segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Diplomata chinês de 93 anos relembra início turbulento de relações com o Brasil e celebra "novo horizonte brilhante"

Huang Zhiliang, ex-cônsul da China em São Paulo (Foto: Arquivo Huang Zhiliang)


Em texto histórico, ex-cônsul-geral da China em São Paulo detalha bastidores da formalização dos laços entre os países ainda na ditadura militar brasileira


Guilherme Paladino, correspondente do 247 em Pequim - O Brasil ocupa um lugar de destaque nos veículos de comunicação chinesa nesta semana, com a visita do presidente Xi Jinping ao Rio de Janeiro para a cúpula do G20. Jornais, sites e canais das redes sociais do gigante asiático vêm publicando matérias especiais apresentando dados, curiosidades e histórias sobre seu maior parceiro na América Latina, dando mais um passo no caminho de aproximar ambas as populações.

Neste contexto, um dos destaques históricos mais curiosos publicados na mídia local nesta segunda-feira (18) trata-se de um relato do diplomata Huang Zhiliang, de 93 anos, que foi o cônsul-geral da China em São Paulo entre 1985 e 1989 (além de ter ocupado outros cargos em Cuba, no Chile, na Argentina, na Nicarágua e na Venezuela). O texto, intitulado "As relações China-Brasil passaram por percalços e avançam rapidamente" [do original, 中巴(西)关系历经波折 迅猛前进], foi publicado* no portal chinês "Diplomatas falam sobre assuntos" do WeChat e revela, com detalhes, bastidores do estabelecimento das relações entre o gigante asiático e o Brasil ainda na época da ditadura militar brasileira.

Em seu relato - com impressionante riqueza de informações, mencionando diversos nomes, datas e locais -, o diplomata narra o antes, durante e depois das negociações que levaram os governos brasileiro e chinês a formalizarem sua parceria que já dura 50 anos. Seu contexto vai desde a visita de João Goulart à China em 1961 até as nuances do processo de abertura do gigante asiático ao exterior em meados da década de 70, comentando também a influência dos EUA nas tomadas de decisões dos militares brasileiros.

Confira o texto na íntegra abaixo**:

Em agosto de 1961, o vice-presidente do Brasil e líder do Partido Trabalhista Brasileiro, João Goulart, visitou a China a convite do vice-presidente chinês Dong Biwu. Essa foi a primeira visita de um líder nacional brasileiro à China e também a primeira vez que um chefe de governo de um país latino-americano visitou a China desde a fundação da República Popular. Líderes chineses como Mao Zedong, Liu Shaoqi, Dong Biwu e Zhou Enlai receberam a delegação de Goulart em diferentes momentos. A bem-sucedida visita do vice-presidente brasileiro abriu um novo capítulo no desenvolvimento das relações entre os dois países. No entanto, os bons tempos não duraram muito. A política brasileira sofreu uma reviravolta com o golpe militar de abril de 1964, que derrubou o governo de Goulart. Durante esse período, ocorreu um grave incidente em que nove funcionários chineses no Brasil foram presos, levando à completa interrupção dos laços recém-estabelecidos entre os dois países. Durante muito tempo depois disso, as relações entre Brasil e China permaneceram extremamente frias. No final da década de 1960, as interações entre os dois países resumiam-se a um comércio indireto insignificante, com pouquíssimo intercâmbio de pessoas. Apenas em 1972 os dois países retomaram o comércio direto, e as trocas pessoais começaram a aumentar gradualmente.

