FOTO DE ARQUIVO. Sudaneses participam de um protesto contra as condições econômicas, em Cartum, Sudão, quarta-feira, 30 de junho de 2021. © AP Photo/Marwan Ali
Embora os métodos utilizados pelas antigas potências coloniais sejam mais brandos, a sua agenda continua a mesma
Por Moussa Ibrahim
No final de agosto, o governo revolucionário de Burkina Faso nacionalizou duas minas de ouro, recuperando-as da multinacional londrina Endeavour Mining. Burkina Faso é o quarto maior produtor de ouro da África. Enquanto isso, de acordo com a organização de assistência e defesa SwissAid, sediada na Suíça, um total de 435 toneladas de ouro (no valor de cerca de US$ 35 bilhões) foram contrabandeadas ilegalmente para fora da África em 2022 por meio de uma rede criminosa bem organizada, com a maior parte indo parar em bancos europeus.
Esse quadro polarizado de nacionalização, por um lado, e roubo contínuo dos recursos naturais da África, por outro, é bastante revelador da realidade do neocolonialismo e da revolução no continente.
A África, o chamado "berço da humanidade", continua à mercê de potências estrangeiras que a tratam menos como um berço e mais como um bufê. Durante séculos, as nações ocidentais saquearam as riquezas naturais do continente, deixando para trás desordem econômica, instabilidade política e destruição ambiental. Embora os impérios coloniais tenham ruído, seu legado insidioso perdura.
Hoje, o roubo dos recursos naturais da África pelo Ocidente simplesmente foi rebatizado. O método de operação mudou do colonialismo ostensivo para um coquetel mais sutil de ação militar, diplomacia, exploração corporativa e dominação cultural. Mas não se engane: o roubo continua, e a África está sendo prejudicada.
Uma história da extração: do ouro ao ouro negro
Comecemos pelos números. A África é rica – incrivelmente rica – em recursos naturais. Detém aproximadamente 30% das reservas minerais do mundo, 8% do gás natural e 12% das reservas de petróleo do mundo. É o lar de 40% do ouro mundial e até 90% do cromo e da platina. A República Democrática do Congo (RDC) sozinha responde por mais da metade do suprimento mundial de cobalto, um elemento essencial nas baterias que alimentam veículos elétricos e smartphones.
No entanto, apesar dessa abundância, a África continua sendo um dos continentes mais pobres, com mais de 413 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza em 2023, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Como é possível que um continente tão rico abrigue algumas das nações mais pobres do mundo? A resposta é uma teia emaranhada de injustiça histórica e exploração atual.
Potências coloniais como Grã-Bretanha, França e Bélgica dividiram o continente nos séculos XIX e XX, deixando para trás fronteiras artificiais e divisões étnicas que continuam a gerar conflitos. A extração de recursos durante esse período – pense em diamantes na África do Sul, borracha no Congo e ouro na África Ocidental – foi nada menos que um roubo desenfreado. Mas os colonialistas não se contentaram em simplesmente drenar o continente. Eles também garantiram que a infraestrutura que deixaram para trás serviria aos interesses ocidentais, facilitando a extração contínua de recursos. Na verdade, o colonialismo nunca foi verdadeiramente abolido; ele simplesmente se tornou corporativo.
Colonialismo corporativo: Conheça o novo chefe, igual ao antigo chefe
Eis que surgem as corporações multinacionais – os exércitos imperiais de hoje, em seus ternos de diretoria. Empresas como Glencore, Shell e Anglo American substituíram os governadores coloniais de outrora. Essas empresas operam na África sob o pretexto de "investimento" e "desenvolvimento", extraindo recursos enquanto pagam uma ninharia à força de trabalho local. É como se tivessem encontrado uma maneira de deduzir o roubo como imposto de renda.
Veja o exemplo da indústria petrolífera nigeriana. A Nigéria, o maior produtor de petróleo da África, viu seu setor petrolífero gerar bilhões em receitas nas últimas décadas. No entanto, cerca de 40% dos nigerianos vivem abaixo da linha da pobreza. A Shell, que opera na Nigéria há mais de 60 anos, tem sido acusada de tudo, desde devastação ambiental a violações dos direitos humanos. O Delta do Níger, antes repleto de biodiversidade, é agora um deserto tóxico devido a repetidos vazamentos de petróleo.
