domingo, 16 de março de 2025

O Made in China 2025 – Revisitado

Imagem da bandeira da China com chip eletrônico (Foto: REUTERS/Ilustração/Florence Lo)

As Duas Sessões, partes da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês realizada na semana passada, foram uma coisa muito séria

Pepe Escobar
brasil247.com/

Não apenas porque as sessões determinam o arcabouço do enfrentamento dos grandes desafios econômicos com que Pequim terá que se confrontar daqui por diante.

Mas também devido à cintilante presença do Ministro das Relações Exteriores Wang Yi, que, vigorosamente, imprimiu na psique coletiva da Maioria Global que a China pode ser vista como a principal fonte de estabilidade nesta extremamente turbulenta conjuntura geopolítica, postando-se com firmeza do “lado certo da História”.

Comecemos, portanto, com as principais lições trazidas por Wang Yi – que de fato dão o tom da diplomacia de Pequim até 2025.

Estados Unidos-China: Pequim está pronta para se engajar com o governo Trump 2.0 com base em respeito mútuo. Mas, “caso os Estados Unidos continuem a conter a China, nós reagiremos de forma resoluta”. Uma futura parceria entre Estados Unidos e China é “perfeitamente possível”. Mas este deve ser visto como o conceito supremo: “País nenhum deve alimentar a fantasia de poder suprimir a China e, ao mesmo tempo, tentar manter boas relações conosco”.

Sul Global: Essa é uma “força da maior importância para a manutenção da paz, para o impulsionamento do desenvolvimento mundial e para o aperfeiçoamento da governança global”. Essas nações em desenvolvimento respondem por mais de 40% do PIB global e “detêm a chave da estabilidade mundial e de sua transformação em um lugar melhor”. Wang Yi ressaltou mais uma vez que a China é “membro natural do Sul Global”.

Rússia – e o conflito na Ucrânia: A madura e resiliente relação entre Rússia e China (…) não será abalada por qualquer reviravolta nem será afetada por terceiros”. Wang Yi definiu a posição de Pequim no conflito como sendo “objetiva e imparcial” – e, o que é da máxima importância, não pediu que a Europa – ou a Ucrânia – sejam incluídas nas próximas negociações entre Estados Unidos e Rússia. O principal ponto defendido por ele – que ecoa a análise russa”: “A segurança é mútua e igual; a segurança de um país não pode ser construída sobre a insegurança dos demais”.

Gaza: Não houve qualquer endosso por parte da China da jogada do Resort e Cassino da Riviera de Gaza de Trump: “Gaza pertence ao povo palestino”. “E alterar seu status por meio da força não trará paz, e sim a repetição do caos”. Pequim apoia o plano de paz egípcio. Mais uma vez, Wang Yi deixou claro que “o ponto crucial do ciclo do conflito palestino-israelense reside no fato de que a solução de dois estados só foi alcançada pela metade”.

Europa: Wang Yi louvou a “capacidade e a sabedoria” da União Europeia/China de “aprofundarem o diálogo estratégico e a confiança mútua”. Pequim, ao menos em teoria, acredita que a Europa possa vir a se tornar um parceiro de confiança. A União Europeia e a Comissão Europeia em Bruxelas talvez tenham outras ideias mais beligerantes.

Mar do Sul da China: Wang Yi foi direto ao ponto quanto à manipulação das Filipinas por “forças externas”: “Violações e provocações sairão pela culatra, e aqueles que agem como peças de xadrez de terceiros serão fatalmente descartados”. Ele, entretanto, ressaltou que o Mar do Sul da China permanece “estável” porque a China e a ASEAN assim o desejam.

Taiwan: Wang Yi foi peremptório ao afirmar que “Taiwan nunca foi um país (…) jamais o foi no passado e nunca será no futuro”. Além do mais, a tentativa de tornar Taiwan independente está fadada ao fracasso, e usar Taiwan para conter a China nunca passará de um esforço fútil. A China conseguirá a reunificação, e nada a deterá”.

O Made in China 2025 em potência máxima

Foquemos agora a extremamente complexa equação interna chinesa. Na abertura das Duas Sessões, o Premier Li Qiang trouxe um chamado conclamando toda a nação a se mostrar à altura de metas “fortemente desafiadoras”, incluindo um crescimento de 5% em 2025 (ele foi de 4,9% no ano passado).

Em essência, para revitalizar a economia, Pequim emitirá 1,3 trilhões de yuans (cerca de 182 bilhões de dólares) em títulos do tesouro de duração ultralonga. A razão déficit-PIB foi fixada em cerca de 4%.

A política oficial de “abertura” alcançará a internet, as telecomunicações, os serviços de saúde e os setores educacionais – significando mais oportunidades para investidores estrangeiros e possíveis parcerias em ambos os sentidos da cadeia de suprimento industrial.