Em agosto de 1961, o presidente Mao Zedong se reuniu com o vice-presidente do Brasil, João Goulart, durante sua visita.(Photo: Instituto João Goulart)Instituto João GoulartJo

Entrando na década de 1970, sob a estratégia de Mao Zedong e Zhou Enlai de usar o "pequeno globo" (tênis de mesa) para impulsionar o "grande globo" (relações diplomáticas), as relações entre China e Estados Unidos avançaram, e a situação mundial passou por grandes mudanças. Até 1974, 10 países da América Latina já haviam estabelecido relações diplomáticas com a China, e o maior país da região, o Brasil, não podia mais permanecer inerte. O novo presidente do Brasil, Ernesto Geisel, embora também fosse um general, pertencia à ala moderada das Forças Armadas e tinha uma visão relativamente aberta. Menos de um mês após assumir o cargo, ele e seu ministro das Relações Exteriores, Antônio Azeredo da Silveira, decidiram dar um "grande salto no cenário internacional". Um marco importante desse "salto" foi o desenvolvimento de relações com a República Popular da China. O novo governo brasileiro reconheceu que a China, com sua enorme população, havia se tornado um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, elevando ainda mais sua posição internacional. O Brasil não podia mais ignorar a influência da China e o potencial de seu vasto mercado. Tanto o presidente quanto o chanceler perceberam que estabelecer relações diplomáticas com a China seria benéfico para melhorar a imagem do Brasil e superar seu isolamento internacional. No passado, o Brasil costumava seguir os Estados Unidos em assuntos internacionais, incluindo sua postura em relação ao desenvolvimento de relações com países socialistas. Porém, na década de 1970, países como Canadá, Itália, Japão e Alemanha Ocidental estabeleceram relações diplomáticas com a China, e a visita de Nixon à China lançou as bases para a normalização das relações sino-americanas. Isso, de forma objetiva, eliminou as preocupações do Brasil de que uma aproximação com a "China comunista" pudesse desagradar os Estados Unidos. Além disso, na época, o Brasil frequentemente enfrentava atritos com os EUA em questões como propriedade intelectual e direitos marítimos de 200 milhas, o que tornava a aproximação com a China uma oportunidade de obter apoio político. Ao mesmo tempo, o Brasil também começou a ver um grande potencial na cooperação econômica e comercial com a China. O país precisava urgentemente explorar novos mercados de exportação e esperava que a China pudesse fornecer petróleo e carvão a longo prazo para aliviar sua crise energética. Além disso, o Brasil demonstrava grande interesse em cooperar com a China no campo da ciência e tecnologia. Impulsionado por esses fatores, o governo Geisel decidiu agir rapidamente para sair da passividade, buscando uma aproximação com a China e negociando a normalização das relações entre os dois países.

Em uma manhã de início de primavera de 1974, a neve que cobria os edifícios de Moscou já havia derretido. Durante um encontro diplomático, o embaixador do Brasil na União Soviética, Marinho, aproximou-se espontaneamente do embaixador da China na União Soviética, Liu Xinquan. Marinho comentou que, durante seu período de férias no Brasil, havia se encontrado várias vezes com o recém-empossado presidente Geisel, a quem sugeriu o desenvolvimento das relações com a China. Ele também mencionou que o chanceler brasileiro, Silveira, compartilhava uma postura positiva em relação à proposta. Quatro dias depois, Marinho pediu uma reunião oficial com Liu Xinquan para discutir mais detalhadamente o desenvolvimento das relações entre os dois países. Na ocasião, entregou ao embaixador chinês alguns documentos e um “memorando informal”, cujo conteúdo principal incluía:

1. Transmitir ao governo e ao povo chinês os cumprimentos e saudações calorosas do presidente e do ministro das Relações Exteriores do Brasil;

2. Informar que o governo brasileiro planejava enviar o conselheiro Bueno, chefe do departamento para Ásia e Oceania do Ministério das Relações Exteriores, como parte de uma delegação de empresários brasileiros que visitaria a China em abril, com o objetivo de estabelecer contato com o governo chinês;

3. Notificar que o Brasil estava disposto a receber uma delegação comercial da China;

4. Propor que a China enviasse um funcionário do Ministério das Relações Exteriores junto com a delegação comercial, permitindo que diplomatas de ambos os países discutissem questões de interesse mútuo durante a visita ao Brasil;

5. Solicitar que a China emitisse vistos e oferecesse assistência necessária para os funcionários brasileiros que participariam da visita.

