com a posição atual do governo brasileiro na maioria das questões, os principais alvos dessas investigações são figuras ligadas à oposição.
Assim, no contexto deste inquérito, o Juiz Moraes ordenou a suspensão das contas de mídia social daqueles sob investigação. Tais decisões são legalmente questionáveis sob a lei brasileira. Primeiro, porque o inquérito excedeu em muito um prazo razoável para conclusão e não parece ter um objetivo claro. Segundo, porque suspender contas de mídia social de indivíduos sem condenação, em um inquérito que parece “interminável”, é inapropriado. Terceiro, porque o Marco Civil da Internet Brasileiro, a legislação do país sobre obrigações relacionadas à internet para empresas, estipula que uma conta de mídia social só pode ser bloqueada por violações específicas de normas – e o Juiz Moraes, em suas ordens a X, nunca especificou os motivos das suspensões.
Esses são alguns dos principais argumentos, inclusive aqueles levantados por Elon Musk, para contestar essas decisões judiciais.
A situação piorou quando Moraes supostamente ameaçou os funcionários do escritório de X no Brasil com prisão se eles não cumprissem suas decisões. Em meio a essa confusão, o Judiciário alega que o representante de X no Brasil tem evitado intimações judiciais. Por outro lado, há indícios de que a equipe de Moraes enviou a intimação para o endereço de e-mail errado ao tentar notificar X.
No entanto, essas ameaças explicam por que X decidiu fechar seu escritório no Brasil. Imediatamente depois, Moraes ordenou que X nomeasse um novo representante legal no Brasil, o que é obrigatório para empresas que operam no país.
Como X não estabeleceu uma nova representação no Brasil, Moraes ordenou a suspensão da empresa.
A situação pareceria mais razoável se Moraes também não tivesse imposto uma multa diária de US$ 8.000 a qualquer brasileiro que usasse VPNs para continuar acessando a rede social. Desnecessário dizer que a ordem foi imediatamente desobedecida pela maioria dos usuários brasileiros do X, e a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com um recurso para anular a multa.
O problema com a multa é que ela coloca em dúvida a alegação de que isso é meramente uma consequência natural de X não ter representação legal no país de acordo com a lei. Por que, então, impor multas a usuários comuns que não fazem parte do inquérito e nem foram notificados da decisão (o que, novamente, é inconstitucional sob a lei brasileira)?
Em seguida, Moraes determinou o bloqueio das contas da Starlink, empresa com acionistas distintos, para cobrar a multa aplicada a X — mais uma vez, uma decisão que fere todo o arcabouço legal brasileiro.
No entanto, a questão transcende o debate jurídico e remete ao fato de X ser um espaço utilizado com sucesso por setores da política brasileira que se opõem à “Juristocracia”, bem como à influência de ONGs estrangeiras no Brasil e ao atual governo.
Plataformas como a Meta, por exemplo, são absolutamente controladas pelo Estado Profundo dos EUA e impõem restrições draconianas a qualquer um que se desvie da ortodoxia ideológica globalista. Além disso, isso pode parecer incompreensível e inacreditável para nossos parceiros em outros países do BRICS, mas o Brasil não tem uma mídia de massa anti-atlantista e contra-hegemônica. A mídia de massa brasileira pertence a um oligopólio profundamente vinculado aos conglomerados de mídia dos EUA.
Nesse sentido, espaços como o X representam um “oásis” utilizado tanto pela oposição de direita quanto pela esquerda anti-imperialista.
Para entender o que Moraes e outros juízes pensam sobre isso, basta lembrar uma declaração que ele fez há algumas semanas: “Na virada do século, não havia redes sociais; e nós éramos mais felizes”, disse, sob aplausos de representantes das principais redes de TV e jornais do Brasil.
Naturalmente – insistimos – Elon Musk não é exatamente uma vítima aqui. Ele está longe disso. Por exemplo, também é verdade que sua Tesla perdeu contratos para rivais chineses no Brasil nos últimos anos, o que o irritou muito. Também é verdade que ele acredita que pode ganhar maior penetração empresarial no mercado brasileiro se Bolsonaro retornar ao poder – e ele usa abertamente sua grande presença no X para ocasionalmente impulsionar postagens de oponentes do governo Lula.
Portanto, o caso transcende a dualidade superficial apresentada como “soberania vs. liberdade de expressão”, e é mais precisamente a expressão de uma disputa entre diferentes setores da elite brasileira, ambos com vínculos internacionais (lembremos que Moraes fez parte do esquema internacional da Operação Lava Jato, cujo objetivo era destruir empresas brasileiras, prender Lula e derrubar Dilma Rousseff sob a orientação do Departamento de Justiça dos EUA), e ambos claramente hostis ao projeto de uma nova ordem multipolar.
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