Os EUA provocam o dragão: Taiwan finca sua bandeira na Somalilândia


Crédito da foto: The Cradle

A aliança de segurança Taiwan-Somalilândia expõe novas falhas na rivalidade entre EUA e China, colocando atores regionais uns contra os outros em Bab al-Mandab e no Golfo de Áden.


Um novo ator entrou no Chifre da África. Em 24 de julho, Taiwan assinou um acordo de segurança marítima com a Somalilândia, um estado autodeclarado não reconhecido pela comunidade internacional desde sua separação da Somália em 1991 – mas que é cada vez mais cortejado por aliados dos EUA para parcerias estratégicas. Embora o pacto possa parecer insignificante, ele carrega um peso geopolítico significativo: abre uma nova frente na longa guerra de Washington para conter a ascensão global de Pequim.

As ambições de Taiwan na Somalilândia vão muito além dos laços bilaterais. De acordo com sua própria formulação, o acordo visa construir uma "costa não vermelha" com o objetivo de conter a influência da China ao longo do Mar Vermelho, Golfo de Áden e Estreito de Bab al-Mandab.

É aqui que Israel, os Emirados Árabes Unidos, a Turquia e o governo iemenita alinhado à Ansarallah em Sanaa se cruzam tanto no conflito quanto no comércio, transformando a Somalilândia em um nó central na disputa entre a Ásia Ocidental e a África Oriental entre a multipolaridade eurasiana e a hegemonia atlantista.

Posto avançado de Taiwan no Mar Vermelho

A abertura diplomática de Taiwan à Somalilândia remonta a 2020, quando abriu um escritório de representação na capital, Hargeisa. A iniciativa provocou a ira de Pequim, que a condenou como uma violação do princípio de "Uma Só China". Em resposta, Taipé e Hargeisa começaram a aprofundar os laços por meio de acordos sucessivos, culminando no recente pacto de segurança.

O acordo atual abrange três níveis de cooperação. Primeiro, concentra-se na segurança marítima, incluindo exercícios conjuntos de treinamento, coordenação de busca e salvamento e intercâmbio de conhecimentos técnicos. Segundo, aborda o desenvolvimento da economia azul por meio da colaboração na exploração pesqueira, gestão costeira sustentável e logística marítima. Por fim, envolve transferência de tecnologia e capacitação, como o fornecimento de sistemas de vigilância, equipamentos para a guarda costeira e suporte técnico taiwanês.

A costa de 850 quilômetros da Somalilândia ao longo do Golfo de Áden lhe dá acesso estratégico a uma das rotas marítimas mais importantes do mundo. Para Taiwan, aliado dos EUA, oferece tanto influência geopolítica quanto um desafio simbólico a Pequim. Mas para a China, o acordo é uma provocação. Assim como a Somália, Pequim rejeitou o pacto categoricamente, chamando-o de violação de soberania e ameaça à estabilidade regional.

“A ação da autoridade regional da Somalilândia violou flagrantemente o princípio de uma só China e prejudicou a soberania, a unidade e a integridade territorial da China”, declarou a Embaixada Chinesa na Somália, acrescentando: “O lado chinês se opõe resolutamente a essa ação”.

A presença da China no Chifre da África está ancorada em sua base militar em Djibuti (sua primeira instalação no exterior), por meio da qual monitora e protege os corredores marítimos da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI). A base oferece a Pequim uma plataforma de lançamento para projeção econômica e militar no Mar Vermelho e na África Oriental. Também coloca as forças chinesas próximas às bases americanas, intensificando uma disputa regional por influência.

A aposta da Somalilândia em Taipé é, sem dúvida, uma jogada ousada. Sem reconhecimento formal, Hargeisa está alavancando essa aliança para ampliar sua relevância internacional e se aproximar de Washington. A iniciativa é emblemática de uma tendência regional mais ampla, na qual atores não reconhecidos ou marginais são absorvidos pela estratégia de contenção liderada pelos EUA contra a China no Sul Global.

Mapa da localização estratégica da Somalilândia.

Política de proxy e estratégias de contenção

Embora os EUA tenham permanecido em silêncio público sobre o pacto marítimo, sua influência é evidente. O presidente taiwanês, Lai Ching-te, durante seu encontro com uma delegação da Somalilândia, afirmou que a parceria bilateral poderia ser "fortalecida no futuro" por meio da "cooperação com países com ideias semelhantes, como os Estados Unidos". Em janeiro de 2025, o Comitê Especial do Congresso dos EUA sobre a China instou explicitamente o Departamento de Estado a estabelecer um escritório de representação na Somalilândia para combater Pequim.

Não se trata apenas de Taiwan ou mesmo da Somalilândia. O Chifre da África tornou-se uma falha no confronto mais amplo entre EUA e China, com a segurança marítima servindo de pretexto para a projeção. A base militar chinesa no Djibuti é vista em Washington como um desafio direto aos interesses dos EUA, particularmente na vigilância dos fluxos de armas, no monitoramento das atividades de resistência no Iêmen e na contenção do alcance naval em expansão de Sanaa.

