Irã – um estado capitalista fracassado

Imagem: Alan Quirván

Por MICHAEL ROBERTS*

A tragédia iraniana não é apenas local, mas um sintoma da lógica perversa do capitalismo global: um país esmagado entre a ganância de suas elites, a hipocrisia das potências ocidentais e a obsessão bélica de Israel

1.

Israel e Irã trocaram ataques com aviões e mísseis depois que o primeiro desses dois países lançou uma grande ofensiva na semana passada. O presidente dos EUA, Donald Trump, propôs um intervalo de duas semanas para negociar um acordo de “rendição” com o Irã; caso isso não for possível, ele prometeu que se juntará de novo a Israel no bombardeio do país persa.

O povo iraniano tem sofrido muito com os bombardeios, mas eles só acrescentam mais dor ao longo sofrimento do seu povo. Trata-se de uma dimensão horrível que se soma a longa crise econômica pela qual tem passado o próprio Irã.

O desempenho econômico do Irã nas últimas duas décadas revela um padrão persistente de declínio. De acordo com o relatório World Economic Outlook, publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro de 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) nominal do Irã foi estimado em aproximadamente US$ 434 bilhões. Dada uma população de quase 90 milhões, a renda per capita resultante é muito baixa, a 117ª no mundo.

A inflação anual está atualmente em torno de 40%; há severo aumento dos preços dos alimentos e escassez de produtos básicos. Aproximadamente 33% dos iranianos vivem abaixo da linha oficial de pobreza. A taxa de desemprego juvenil está próxima de 20%, com metade dos homens de 25 a 40 anos desempregados e/ou sem procurar trabalho ativamente.

Nas últimas duas décadas, uma das questões estruturais mais prementes enfrentadas pelo Irã tem sido sua incapacidade de gerar oportunidades de emprego suficientes, apesar de possuir uma população jovem e crescente. Milhões de graduados universitários permanecem excluídos da força de trabalho porque não há postos de trabalho para alocá-los.

No último ano, mesmo sendo rico em reservas de combustíveis fósseis, esse país enfrentou uma grave crise energética, com um déficit de eletricidade de 50% de sua capacidade total de geração, resultando em perdas de produção estimadas em 30-40%. O esgotamento dos recursos hídricos significou que os principais reservatórios de barragens que abastecem Teerã atingiram níveis criticamente baixos, com apenas 7% da capacidade total.

2.

Como a economia iraniana foi reduzida a níveis tão baixos em um país com muitos recursos naturais e uma força de trabalho relativamente educada? A resposta é dupla: primeiro, é o resultado dos fracassos de sucessivos regimes corruptos, começando com o golpe da CIA em 1953 contra o primeiro-ministro eleito do Irã, Mohammad Mossadegh. Esse golpe instalou a dinastia do Xá Reza Pahlavi, um pró-imperialista que governou como monarca absoluto por duas décadas. Após a revolução iraniana de 1979 instalou-se uma autocracia clerical apoiada por uma elite militar que possui e controla grandes setores da economia.

A segunda razão vem os esforços intermináveis das potências imperialistas para enfraquecer e estrangular o desenvolvimento econômico independente do país persa. Primeiro, através do golpe de 1953 e depois com sanções maciças às exportações do Irã e o bloqueio de qualquer investimento estrangeiro e, especialmente, em tecnologia.

Usando a desculpa de que os mulás financiam e apoiam forças guerrilheiras religiosas como o Hamas na Palestina e o Hezbollah no Líbano, assim como o governo xiita de Assad (agora derrubado) na Síria, as potências ocidentais fizeram tudo o que puderam para enfraquecer e destruir os padrões de vida do povo iraniano.

A perda de receita com sanções é estimada em US$ 12 trilhões acumulados nos últimos 12 anos de sanções. Agora Israel e o Ocidente procuram destruir o governo, as cidades e a infraestrutura do país e obter uma eventual “mudança de regime”.

O Irã é, por causa disso, um estado capitalista fracassado. Com 10% das reservas comprovadas de petróleo do mundo e 15% de suas reservas de gás, o Irã poderia ser uma “superpotência energética” como a Arábia Saudita. Mas como está no poder um regime que é um anátema para Israel, os xeques sunitas e o Ocidente não permitiram que ele se desenvolvesse.

O fracasso de ambos os regimes, seja sob o Xá seja depois sob os mulás, é revelado pelo movimento na lucratividade do capital iraniano ao longo das décadas. A crise econômica global da década de 1970 viu uma queda acentuada na lucratividade, lançando as bases econômicas para o fracasso da dinastia Pahlavi e sua derrubada.

Fonte: Série EPWT 7.0

No entanto, os mulás foram incapazes de mudar as coisas até o surto no preço do petróleo que ocorreu no final dos anos 1990 (ver gráfico). Contudo, o boom de commodities chegou ao fim na década de 2010 e a lucratividade caiu novamente.

A economia iraniana se expandiu de um nível muito baixo na era de ouro do crescimento na década de 1960, mas no final da década de 1970 a economia afundou sob o Xá. Não foi melhor durante o período tumultuado da década de 1980 sob os mulás, quando vigoraram baixos preços para o petróleo. O crescimento acelerou um pouco na década de 2000, com o aumento dos preços do petróleo. Mas desde 2010, com preços mais baixos do petróleo e aumento das sanções, houve estagnação.

