Garfias e vários bispos localizados em áreas de alto conflito afirmam que o principal objetivo é a colaboração entre a Igreja, as autoridades e a sociedade civil para alcançar grupos criminosos. Foto: Facebook Carlos Garfias
O presidente da Conferência Episcopal Mexicana (CEM), Monsenhor Ramón Castro Castro, se distanciou do Arcebispo de Morelia, Carlos Garfias, que insiste na necessidade de a sociedade civil e os governos dialogarem com os narcotraficantes para conter a violência vivida em muitos estados do país.
As posições dos bispos foram esclarecidas em um workshop realizado na Pontifícia Universidade do México (14 e 15 de julho). Cerca de 40 padres e 30 leigos de diferentes estados participaram do workshop para fortalecer as habilidades de negociação para padres e agentes, organizado pela Igreja Católica.
Em nota, a presidência do CEM esclareceu em 15 de julho que o workshop não tinha a intenção de iniciar negociações ou diálogos com organizações criminosas. Por que o título "fortalecimento das capacidades de negociação"? Contrariando a abordagem de Carlos Garfias, o CEM buscou esclarecer: "O objetivo não é buscar o diálogo com grupos criminosos para construir a paz no país, mas sim compartilhar metodologias que trabalhem com todos os setores para construir caminhos para a paz."
Garfias e vários bispos localizados em áreas de alto conflito afirmam que o principal objetivo é a colaboração entre a Igreja, as autoridades e a sociedade civil para alcançar grupos criminosos, "ajudar os criminosos a se reabilitar" e melhorar as condições humanitárias da população, reduzindo a violência no país.
O padre jesuíta Jorge Atilano apoiou o CEM e observou que o objetivo do workshop "era reparar os danos e fortalecer a paz em nível local", em diálogo com atores nacionais e internacionais. Sobre a posição do Arcebispo de Morelia, ele disse: "Talvez o Arcebispo Garfias tenha esse interesse em mediar com os narcotraficantes, mas essa não é a proposta oficial". Este também foi o coordenador executivo do Diálogo Nacional. O workshop, sem dúvida, reabriu a disputa entre os bispos.
Desde os assassinatos dos jesuítas na Serra Tarahumara, em Chihuahua, a Igreja endureceu sua posição em relação à política de segurança da Quarta Transformação e critica a crescente militarização do país. Esse grupo fez com que os candidatos presidenciais mexicanos assinassem uma declaração a favor da paz. A então candidata Claudia Sheinbaum assinou a declaração de forma crítica e sob protestos, por discordar dos princípios do documento.
Para além das nuances entre os prelados, emerge um duplo padrão. A relação entre a Igreja Católica e o crime organizado remonta à década de 1970. São frequentes as ocorrências, não só de escândalos relacionados às chamadas esmolas de drogas, mas também de mediação com o crime organizado.
Recordemos a controvérsia na opinião pública e na classe política sobre as reuniões do início de 2024 e os acordos que os quatro bispos de Guerrero fizeram com grupos criminosos como La Familia Michoacana, Los Tlacos e Los Ardillos. E, mais recentemente, o então bispo da diocese de Chilpancingo-Chilapa, Salvador Rangel, concordou com uma trégua eleitoral com os criminosos, para impedir o assassinato de candidatos. Há um descuido político porque a CEM, na época, apoiou e justificou as reuniões e pactos entre bispos e organizações criminosas.
Os bispos mexicanos divergem em suas opiniões: alguns, diante do aumento da violência no país, veem a necessidade local de diálogo e negociação com o crime organizado; outros bispos se escandalizam ou consideram inadequado destacar laços históricos. Há 40 anos, o crime organizado se infiltra na polícia, no judiciário, nos setores empresariais e nos partidos políticos. É lógico supor que também tenha afetado as igrejas, em particular a Igreja Católica.
Para além das nuances entre os prelados, emerge um duplo padrão, pois a relação de trocas e acordos entre bispos e o crime organizado tem uma longa história. Recordemos algumas joias da mídia que revelam grandes doações e vantagens de organizações criminosas à Igreja Católica.
1) 1997. O padre Raúl Soto, cônego da Basílica de Guadalupe, indicou em uma homilia que mais mexicanos deveriam seguir o exemplo dos narcotraficantes Rafael Caro Quintero e Amado Carrillo, que fizeram doações de vários milhões de dólares à Igreja.
2) 1993. O assassinato de Jesús Posadas Ocampo por traficantes.
3) Naquela época, o padre Gerardo Montaño era o elo de ligação do cartel de Tijuana.
4) Os misteriosos encontros entre os irmãos Arellano Félix e o núncio Girolamo Prigione na Santa Sé, na Cidade do México. Eles negociaram com Carlos Salinas de Gortari em dezembro de 1993.
5) Em 2005, Ramón Godínez, bispo de Aguascalientes e ex-secretário da CEM, admitiu ter recebido doações de traficantes de drogas e abençoado dinheiro lavado.
6) 2009. O presidente do CEM, Monsenhor Carlos Aguiar Retes, recomendou fortemente a evangelização do mundo das drogas e a incorporação dos chefes arrependidos.
7) Agosto de 2020. El Marro, chefe do cartel de Santa Rosa de Lima, admite ter doado recursos substanciais e terras à diocese de Celaya.
8) Agosto de 2022. Norberto Rivera está na mira do FBI, devido ao seu relacionamento próximo com o empresário mexicano Fernando Pyro de la O, acusado de suposta lavagem de dinheiro do tráfico de drogas .
Por fim: a Igreja se beneficiou dessa estranha relação com o crime organizado? Os bispos católicos acreditam estar observando de fora a violência desenfreada no país. Não reconhecem que a própria Igreja também é parcialmente responsável por sua deterioração?

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