Como disse certa vez o escritor nigeriano Ken Saro-Wiwa: “O meio ambiente é o primeiro direito do homem; sem um meio ambiente limpo, o homem não pode existir”. Ele disse essas palavras antes de ser enforcado em 1995 por um regime militar apoiado por empresas petrolíferas.
E, embora as corporações continuem a saquear a terra, elas são frequentemente apoiadas por governos ocidentais. Em 2011, por exemplo, a OTAN interveio na Líbia sob o pretexto de proteger civis durante a guerra civil. Mas, com a saída de Kadafi, rapidamente ficou claro que o verdadeiro prêmio era a riqueza petrolífera da Líbia. Desde então, o país mergulhou no caos, com senhores da guerra e milícias competindo pelo controle dos campos de petróleo, enquanto as corporações ocidentais continuam a encher seus bolsos.
Ação militar e diplomacia: o manual de referência do Ocidente
Quando o controle corporativo direto não é suficiente, a ação militar intervém. Os EUA têm mais de 29 bases militares conhecidas no continente, e as operações do Comando dos EUA para a África (AFRICOM) continuam a aumentar. O Pentágono alega que essas bases existem para combater o terrorismo e promover a segurança, mas os críticos argumentam que elas servem principalmente para proteger o acesso americano ao petróleo, urânio e outros recursos estratégicos da África.
Não nos esqueçamos da França, a sempre persistente supervisora "benevolente" de suas ex-colônias. O exército francês mantém presença em lugares como Mali e Chade sob a bandeira do combate a insurgências islâmicas. No entanto, essas operações frequentemente coincidem com a garantia dos interesses econômicos da França em urânio e ouro. De fato, grande parte do urânio que alimenta a indústria de energia nuclear francesa – responsável por 75% de sua eletricidade – vem do Níger. Como é apropriado que o Níger seja um dos países mais pobres do mundo, mas ainda assim mantenha as luzes acesas em Paris.
Quando a força militar não é viável, as potências ocidentais recorrem à diplomacia, alavancando instituições internacionais para manter seu controle. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), frequentemente controlados por países ocidentais, são notórios por impor "programas de ajuste estrutural" às nações africanas. Esses programas forçam os governos a privatizar recursos e indústrias estatais, abrindo caminho para que corporações estrangeiras invadam o país e lucrem.
A frase "quem paga o flautista escolhe a música" nunca foi tão apropriada. Em 2020, o FMI impôs medidas de austeridade à Zâmbia como condição para um resgate financeiro, apesar de o país estar sobrecarregado com dívidas, em grande parte contraídas por meio de projetos de infraestrutura apoiados pelo Ocidente. Tais acordos garantem que as nações africanas permaneçam presas em um ciclo de dependência da dívida, permitindo que o Ocidente mantenha seu domínio sobre as riquezas do continente.
Dominação cultural: o assalto ao soft power do Ocidente
O poder militar e corporativo é apenas parte da história. O Ocidente também usa meios culturais para afirmar seu domínio sobre a África. A mídia ocidental, ONGs e instituições educacionais frequentemente retratam a África como um continente que precisa ser salvo, fomentando uma narrativa paternalista que legitima a intervenção. Essa abordagem de soft power mascara a realidade da exploração, facilitando a justificativa das potências ocidentais para suas ações, tanto em casa quanto no exterior.
Considere como a cultura pop ocidental retrata a África. O espectador ocidental médio pode conhecer a África apenas por meio de histórias de guerra, fome e corrupção, ignorando as ricas histórias culturais e as sociedades complexas que existem há milênios. Até mesmo iniciativas bem-intencionadas como o Live Aid, na década de 1980, retrataram a África como um continente sem esperança e desamparado, necessitado da salvação do Ocidente. A narrativa é clara: a África não pode se ajudar; ela precisa do Ocidente.
Mas quem realmente precisa de ajuda aqui? O Ocidente, com seu apetite insaciável pelos recursos da África, é como um cliente faminto em um bufê à vontade, agarrando pratos de petróleo, ouro e coltan sem sequer um agradecimento.