O embaixador brasileiro informou ainda que o plano do governo do Brasil para estabelecer relações entre os dois países incluía, inicialmente, visitas mútuas de delegações comerciais com a presença de diplomatas, seguidas pela abertura de escritórios comerciais permanentes, culminando no estabelecimento formal de relações diplomáticas.

O Departamento da América e Oceania do Ministério das Relações Exteriores da China discutiu cuidadosamente a proposta brasileira e elaborou uma resposta. Em 3 de abril, o embaixador Liu Xinquan encontrou-se com Marinho, transmitindo os agradecimentos do governo chinês pelos cumprimentos enviados pelo presidente e pelo chanceler do Brasil. Ele também afirmou que a China valorizava a postura positiva do Brasil em relação ao estabelecimento de laços entre os dois países, reconhecendo que o fortalecimento dessas relações era do interesse de ambos os povos. Liu destacou ainda a posição da China sobre a questão de Taiwan, enfatizando que, em geral, a China não adotava estruturas institucionais de transição em questões de relações diplomáticas. Marinho respondeu que o governo brasileiro compreendia a posição da China sobre Taiwan. Ele questionou, no entanto, se seria possível manter as relações econômicas e comerciais entre o Brasil e Taiwan após o estabelecimento de laços diplomáticos com a China. Liu afirmou que tais questões poderiam ser discutidas entre representantes designados por ambos os governos.

Em 9 de abril, o Brasil enviou uma delegação liderada pelo presidente da Associação de Exportadores, Coutinho, para visitar a China. O conselheiro Bueno, do Ministério das Relações Exteriores, participou como membro da delegação e teve conversas com o diretor do Departamento de Assuntos Americanos e Oceânicos da China, Lin Ping. Bueno expressou o interesse do governo brasileiro em dialogar com o governo chinês e convidou a China a enviar uma delegação oficial ao Brasil o mais breve possível. Durante a visita, o vice-primeiro-ministro chinês Li Xiannian encontrou-se com todos os membros da delegação. Em suas declarações, Li sugeriu que “as questões desagradáveis que ocorreram entre os dois países no passado deveriam ser resolvidas antes do estabelecimento de laços diplomáticos”.

Em 7 de agosto de 1974, a China enviou uma delegação oficial ao Brasil, liderada pelo vice-ministro do Comércio Exterior, Chen Jie. Este foi o primeiro grupo chinês a visitar o Brasil desde o “Incidente dos Nove”. A visita foi tratada com grande atenção pelo governo brasileiro, que disponibilizou um avião especial para transportar a delegação de Rio de Janeiro a Brasília. No aeroporto da capital, a delegação foi recebida com tapete vermelho e uma guarda de honra. Entre os membros da delegação estava Chen Dehe, vice-diretor do Departamento de Assuntos Americanos e Oceânicos, responsável por questões da América Latina. Chen Dehe relembrou que, de acordo com as instruções do Ministério, a delegação tinha como objetivo discutir preliminarmente o estabelecimento de laços diplomáticos com o Brasil. No entanto, surpreendeu-se ao perceber que o governo brasileiro estava disposto a aproveitar a visita para oficializar a normalização das relações bilaterais.

No mesmo dia da chegada da delegação chinesa, o chanceler brasileiro, Silveira, encontrou-se com todos os membros do grupo e afirmou claramente que a visita tinha como objetivo resolver a questão do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Ele destacou que estavam dispostos a dedicar o tempo necessário para alcançar este objetivo e designou o assessor especial do Ministério, Cavalcanti, para iniciar as negociações com Chen Dehe naquela mesma noite. Durante as conversas, Chen informou que precisava consultar seu governo sobre as negociações para o estabelecimento de relações diplomáticas. No dia seguinte, acompanhado de um tradutor, Chen viajou para Buenos Aires, na Argentina, onde conseguiu se comunicar com as autoridades chinesas. Quatro dias depois, recebeu instruções concretas e a autorização para negociar. Ao retornar a Brasília, retomou as conversas com a parte brasileira.

