Fontes: Acción (Argentina) [Imagem: Walter Souza Braga Netto é recebido por Bolsonaro durante cerimônia de posse como Ministro da Casa Civil do governo brasileiro, no dia 18 de fevereiro de 2020, em Brasília. Créditos: Valter Campanato/Agência Brasil]
Por Telma Luzzani
A trama golpista de 2023 incluía um plano de assassinato contra Lula, segundo relatório da Polícia após dois anos de investigação. Bolsonaro, as conexões e as hipóteses de causa aberta.
“Agora ninguém poderá negar que houve um plano de golpe de Estado para nos impedir de assumir a presidência da nação”, disse o presidente brasileiro Lula da Silva, na quinta-feira, 28 de novembro, em Brasília, a poucos metros de onde, no dia 8 de novembro de 2023, uma turba de Bolsonaro invadiu o Congresso e tentou tomar o Palácio do Planalto (sede presidencial) para derrubar seu governo.
Essa revolta – conhecida como Assalto à Praça dos Três Poderes – foi a última ação desesperada do plano a que Lula se referiu em seu discurso. A conspiração, arquitetada vários meses antes por um setor do alto comando das Forças Armadas, foi muito além de um golpe de Estado. O objetivo era que o então presidente, Jair Bolsonaro, permanecesse no poder e para isso foram planejados os assassinatos de Lula, de seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Alexandre de Moraes.
Os detalhes do conluio civil-militar constam de um relatório de 800 páginas elaborado pela Polícia Federal após dois anos de rastreamento de mensagens em celulares e computadores; de batidas, interrogatórios e acompanhamento de pistas que inevitavelmente terminavam em escritórios ou quartéis e que apontavam Bolsonaro como o líder da quadrilha.
«As provas obtidas ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente, Jair Messias Bolsonaro, planejou, agiu e teve controle direto e efetivo sobre os atos de execução praticados pela organização criminosa que pretendia concretizar um golpe de Estado (...). , fato que não foi consumado devido a circunstâncias alheias ao seu controle", diz o relatório.
Bolsonaro é o primeiro militar da história do Brasil a ser investigado pela Justiça por querer dar um golpe de Estado.
Embora ainda não se saiba até onde podem ir as profundas ligações da tentativa de golpe e assassinato, a hipótese mais forte indica que esta "circunstância externa pela qual não foi consumada", na realidade, se deve a um confronto interno no seio das FF. Os crimes não poderiam ter sido cometidos porque os então comandantes do Exército e da Aeronáutica não apoiaram o plano.
O tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira, disse à polícia que o então chefe do Exército, general Marco Freire Gomes, alertou Bolsonaro que se tentasse um golpe, suspendendo a Constituição por meio de decretos, iria ter que prendê-lo. Em vez disso, o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, não só apoiou o golpe como também ofereceu as suas tropas a Bolsonaro. Garnier Santos recusou-se a testemunhar à polícia.
Operação Adaga Verde e Amarela
“Para executar o presidente Lula, foram levados em consideração seu vulnerável estado de saúde e suas frequentes idas ao hospital e foi considerada a possibilidade de uso de veneno ou produtos químicos para causar colapso orgânico”, diz o boletim de ocorrência divulgado com autorização da justiça brasileira.
O plano – que lembra os golpes militares sul-americanos do século passado – foi batizado de “Adaga Verde e Amarela” (a alusão a um assassinato e a bandeira brasileira são óbvias). O assunto foi discutido na casa de um defensor confesso da ditadura militar brasileira, o general (R) Walter Souza Braga Netto, que foi chefe da Casa Civil e ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro e seu companheiro de chapa nas eleições em que disputava reeleição. O plano foi concretizado em 12 de novembro de 2022, após a vitória de Lula no segundo turno. Com total impunidade, o documento contendo as etapas do ataque foi impresso no Palácio do Planalto quando Bolsonaro ainda o ocupava.
Outros líderes acusados são o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro da Segurança; Anderson Torres, ex-policial e ex-ministro da Justiça, também preso pela liberação da área em 8 de janeiro de 2023 pelo Assalto à Praça dos Três Poderes, e Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal, ao qual Bolsonaro pertence. Entre os 37 réus (25 deles militares) há apenas um estrangeiro: o comunicador argentino Fernando Cerimedo, criador do portal La Derecha Diario, que participou das campanhas presidenciais de Bolsonaro (2018) e Javier Milei (2023).