Fonte: Série EPWT 7.0

As receitas do petróleo representam cerca de 18% do PIB e o setor de hidrocarbonetos fornece 60% das receitas do governo e 80% do valor anual total das exportações e receitas em moeda estrangeira. Portanto, tudo depende do preço do petróleo: uma mudança de US$ 1 no preço do petróleo bruto no mercado internacional altera as receitas do petróleo do Irã em US$ 1 bilhão. Apesar das sanções e da falta de investimento, o Irã consegue exportar cerca de 1,5 milhão de barris de petróleo bruto por dia e outros 1 milhão por dia em produtos petrolíferos.

3.

Mas essas receitas são sugadas pelas demandas dos mulás e dos militares. Os orçamentos combinados das grandes fundações religiosas – chamadas de “bonyads” na língua persa – consomem 30% do total dos gastos do governo. O corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (GRI) controla cerca de um terço da economia do Irã por meio de subsidiárias e controladoras.

A GRI tem mais de cem empresas com receita anual de US$ 12 bilhões. Ela recebe a maior parte dos principais projetos de infraestrutura. Em 2024, essa Guarda recebeu 12 bilhões de euros, ou seja, 51% de todas as receitas de petróleo e gás.

O Irã foi forçado a gastar enormemente com as forças armadas, em parte para defender o regime do Ocidente e de Israel, mas também em parte para sustentar a elite militar que mantém os mulás no poder. O mais caro dos gastos com defesa do Irã é seu programa nuclear, o qual chega a um acumulado de US $ 500 bilhões.

Trata-se de um montante que poderia ter sido gasto produtivamente em tecnologia e no aumento da renda salarial. Como resultado do programa nuclear, destinado a dissuadir ataques de Israel e do Ocidente, vieram as sanções e elas levaram ao desaparecimento do investimento estrangeiro para ajudar a desenvolver a economia.

O governo ziguezagueou entre o controle dirigido pelo Estado e a “liberalização” pró-mercado em esforços desesperados para impulsionar os setores produtivos. Em 2005, os ativos do governo foram estimados em US $ 120 bilhões. Mas, desde então, metade desses ativos foi privatizada. O resultado é que a economia é drenada pelos mulás e pela elite militar, enquanto há pouco ou nenhum investimento por parte dos setores capitalistas.

O ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad diz que 60% da riqueza nacional é controlada por apenas 300 pessoas, a maioria das quais transfere sua riqueza para o exterior para comprar imóveis estrangeiros e/ou “salgá-la” em contas secretas. De acordo com o Banco de Dados da Desigualdade Mundial, o 1% mais rico dos iranianos possui 30% de toda a riqueza nacional e os 10% mais ricos possuem quase dois terços, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 3,5%.

4.

As privatizações e as desigualdades de riqueza produziram uma elite dominante que está dividida entre os fundamentalistas religiosos apoiados pelos militares e uma facção empresarial que busca acomodação com o Ocidente. Esses últimos são ditos “reformistas” pró-mercado; eles querem que as sanções sejam suspensas, quaisquer que sejam as concessões ao Ocidente. Se os mulás caírem, eles serão rápidos em se juntar ao campo imperialista e buscar a paz com Israel nos termos deste último, assim como os xeques árabes o fizeram no passado.

Nenhuma das alas da elite está interessada em melhorar as condições da classe trabalhadora do Irã. O salário médio de um trabalhador é de cerca de US $ 150-200 por mês. Muitos deixam as pequenas cidades onde reina a pobreza para procurar trabalho nas grandes cidades. A realidade é que a renda média quase não mudou desde a década de 1980.

Fonte: WID

Antes do dilúvio da guerra, a agitação trabalhista vinha aumentando à medida que os trabalhadores exigiam salários mais altos para acompanhar a inflação. O Alto Conselho do Trabalho propôs recentemente que um salário de referência deveria somar 23,4 milhões de tomans (a moeda local) por mês; porém, os trabalhadores argumentaram que o custo de vida real é de pelo menos 29 milhões de “tomans” por mês.

O salário-mínimo proposto pelo governo de 14 milhões de tomans provocou indignação, pois está muito abaixo da linha da pobreza. De acordo com a agência de notícias estatal, uma petição exigindo um aumento salarial de 70% obteve mais de 25.000 assinaturas de trabalhadores.

Ali Moqaddasi-Zadeh, chefe dos Conselhos Trabalhistas Islâmicos no Khorasan do Sul, alertou em fevereiro passado: “Com uma estimativa de custo de vida de 23 milhões de tomans, os trabalhadores serão forçados a viver em favelas e ficar sem teto. O próximo ano será de inflação extrema e dificuldades, a menos que o governo tome medidas adequadas”.

A crise imobiliária agrava ainda mais o problema, pois 45% da renda familiar é gasta com aluguel. Os trabalhadores relatam que até mesmo alugar um quarto individual está se tornando inacessível. Com a inflação acelerando, mesmo os custos para obter alimentos básicos não podem ser pagos. O custo das aves forçou os cidadãos a longas filas para comprar frango a preços acessíveis em muitas cidades. A inflação dos alimentos no Irã subiu para mais de 35%.

A mídia controlada pelo Estado mostrou longas filas para comprar pão nas principais cidades, uma reminiscência do racionamento do tempo de guerra. Muitas padarias foram forçadas a fechar devido ao aumento dos custos da farinha e dos ingredientes.

No primeiro semestre deste ano, a economia do Irã continuou estagnada. O setor de energia está em dificuldades; há uma rápida depreciação da moeda nacional de tal modo que a taxa de inflação tem sido superior a 40%, causando um declínio severo no poder de compra

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Fonte: Banco Mundial

Contudo, é sobre essa pobreza extrema que as bombas caíram e podem cair novamente.

*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de Capitalism in the 21st Century: Through the Prism of Value (Pluto Press).

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente no The next recession blog.



 

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