No início das negociações, o Brasil propôs omitir a questão de Taiwan no comunicado conjunto. Chen Dehe reiterou a posição de princípio da China, enfatizando que o tema de Taiwan precisava ser incluído no documento. Após várias reuniões entre o vice-ministro Chen Jie e o chanceler Silveira, ambos os lados chegaram a um acordo: o comunicado seria redigido nos moldes do “modelo canadense”. Além disso, a China solicitou que o edifício da “embaixada” de Taiwan, considerada propriedade do Estado chinês, fosse devolvido. O governo brasileiro garantiu que atenderia à solicitação.

Sobre o caso do “Incidente dos Nove”, inicialmente o lado brasileiro sugeriu que ambos os países deveriam olhar para o futuro e evitar mencionar eventos passados. No entanto, após a insistência da China para que o Brasil desse uma explicação, o governo brasileiro reconheceu prontamente que o caso envolvendo nove cidadãos chineses em 1964 foi “um erro político”. Em relação às pendências judiciais do caso, o Brasil garantiu que tomaria medidas para encerrá-las. Assim, todos os pontos da negociação para o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países foram satisfatoriamente resolvidos.

1974: China e Brasil estabeleceram relações. Na cerimônia no MRE-BR, os governos emitiram um comunicado conjunto. O então chanceler brasileiro, Silveira, e o vice-ministro do Comércio Exterior da China, Chen Jie, celebraram com taças de café.(Photo: Divulgação/Embaixada do Brasil em Pequim)Divulgação/Embaixada do Brasil em Pequim

O rápido acordo alcançado nas negociações surpreendeu em certa medida, embora estivesse alinhado com as tendências históricas da época. Sobre questões comerciais, o Brasil designou o diretor-geral do Departamento da Ásia e África, Zaba, e o diretor do Departamento de Promoção Comercial, Lima, para negociações detalhadas com o diretor do Terceiro Departamento do Ministério do Comércio Exterior da China, Zheng Tuobin, e o vice-presidente do Conselho de Promoção do Comércio Internacional, Li Chuan. As negociações foram rapidamente concluídas, resultando em um acordo para a assinatura de um contrato de longo prazo de 3 a 5 anos para o fornecimento de açúcar pelo Brasil à China, com um limite anual de até 200 mil toneladas. Além disso, as partes concordaram em firmar acordos intergovernamentais sobre comércio e transporte marítimo, bem como em estabelecer uma comissão mista para discutir comércio e organizar exposições.

No dia 15 de agosto de 1974, o vice-ministro Chen Jie, representando o governo chinês, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Silveira, assinaram oficialmente o comunicado conjunto sobre o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. O comunicado dizia:

"Os governos da República Popular da China e da República Federativa do Brasil, atendendo aos interesses e aspirações de seus povos, decidiram estabelecer relações diplomáticas em nível de embaixada a partir desta data. O governo do Brasil reconhece o governo da República Popular da China como o único governo legítimo da China. O governo chinês reafirma que Taiwan é uma parte inseparável do território da República Popular da China. O governo do Brasil toma nota dessa posição do governo chinês. Ambos os governos concordam em desenvolver relações amistosas entre os dois países com base nos princípios de respeito mútuo à soberania e integridade territorial, não agressão mútua, não interferência nos assuntos internos, igualdade e benefício mútuo, e coexistência pacífica. A República Popular da China e o governo da República Federativa do Brasil concordam em nomear embaixadores mutuamente em breve e fornecer toda assistência necessária para o estabelecimento de embaixadas e execução de suas funções nas capitais de ambos os países."

Conforme sugerido pelo lado brasileiro, no dia 16 de agosto, o ministro das Relações Exteriores do Brasil e o chefe da delegação comercial chinesa assinaram um memorando de conversações comerciais. Na mesma tarde, o presidente Geisel recebeu o vice-ministro Chen Jie para um diálogo amistoso.

