
Walter Salles (Foto: Reuters/Carlos Barria)
“O combate à extrema direita precisa saber usar a vitória em Los Angeles como arma contra a rearticulação do golpismo”, escreve o colunista Moisés Mendes
Moisés Mendes
A conquista do Oscar de melhor filme estrangeiro será um desperdício político se for exaltada apenas como um feito do cinema e uma afirmação da arte nacional para as vitrines mundiais.
A conquista do Oscar precisa ser politizada, no seu sentido mais amplo, mais genuíno e mais legítimo. O Brasil antifascista precisa dar a essa vitória o alcance de um troféu que se transforma em arma em defesa da democracia.
O Oscar deve não só nos fortalecer para o resgate permanente de memórias do período da ditadura que o fascismo tenta esconder. Deve se tornar um incômodo para admiradores militantes de ditadores e torturadores.
O Oscar deve nos ajudar a lembrar, como Fernanda Torres disse sobre o filme antes da festa em Los Angeles, que a família de Rubens Paiva está viva entre nós de novo. Estão vivas todas as famílias perseguidas pela ditadura.
O Oscar fortalece a luta que só começou no Supremo pela condenação dos torturadores que mataram e sumiram com os corpos dos que enfrentaram os ditadores, mesmo que a maioria dos assassinos já tenha morrido.
Esse Oscar tem que acossar ainda mais o bolsonarismo e pautar os confrontos com a extrema direita. Para que o golpismo deixe de ser tão ativo e seja abalado pelo incômodo das atrocidades cometidas pelos militares.
Eles precisam ser atormentados pelo que o Oscar significa como exposição mundial das crueldades da ditadura e da tentativa de repetição, com Bolsonaro e seus generais, dos crimes cometidos a partir de 64.
O Oscar deve inspirar as escolas a levar a história da ditadura e da resistência a estudantes do Ensino Médio que pouco ouviram falar dos 20 anos de terror. O que Ainda Estou Aqui conta precisa ser tema de sala de aula.
O prêmio deve inspirar reações que ainda são contidas pelo medo de que eles podem voltar. A bravura de Eunice Paiva e de outras mulheres, como lembrou Walter Salles Júnior ao receber o Oscar, deve ser inspiradora de todas as mulheres que desejam fazer o que Eunice fez e que aguardavam um aceno forte para que sigam em frente.
As esquerdas terão de reaprender a tirar de feitos com essa grandeza tudo o que oferecem. Sem o falso pudor de que é uma obra de arte aberta às mais variadas abordagens.
Nada disso. Ainda Estou Aqui, pelo que seu diretor e seus intérpretes reafirmam, é um filme sobre tirania e resistência e por isso é uma obra política que nos convida a continuar combatendo.
Que a arte brasileira saiba aproveitar e dar continuidade às possibilidades abertas pelo filme, ao invés de ficar lamentando que essa seria apenas a história de uma família branca e rica.
Que outros se mobilizem e contem também as histórias de negros, indígenas, camponeses e vítimas dos esquadrões da morte organizados pelos generais.
Vamos, sim, politizar o Oscar e fazer com que eles se sintam acossados. Vamos sorrir com Eunice Paiva. Vamos, pela imposição da resistência, impedir que eles continuem sorrindo.
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