Todas essas partes móveis do ambicioso projeto tecnológico Made in China 2025 funcionarão em potência máxima: IA, terminais inteligentes, Internet das coisas, 5G, além de um novo mecanismo criado para “setores econômicos futuros”, a fim apoiar domínios de alta tecnologia, incluindo fabricação de biomateriais, tecnologia quântica, inteligência corporificada e 6G.

O Premier Li elogiou entusiasticamente o papel dos motores do crescimento regional, tais como a Área da Grande Baía – o supernúcleo de alta tecnologia da província de Guangdong ligado a Hong Kong. Como seria de se prever, ele louvou o modelo de “um país, dois sistemas” e a continuação da integração econômica tanto de Hong Kong quanto de Macau.

Pode-se afirmar que essa é de todas a melhor análise não apenas de por que razão o CK Hutchinson sediado em Hong Kong teve que se livrar das operações portuárias no Canal do Panamá, mas também por que ela traz uma clara avaliação chinesa dos “três poderes” por trás do Trump 2.0: Wall Street, o capital industrial pesado (energia, aço, mineração) e o Vale do Silício.

A CK Hutchison Holdings, fundada em Hong Kong pelo notório magnata Li Ka-shing, teve que, essencialmente, vender 80% do Grupo Hutchison Port, uma subsidiária que possui 43 portos de containers em 23 países, incluindo uma participação de 90% nas docas de Balboa e Cristobal em ambas as extremidades do Canal do Panamá em razão de geopolítica barra-pesada. A Hutchison continuará a controlar seus portos na China, inclusive Hong Kong.

O Presidente Trump fez um grande drama em torno do acordo liderado pela BlackRock. A opinião em Hong Kong é mais pragmática. A Hutchinson não estava ansiosa para entrar em uma furiosa batalha judicial nos tribunais dos Estados Unidos – para não falar de sanções potenciais, Eles, portando, optaram uma “saída estratégica”.

Encontrando abrigo contra as tempestades que vêm vindo

O Premier Li observou que o consumo na China vem se tornando “moroso” e, de forma levemente eufemística, disse que “havia pressões sobre a criação de empregos e o aumento da renda”. Entra em cena um “vigoroso estímulo” à demanda das famílias, acrescido da criação de 12 milhões de empregos urbanos, visando principalmente recém-formados das universidades e trabalhadores migrantes.

Em paralelo, Pequim irá expandir seu orçamento militar em apenas 7,2% em 2025, chegando a cerca de 1,78 trilhões de yuans (245 bilhões de dólares). O que não é muito se comparado ao orçamento do Pentágono.

É bastante revelador observar as propostas das Duas Sessões – e o tom dado por Wang Yi – em relação à análise feita por um grande astro asiático, o antigo embaixador de Cingapura junto às Nações Unidas, Kishore Mahbubani.

Kishore, mais uma vez, apela a Sun Tzu para explicar que os governantes chineses sempre afirmam que a melhor maneira de vencer é não privilegiar uma guerra cinética. O que importa é coordenar a expansão em termos epistemológicos, educacionais, econômicos, industriais, tecno-científicos, financeiros, diplomáticos e militares – sob a égide da contenção.

O cerne da questão é que Pequim não cairá na armadilha de qualquer possível provocação bombástica vinda do Trump 2.0. Mais uma vez, trata-se da “expansão coordenada”.

Exemplo. O Instituto Australiano de Política Estratégica, parcialmente financiado pelas Forças Armadas da Austrália e francamente sinofóbico – e russofóbico – finalmente fez algo de útil ao desenvolver um Acompanhamento de Tecnologia Crítica centrado em 64 tecnologia críticas atuais.

Este é seu mais recente relatório, datado de agosto de 2024. O documento mostra que, entre 2003 e 2007, os Estados Unidos lideravam em 60 de 64 tecnologias. A China liderava em apenas 3. Mudando a cena para o período 2019-2023: os Estados Unidos lideravam em apenas 7, enquanto a China liderava em 57 – incluindo fabricação de chips para semiconductores, sensores gravitacionais, computação de alto desempenho, sensores quânticos e tecnologia de lançamentos espaciais.

Tudo isso está inextricavelmente ligado ao planejamento bem-sucedido – e às metas alcançadas do Made in China 2025. E por falar de planos quinquenais encadeados (o Made in China foi concebido em 2015).

Então, é assim que será a China 2025: investimentos sérios acoplados a um grande número de parcerias como todo o Sul Global. Mais uma vez, em uma espécie de esquema Sun Tzu refinado por Bruce Lee, a China fatalmente usará o Trump 2.0 e a mistura de confrontação, competição e negociações periódicas que daí virão como um trampolim para expandir ainda mais seu alcance global.

Esse talvez seja um dos significados não explícitos do que Xi Jinping disse a Putin em Moscou há dois anos: “Mudanças jamais vistas em um século”. Pequim certamente saberá se abrigar da tempestade – qualquer tempestade. E sem ter que lutar nenhuma guerra cinética.

Tradução de Patricia Zimbres



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