Durante as negociações para o estabelecimento das relações diplomáticas, os dois países chegaram a um entendimento verbal sobre a questão de Taiwan. Ficou acordado que, a partir do estabelecimento das relações entre a República Popular da China e o Brasil, o governo brasileiro encerraria suas relações com Taiwan, adotando medidas eficazes para que o pessoal da “embaixada” taiwanesa e outros representantes oficiais e semi-oficiais deixassem o Brasil dentro de um mês. O Brasil também se comprometeu a não manter contatos oficiais ou semi-oficiais com Taiwan, nem a estabelecer qualquer instituição oficial ou semi-oficial disfarçada.

Três meses após a publicação do comunicado conjunto, o governo brasileiro enviou o cônsul-geral em Hong Kong, Moura, e o primeiro secretário Sadenberg a Pequim para negociar os detalhes do estabelecimento das embaixadas. No dia 28 de novembro, um acordo foi alcançado, confirmado por troca de cartas entre os chanceleres dos dois países. O acordo estipulava que, com base no princípio de reciprocidade, ambas as partes forneceriam assistência e facilidades para o estabelecimento de suas embaixadas. O número máximo de funcionários das embaixadas foi fixado em 45 pessoas (excluindo familiares), e ambos os lados respeitariam as regulamentações gerais e não discriminatórias do país anfitrião em relação às missões diplomáticas.

No dia 18 de dezembro de 1974, o conselheiro Wang Benzuo, designado como encarregado de negócios interino da China no Brasil, chegou a Brasília com uma equipe de 12 pessoas para estabelecer a embaixada. Eles ficaram hospedados no Hotel Nacional e, no dia seguinte, apresentaram suas credenciais ao ministro das Relações Exteriores e foram recebidos pelo presidente Geisel naquela mesma noite. Em pouco tempo, o Brasil transferiu para a embaixada chinesa o prédio da antiga “embaixada” de Taiwan, a residência do embaixador e cinco veículos. No mesmo mês, o encarregado de negócios interino do Brasil na China, Prunesa, chegou a Pequim para estabelecer a embaixada brasileira.

O governo chinês nomeou Zhang Dequn, então embaixador em Havana, como o primeiro embaixador da China no Brasil. O governo brasileiro, por sua vez, nomeou o experiente diplomata Napoleão como seu primeiro embaixador na China. Em 1º de abril de 1975, o embaixador Napoleão chegou a Pequim e apresentou suas credenciais ao presidente do Comitê Permanente, Zhu De, dez dias depois. Zhang Dequn, acompanhado por uma equipe de sete pessoas, chegou ao Brasil em 2 de maio e apresentou as cópias de suas credenciais ao ministro das Relações Exteriores, Silveira, no dia 16 de maio, durante um diálogo amistoso.

O chanceler brasileiro fez um comentário marcante durante a conversa:

“O estabelecimento de relações diplomáticas entre dois grandes países como os nossos é muito importante, mas o desenvolvimento das relações deve ser gradual, como o andar de um elefante: passos firmes e constantes. Às vezes, pode-se parar, mas recuar é impossível.”

Essa frase tornou-se uma expressão célebre no contexto das relações sino-brasileiras.

Em maio de 1975, Zhang Dequn, o primeiro embaixador da China no Brasil (segurando o documento), entregou suas credenciais ao presidente Geisel.(Photo: Arquivo de Huang Zhiliang)Arquivo de Huang Zhiliang

No dia 19, o embaixador Zhang apresentou suas credenciais ao presidente Geisel e teve uma conversa amigável. O presidente Geisel declarou: “Estou muito satisfeito com o estabelecimento de relações diplomáticas entre nossos dois países. Não podemos ignorar a China, com seus 800 milhões de habitantes. Seja bem-vindo como primeiro embaixador da China. Caso surja qualquer questão no desenvolvimento das relações entre nossos países, sinta-se à vontade para me procurar. Espero que tenha um trabalho agradável aqui.” O estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e o Brasil lançou uma base sólida para o desenvolvimento futuro das relações bilaterais.