Resistência: A maré está mudando
A história, no entanto, não termina com a exploração desenfreada. A África tem uma longa história de resistência, e desenvolvimentos recentes sugerem que o continente está longe de ser passivo nesse assalto em andamento. Movimentos pan-africanos, ativismo político e avanços tecnológicos estão emergindo como ferramentas poderosas para resistir.
O pan-africanismo, defendido por líderes como Kwame Nkrumah, Gamal Abdel-Nasser, Muammar Gaddafi e Julius Nyerere, ressurgiu nos últimos anos. As nações africanas têm cada vez mais exigido a renegociação de contratos exploratórios com corporações multinacionais, como visto na renegociação de contratos de mineração da Tanzânia em 2019.
Além disso, o Acordo de Livre Comércio Continental Africano (AfCFTA), que entrou em vigor em 2021, visa criar um mercado único para bens e serviços em todo o continente, reduzindo a dependência das economias ocidentais.
A recente ascensão da liderança pan-africana radical no Níger, Burkina Faso e Mali reflete uma mudança significativa em direção à apropriação africana de sua riqueza e desenvolvimento. A adesão dessas nações à política revolucionária representa uma postura firme contra as influências neocoloniais, estabelecendo um precedente para que outras nações no continente retornem ao controle de seus recursos.
Movimentos populares estão seguindo o exemplo. No Quênia, um movimento popular de 2024 pelos direitos à terra e controle de recursos destacou a crescente conscientização na África Oriental em torno da autodeterminação. Esses esforços sinalizam uma tendência mais ampla em todo o continente – os africanos estão cada vez mais defendendo o controle sobre seu destino.
Enquanto isso, os "projetos de libertação" de Kadafi (pelos quais ele foi morto) estão encontrando novo fôlego nos debates públicos. Propostas como a Organização Africana para os Recursos Naturais, um Banco Central Africano e uma moeda única estão ganhando força nas mídias sociais, em redes ativistas e até mesmo entre alguns governos africanos.
À medida que essas ideias ressurgem, o impulso para a unidade e a independência africanas continua a crescer, com as aspirações por um futuro autodeterminado impulsionando uma nova onda de pensamento e ação pan-africanistas. A crescente cooperação entre a África e atores globais emergentes como China, Rússia, Índia e Brasil está abrindo novos caminhos e oportunidades para o continente. Ao forjar parcerias com essas potências alternativas, as nações africanas estão encontrando maior espaço de manobra, afastando-se das restrições das políticas neocoloniais tradicionais ocidentais.
Essa mudança está remodelando o cenário econômico da África. Projetos colaborativos de infraestrutura, esforços conjuntos de extração de recursos e iniciativas voltadas ao combate à dívida externa tornaram-se centrais para essa nova dinâmica. Essas alianças estão oferecendo aos países africanos termos mais equitativos e perspectivas de desenvolvimento sustentável, desafiando décadas de práticas exploratórias e dando à África as ferramentas para traçar seu próprio caminho.
Mas ainda há muito trabalho a ser feito. A África precisa continuar a construir instituições políticas mais fortes, capazes de resistir à interferência ocidental e garantir que a riqueza do continente seja usada em benefício de seu povo. Como diz o velho ditado: "Se você quer algo bem feito, faça você mesmo". Por muito tempo, os recursos da África foram administrados por outros. Agora é a hora de a África assumir o controle.
Recuperando o que é nosso
Ao analisarmos o roubo contínuo dos recursos naturais da África, devemos nos perguntar: por quanto tempo esse roubo continuará? A África será sempre vista como um tesouro para consumo ocidental, ou o continente finalmente recuperará sua riqueza e seu futuro?
A África tem potencial para ser uma líder global, não apenas em termos de recursos naturais, mas também em inovação, cultura e governança. Mas, para concretizar esse potencial, os africanos devem continuar a resistir às forças que buscam explorá-los – sejam elas intervenções militares, corporações multinacionais ou dominação cultural.
Então, para o Ocidente: a África não é mais sua colônia, nem seu playground, nem seu suprimento infinito de riqueza. Chegou a hora de a África se levantar e dizer: "Tire as mãos!". Como se costuma dizer, um bom ladrão sabe a hora de ir embora antes de ser pego.


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