Outro homem-chave foi o general Mário Fernandes, a quem se atribui uma das posições mais radicais do grupo golpista. Fernandes foi secretário-geral interino da Presidência e dirigiu o comando de elite “Kids Pretos” (Garotos Negros, assim chamados porque usam balaclavas dessa cor), especializado em infiltração e desestabilização.
Uma das provas contra Fernandes é um áudio onde o soldado dá detalhes de como seria a emboscada contra o juiz De Moraes e admite que Bolsonaro tem conhecimento da conspiração.
Até o momento há cinco cabecilhas presos, quatro militares e um policial. Na semana passada, enquanto acontecia a Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, os citados Mario Fernandes, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial Wladimir Matos Soares, que era guarda-costas da ex-presidente Dilma Rousseff e, na época do golpe fracassado, membro da segurança de Lula.
Os Pretos Kids
De acordo com o plano operacional “Punhal Verde e Amarelo” (PVA), muitas ações criminosas – incluindo as execuções de Lula, Alckmin e Moraes – seriam executadas pelos Kids Pretos, apelido dado aos soldados formados nas Operações de Comandos Especiais do Exército Brasileiro. Este comando também foi responsável pela criação de um “Gabinete de Gestão de Crises Institucionais” para lidar com as repercussões institucionais dos crimes.
Bolsonaro negou ter conhecimento do PVA. Porém, seu ex-ajudante e homem de maior confiança, o tenente-coronel Mauro Cid, confessou, após três horas de interrogatório, que seu chefe participou da elaboração do plano para matar Lula e realizar um autogolpe. Depois de ficar preso por um mês, Cid aproveitou o benefício da “denúncia premiada” e sua pena de prisão foi reduzida.
O PVA tinha cinco centros dedicados à divulgação de notícias falsas, incitação aos militares, busca de soluções jurídicas, realização de ações golpistas e realização de trabalhos de inteligência. As ordens de Bolsonaro “impregnaram todos os núcleos organizacionais, mas ele atuou diretamente no núcleo responsável pela desinformação contra o sistema eleitoral”, segundo a investigação.
Laços perigosos
Entre os 37 indiciados pela Polícia Federal brasileira está Fernando Cerimedo, argentino, especialista em manipulação midiática de redes e disseminação de notícias falsas. Ele é acusado de fazer parte da célula “Desinformação e ataques ao Sistema Eleitoral”, uma das cinco da operação PVA e a única que respondeu diretamente a Bolsonaro.
O argentino, que tem laços estreitos com Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, desempenhou um papel fundamental naquele lugar nesses “novos” golpes do século 21: a instalação da ideia de fraude eleitoral, uma prévia e necessário passo para criar um conspirador de golpe climático A semelhança com o clima criado nas últimas eleições na Venezuela e na Bolívia (2019), anteriores ao golpe contra Evo Morales, não é coincidência.
Fernando Cerimedo (segundo a partir da esquerda) com Eduardo Bolsonaro, durante visita à Argentina em outubro de 2022. Créditos: @FerCerimedo_ok
No dia 4 de novembro de 2022, foi divulgado nas redes um vídeo denunciando supostos defeitos nas urnas eletrônicas, o que conseguiu semear dúvidas na opinião pública brasileira. Segundo o arrependido Mauro Cid, “o autodenominado Gabinete do Ódio (GDO, do qual Cerimedo fazia parte) procurou, por meio de milícias digitais e multicanais, difundir a ideia de que as eleições presidenciais do Brasil foram fraudulentas, incentivando seus seguidores a "resistir" frente aos quartéis e instalações das Forças Armadas, e criar o ambiente apropriado para a intervenção das forças militares.
A investigação da trama foi entregue na semana passada ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que deve decidir nos próximos 15 dias se encaminha ou não a denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, na Argentina, o juiz federal Daniel Rafecas ordenou a prisão de 61 apoiadores de Bolsonaro que estavam foragidos e condenados por participação no golpe de Estado fracassado.
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