A geopolítica da economia diante das novas plataformas multipolares: uma perspectiva sobre o potencial dos BRICS para a Ibero-América

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Lorenzo Maria Pacini
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O multipolarismo, para não ser uma simples redistribuição de dependência, deve ser acompanhado de um projeto de soberania econômica.

Nos últimos vinte anos, a crise de legitimidade da ordem internacional construída em torno da hegemonia dos EUA e de suas instituições financeiras abriu espaço para a reafirmação de uma lógica geopolítica na dinâmica econômica global, permitindo que a geoeconomia, um ramo da geopolítica, se estabelecesse com plena autonomia.

O paradigma neoliberal, codificado no chamado Consenso de Washington, tem mostrado progressivamente limitações sistêmicas, particularmente nos países do Sul global, onde muitas vezes produziu crescimento sem desenvolvimento, liberalização comercial sem industrialização e estabilização monetária às custas da soberania fiscal.

No contexto pós-pandêmico, essa crise se aprofundou: as rupturas nas cadeias globais de valor, a nacionalização das políticas industriais, o renascimento do conceito de segurança econômica e a desdolarização marcaram um retorno explícito da dimensão estratégica na cooperação econômica, a ponto de novas plataformas multipolares emergirem com força, propondo um paradigma alternativo ao modelo atlantista.

O bloco BRICS é o caso mais emblemático de contestação estrutural do sistema multilateral ocidental. Apesar de sua heterogeneidade interna, o grupo compartilha o objetivo de promover uma ordem internacional baseada na soberania econômica, no respeito às especificidades nacionais e em maior equidade na governança global por meio de instrumentos como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o Acordo de Reservas Contingentes (CRC), o fortalecimento das moedas regionais por meio de acordos específicos e a descentralização do dólar americano e do sistema SWIFT.

A região ibero-americana é uma arena paradigmática para avaliar a capacidade efetiva das plataformas multipolares de oferecer alternativas sustentáveis. Historicamente subordinada aos circuitos de capital norte-americano e europeu, a América Latina vivenciou uma integração globalista marcada pela exportação de matérias-primas, instabilidade macroeconômica recorrente e autonomia industrial limitada. Nos últimos anos, contudo, tem havido um foco crescente na cooperação Sul-Sul, graças, em parte, ao ressurgimento geral do Sul Global como uma macroentidade que desafia o Ocidente coletivo, localizado no hemisfério norte. A China já suplantou os Estados Unidos como principal parceiro comercial de muitos países latino-americanos, enquanto Rússia, Índia e Irã estão expandindo sua influência por meio de acordos multilaterais. Brasil e Argentina, em particular, têm se mostrado interlocutores privilegiados dos BRICS, embora com trajetórias divergentes devido às suas respectivas dinâmicas políticas internas.

A questão central, portanto, é: os BRICS podem constituir uma plataforma funcional para responder às aspirações econômicas, produtivas e sociais da região ibero-americana?

Em termos teóricos, o modelo BRICS é baseado em uma série de princípios-chave:

  • Não ingerência na política e respeito à soberania;
  • Financiamento não condicionado a reformas estruturais impostas;
  • Promoção da complementaridade produtiva e não apenas do comércio;
  • Construção de uma ordem multipolar baseada no equilíbrio e na cooperação para o sucesso compartilhado.

Nesse sentido, a Ibero-América precisa enfrentar os desafios estruturais internos para remediar as consequências da dependência ocidental. Antes de tudo, precisa romper com as exportações primárias, cujos lucros estão vinculados a centros financeiros estrangeiros, e reestruturar seus sistemas tributário e de transações internacionais para expandir sua capacidade de investimento.

Os BRICS e, de forma mais geral, as plataformas multipolares representam uma janela histórica de oportunidade para a Ibero-América, porque têm um espaço de negociação mais amplo, uma pluralidade de parceiros estratégicos e a possibilidade de construir agendas econômicas menos dependentes das restrições do Norte global.

Aqui reside a grande oportunidade: os países ibero-americanos podem dedicar-se a articular novas políticas econômicas nacionais coerentes com sua tradição cultural e com objetivos que respeitem a soberania e o interesse nacional. Nessa direção, haverá necessariamente uma reforma das instituições públicas, expurgando aparatos estrangeiros e introduzindo uma nova classe política, que deverá ser treinada em uma lógica multipolar, um projeto que requer estudo específico e urgente.

O multipolarismo, para não ser uma mera redistribuição da dependência, deve ser acompanhado de um projeto de soberania econômica. E este é o primeiro e mais importante objetivo dos BRICS. O desafio é tanto interno quanto internacional e diz respeito à capacidade das sociedades ibero-americanas de redefinir seu modelo de desenvolvimento para além da subordinação a uma ou outra potência.

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