No início dessas relações, houve algum progresso na cooperação entre os dois países. No entanto, devido a preconceitos de longa data do Brasil em relação aos "países comunistas", persistiram dúvidas políticas em relação à China. O governo brasileiro temia que a defesa chinesa da revolução armada pudesse impactar a segurança interna do país. Além disso, sob influência de forças extremas de direita internas, o Brasil adotou uma atitude cautelosa na condução das relações bilaterais. Por um período, o governo brasileiro impôs muitas restrições à China, e as relações econômicas e comerciais não avançaram significativamente, limitadas por fatores objetivos e subjetivos de ambas as partes.

Como afirmou o chanceler Silveira, o desenvolvimento das relações entre os dois países precisava acontecer de forma gradual. Outros funcionários do Ministério das Relações Exteriores do Brasil também disseram claramente à parte chinesa que não haveria "resultados surpreendentes ou súbitos" na relação entre China e Brasil. Essa avaliação brasileira refletia, de maneira geral, o estado das relações bilaterais na época. Esse cenário perdurou até 1977, quando começou a mudar. Após a queda da "Gangue dos Quatro" na China, em 1976, o Brasil observou uma atmosfera de estabilidade, unidade e um esforço vigoroso em direção à modernização e abertura externa por parte do governo chinês. Paralelamente, o Brasil também começou a experimentar uma leve flexibilização política interna.

Em outubro de 1977, o ministro do Exército, Sylvio Frota, que se opunha ao estabelecimento de relações diplomáticas com a China e impedia o desenvolvimento das relações bilaterais, foi destituído. Este evento desencadeou um amplo debate na mídia brasileira sobre "como avaliar as relações entre China e Brasil". Esse debate teve um impacto positivo no desenvolvimento saudável das relações sino-brasileiras. Nesse mesmo ano, o intercâmbio entre os dois países aumentou. Em dezembro, China e Brasil chegaram a um esboço de acordo comercial entre os dois governos, criando condições favoráveis para o fortalecimento do comércio bilateral.

A partir da década de 1980, as relações entre os dois países se desenvolveram de forma abrangente. As visitas de alto nível se intensificaram, o entendimento mútuo se aprofundou, as relações políticas melhoraram e houve avanços notáveis na cooperação econômica e tecnológica, especialmente em áreas de alta tecnologia, além de um crescimento constante no intercâmbio cultural.

Em julho de 1988, na presença dos presidentes da China, Yang Shangkun, e do Brasil, José Sarney, o MRE da China, Qian Qichen, e o chanceler do Brasil, Abreu Sodré, assinaram em Pequim um acordo p/ o desenvolvimento de satélites de recursos terrestres(Photo: Administração Espacial Nacional da China)Administração Espacial Nacional da China

Com a superação dos obstáculos, o futuro das relações sino-brasileiras revelou um horizonte brilhante. Os fatos demonstram que China e Brasil têm muitos pontos em comum em questões internacionais importantes, com interesses alinhados; no campo econômico e comercial, apresentam forte complementaridade e amplas possibilidades de cooperação.

As duas "elefantes", que já começaram a caminhar juntas, podem ter dado passos lentos no início, mas, uma vez em movimento, mostram uma força tremenda e um impulso avassalador.

Huang Zhiliang - Natural de Suzhou, Jiangsu, nascido em 1931. Em 1951, ingressou no Instituto de Línguas Estrangeiras de Pequim, onde estudou nos departamentos de inglês e espanhol. Após se formar, continuou seus estudos na Universidade de Havana, em Cuba. Em 1960, foi transferido para o Ministério das Relações Exteriores, atuando no Escritório de Representação Econômica da China em Cuba e no Escritório de Representação Comercial da China no Chile.

Em 1980, tornou-se primeiro-secretário da Embaixada da China na Argentina. Em 1985, assumiu o cargo de cônsul-geral da China em São Paulo, Brasil. Posteriormente, foi embaixador da China na Nicarágua, em 1989, e na Venezuela, em 1991.

Huang também é membro da Associação de Escritores da China.

*O texto original foi publicado no livro "Relatos sobre o Estabelecimento de Relações Diplomáticas entre a China e a América Latina (agosto de 2007)".

**Tradução do chinês com uso de inteligência artificial





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