João Filho
Criticar as medidas protecionistas brasileiras e, ao mesmo tempo, ovacionar o protecionismo dos EUA ultrapassa as fronteiras da sanidade. O fetiche de lamber as botas do Tio Sam é maior que tudo.
Donald Trump ainda nem anunciou qual tarifa colocaria sobre os produtos brasileiros, mas Jair Bolsonaro já estava fazendo festinha e balançando o rabinho. O ex-presidente não negou seu espírito de vira-latas complexado e foi às redes para aplaudir a insana guerra comercial que Trump declarou contra o Brasil.
Na avaliação de Bolsonaro, o presidente americano “está simplesmente protegendo seu país contra esse vírus socialista”. A culpa do tarifaço seria do governo Lula, que tem uma “mentalidade socialista que impõe grandes tarifas aos produtos americanos”. Bolsonaro fala como se as tarifas impostas pelo Brasil durante o seu governo não fossem exatamente as mesmas da gestão atual do PT.
O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo, foi na mesma linha do pai: usamos o socialismo como espantalho e argumentou que os EUA estariam apenas se defendendo de uma injustiça tarifária na relação com o Brasil. “Temos que analisar a causa disso tudo: socialistas, como Lula, acreditamos em governos gigantescos”, delirou Eduardo, lá do seu “exílio político”.
Coerência nunca foi o forte desses nossos patriotas, mas criticar as medidas protecionistas brasileiras e, ao mesmo tempo, ovacionar o protecionismo americano ultrapassa as fronteiras da sanidade.
De repente, os grandes militantes do livre comércio global surgem como defensores intransigentes do protecionismo. O fetiche de lamber as botas do Tio Sam é maior que tudo.
Claro que estamos diante de mais um delírio absoluto. A relação comercial com os EUA é altamente favorável para os americanos, tendo atingido no ano passado um superávit de US$ 28,6 bilhões. Segundo o Itamaraty, “trata-se do terceiro maior superávit comercial dos EUA em todo o mundo”.
Do jeito que Jair e Eduardo falaram, parecia que a tarifa chegaria pesada no Brasil. Mas uma catástrofe tão esperada não aconteceu. O Brasil foi um dos países que recebeu uma tarifa menor: 10% . É a mesma porcentagem da Argentina, cujo presidente Javier Milei vive abanar o rabinho para Trump.
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Bolsonaro chegou a afirmar que um dos motivos para o Brasil estar sendo taxado seriamente de que “Lula ofendeu o povo de Israel e relativizou os ataques do Hamas”. Claro que se trata de mais uma mentira, mas, mesmo que fosse verdade, não faria o menor sentido, já que Israel recebeu uma tarifa maior que a do Brasil: 17%.
Ao que parece, a política de alinhamento absoluto e submissão ao Tio Sam, como defesa do bolsonarismo, não ajudou em nada. Para a Europa, a tarifa foi de 20% — talvez seja porque o continente é socialista, não é mesmo?
Mesmo depois de serem espancados pela realidade dos fatos, os bolsonaristas fizeram de tudo para não perder a pose. O deputado Gustavo Gayer, do PL de Goiás, foi à tribuna da Câmara para dizer que Eduardo Bolsonaro foi o grande responsável por Trump pegar leve com o Brasil.
Segundo Gayer, o filho do ex-presidente teria negociado tarifas menores para o país. "Sabe por que, queridos colegas, a tarifa do Brasil ficou tão baixa? (...) Porque outro Bolsonaro está lá nos EUA lutando pelo Brasil. Eduardo Bolsonaro, neste momento, está trabalhando pelo nosso país. Conseguiu fazer com que a tarifa aqui do Brasil fosse a menor entre todos os países", declarou.
Ou seja, o mesmo cara que defendeu o tarifaço de Trump está sendo aplaudido por ter negociado uma tarifa menor. É algo tão descolado da lógica e da realidade que não merece nem ser chamado de fake news. Esse é o nível de sandice dessa gente.
Antes mesmo do anúncio das tarifas, foi aprovado em caráter de emergência no Congresso Nacional o PL da Reciprocidade , que autoriza o governo a adotar medidas comerciais contra países que imponham barreiras aos produtos do Brasil. A medida traz para o país um instrumento de negociação e de proteção , já que Trump é um imprevisível, e nada garante que a tarifa não possa vir a aumentar.
Apesar disso, os sinais que chegam do Itamaraty mostram que o governo não pretende sair atirando de volta. Vai seguir com cautela, esperando para ver como os outros países reagirão e como o quadro político e econômico evoluirá dentro dos EUA.
A Lei da Reciprocidade deve ser usada apenas em último caso. O governo brasileiro tem apostado na diplomacia por meio de uma força-tarefa liderada pelos ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para buscar uma saída acordada com os EUA.
A lei foi aprovada por unanimidade tanto na Câmara quanto no Senado, apesar do trabalho que Jair e Eduardo Bolsonaro fizeram para que seus aliados boicotassem. Quem convenceu os dois de que o projeto deveria ser apoiado foi o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, que teve que rebolar para ficar bem como todo o mundo: "Sou brasileiro antes de ser trumpista. Continuo sendo trumpista, mas preciso defensor dos interesses nacionais e de nossa soberania", disse.
O fato é que o deputado foi pressionado pelo agronegócio, que é parte importante da base eleitoral bolsonarista. Sóstenes admitiu que foi uma “decisão difícil” para Bolsonaro, que ele não apoiou a “coração aberta” e que segue pessoalmente contra a proposta.
Isso significa que o ex-presidente pouco se importou em apoiar uma tarifa que prejudica os negócios da agricultura brasileira e só cedeu para não arriscar perder os votos que o setor lhe garante.
A realidade é que a família Bolsonaro não só festejou publicamente o tarifaço de Trump contra o seu próprio país como agiu politicamente para boicotar a ocorrência do governo brasileiro. O patriotismo dessa família é mesmo um negócio impressionante.
Não há um economista sério no mundo, seja ele de direita ou de esquerda, que endosse uma guerra comercial deflagrada pelos EUA. As medidas amalucadas de Trump irão desorganizar seriamente o capitalismo mundial. Inevitavelmente, os países afetados pela tarifaço terão que se reorganizar de alguma maneira que torne o mundo menos dependente dos EUA.
Enquanto todos os países se preparam para proteger suas economias, aqui a seita dos patriotas está do outro lado da frente, atuando abertamente em defesa dos interesses de um país estrangeiro.
A ascensão da extrema direita está fazendo o mundo caminhar para um lugar perigoso. Aguardamos os próximos episódios.
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