Como observa o analista da Somalilândia Abdiqadir Jama no Horn Diplomat, a aliança Taiwan-Somalilândia é uma manobra geopolítica inserida em uma disputa mais ampla entre EUA e China. Sua concepção como um "modelo" para o envolvimento dos EUA na região sinaliza a intenção de Washington de forjar relações de procuração em vez de presença direta.

A estratégia da Somalilândia é alavancar a competição entre grandes potências como caminho para o reconhecimento. Ela reconhece que o reconhecimento formal por parte de grandes potências é improvável no curto prazo, devido à adesão da comunidade internacional à política de "Uma Somália" e à deferência à União Africana.

Para Taiwan, o pacto da Somlilândia representa "um pilar fundamental da política externa proativa e assertiva do presidente Lai Ching-te". Diante de uma implacável campanha de estrangulamento diplomático por parte de Pequim, que a deixou com apenas um punhado de aliados formais, Taipé desenvolveu uma estratégia ofensiva de "diplomacia de não reconhecimento".

Este desenvolvimento está alinhado com as declarações pós-eleitorais do presidente dos EUA, Donald Trump, indicando a intenção de seu governo de reconhecer a Somalilândia, uma medida enquadrada por seus assessores próximos como vantajosa para as operações de inteligência dos EUA na região. Estas incluem o monitoramento da atividade naval alinhada à Ansarallah, o fluxo de armas através do Bab al-Mandab e a logística chinesa.

Contrapesos do eixo de resistência

Sanaa tornou-se um ator decisivo nesta disputa emergente. Como a única força que desafia diretamente a presença militar dos EUA e os interesses israelenses no Mar Vermelho, o governo liderado por Ansarallah se afirmou tanto como uma autoridade soberana de resistência quanto como um contrapeso estratégico indireto alinhado aos interesses de Pequim. Pequim tem evitado até agora uma resposta aberta ao acordo Taiwan-Somalilândia, mas ações futuras podem muito bem incluir apoio a contramedidas canalizadas por Sanaa ou outros parceiros aliados.

A China ainda não concedeu reconhecimento formal a Sanaa, mas manteve canais abertos com a liderança da Ansarallah, recebendo uma delegação da Ansarallah já em 2016 e explorando vias limitadas de coordenação. Esse ato de equilíbrio permite que Pequim proteja seus corredores marítimos sem entrar em conflito aberto com os parceiros regionais de Washington, mas deixa em aberto a possibilidade de uma mudança em direção ao reconhecimento caso a pressão dos EUA se intensifique.

Para Washington, o pacto é mais uma tentativa de usar entidades não reconhecidas e zonas disputadas como ferramentas para minar a influência chinesa e multipolar. No entanto, essa abordagem está repleta de riscos. O Golfo de Áden já é um barril de pólvora, e esses novos alinhamentos podem desencadear respostas regionais que escapam ao controle dos EUA.

Eixo EUA-Israel-Emirados Árabes Unidos

Taiwan não é o único ator alinhado aos EUA a se infiltrar na Somalilândia. Os Emirados Árabes Unidos, apoiadores de longa data das autoridades de Hargeisa, estão negociando um acordo militar para conceder a Tel Aviv uma base na Somalilândia em troca de reconhecimento formal. A medida busca flanquear Sanaa, garantindo uma posição em frente à costa ocidental do Iêmen, perto do ponto de estrangulamento do Mar Vermelho.

Israel, que já opera uma unidade de inteligência conjunta com os Emirados Árabes Unidos na ilha de Socotorá, no Iêmen, agora planeja que sua base na Somalilândia fique ao lado da presença de Taiwan, sob a mesma estrutura de segurança dos EUA. Ao mesmo tempo, a expansão da presença de Abu Dhabi também visa combater as ambições de segurança militar da Turquia na Somália, com as quais tem entrado em conflito repetidamente.

O que emerge é uma densa rede de alinhamentos: um bloco liderado pelos EUA, composto por Taiwan, Israel, Emirados Árabes Unidos e Somalilândia, posicionado contra interesses chineses, turcos e apoiados pelo Ansarallah. A Somalilândia, antes um ator periférico, tornou-se palco de confrontos indiretos, com seu status não reconhecido sendo explorado para remodelar o equilíbrio de poder da região.

As consequências se estenderão muito além do Chifre da África. Com Taiwan atuando como uma cunha no Mar Vermelho e atores da resistência como Sanaa defendendo linhas marítimas contra a invasão ocidental, o pacto Taiwan-Somalilândia pode muito bem marcar a salva de abertura de uma nova fase de realinhamento multipolar, que conectará as costas da África ao coração da frente de resistência da Ásia Ocidental.



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