quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

O que é autoridade?

Donald Trump (Foto: Carlos Barria / Reuters)

'Medidas escandalosas do presidente norte-americano não aumentaram a autoridade dos EUA', escreve o jurista Eugênio Aragão

Eugênio Aragão

Meu pai nunca me bateu. Quando eu fazia travessuras, até me ameaçava. Fazia como se fosse desafivelar o cinto da calça. Mas não ia além disso. Dava bronca, mas só em situações de extremo desafio a sua paciência. No mais, era uma pessoa tranquila, que me dava muitas lições de vida. Era um sábio e o respeito que tínhamos por sua pessoa não vinha da força, vinha da autoridade.

Autoridade se conquista, não se impõe. Pela força, somente se logra causar temor, medo, pavor. Mas não autoridade, pois esta emana de um sentimento de admiração, de cativação. É preciso provocar o amor para obter respeito e, por ele, autoridade.

Neste início do governo Trump, as lições do exemplo do meu pai (e de muitos pais respeitados mundo afora) são mais vivas do que nunca. As dezenas de medidas decretadas pelo presidente estadunidense, muitas escandalosas, causaram temor de tempos difíceis por vir, mas não aumentaram a autoridade dos Estados Unidos da América do Norte. Pelo contrário. Causaram repúdio global e ajudaram a afundar ainda mais a já controvertida reputação geopolítica daquele país.

A grosseria com que Trump tratou a Federação Russa, ao ditar-lhe um ultimato para terminar a guerra que foi provocada por seu antecessor Biden e sua turma de neoliberais, mostrou apenas profundo desconhecimento da natureza humana. Trump sabe que a guerra da Ucrânia foi causada pela ganância do anterior presidente, cuja família lucrou muito desde o golpe de Maidan em 2014.

A ideia sempre foi encurralar a Rússia para enfraquecer sua capacidade de reação e sua economia. De olho nas riquezas da antiga União Soviética, seus solos férteis e seus minerais abundantes, os Estados Unidos da América do Norte e seus sócios minoritários europeus foram provocando propositadamente ambiente de tensão regional, tanto com uso de guerra assimétrica, quanto com a clara ameaça à segurança nacional russa por meio da expansão da OTAN em direção a leste.

Para a Rússia - e para qualquer país do mundo, o direito de reagir a ameaças existenciais externas a sua estatalidade é inegociável, não sujeito a qualquer tipo de transação. Trump sabe disso. Só há uma forma de terminar a guerra: a definitiva neutralização militar da Ucrânia, proibindo-lhe de participar de qualquer pacto bélico com quem quer que seja. E, como o regime de Zelensky não tem condições de manter relações minimamente civilizadas com a Federação Russa, sua substituição por um governo que dialogue é também inevitável.

Trump sabe muito bem que as hostilidades russófobas foram alimentadas pelo chamado ocidente coletivo e abraçadas com fervor por Kiev. Não é Moscou que alimenta ódio contra ucranianos. Ao contrário, considera a Ucrânia um país-irmão e sempre buscou manter com ela relações mutuamente proveitosas. Mas foi o regime implantado depois do golpe de Maidan que adotou medidas discriminatórias contra ucranianos de origem russa e acirrou o conflito com as regiões de maioria russa.

Não há, portanto, nada em que a Rússia possa ceder. Os territórios das antigas regiões ucranianas de população russa, mormente as do Donbas, são hoje parte integrante da Federação Russa por opção de seus habitantes, que não consideram a volta a um passado de perseguições russófobas na Ucrânia, opção política razoável.

Trump precisa se dar conta dessa realidade e só assim terá condições para intermediar o fim ao conflito. Ultimatos e ameaças podem provocar temores, mas nunca será base para sua autoridade.



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