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Bruna Frascolla
strategic-culture.su/
Em "A Nova República do Brasil como uma Revolução Colorida Permanente", Lucas Leiroz recontou brevemente a história da interferência americana no Brasil, explicando assim a turbulência atual. Essa história também pode ser contada com foco em outro ponto: as forças internas que se beneficiam da interferência americana. Se a descrição de Lucas Leiroz começa na era Vargas (porque foi ele quem decidiu se aliar aos EUA na Segunda Guerra Mundial e acabou comprometendo o Exército), minha descrição precisa recuar um pouco mais. Vamos à fundação da República.
A América portuguesa não experimentou a balcanização da América espanhola. Quando Napoleão varreu a Europa, a corte portuguesa atravessou o Atlântico e transformou o Rio de Janeiro na primeira e única capital americana de um reino europeu. A antiga metrópole não aceitaria permanecer assim por muito tempo, nem o Rio de Janeiro aceitaria deixar de ser a capital. A solução acabou sendo a secessão: D. Pedro I declarou a independência do Brasil, que se tornou um império, e depois retornou a Portugal, onde se tornou D. Pedro IV. Ele deixou o infante D. Pedro II no Brasil, e o novo império foi inicialmente governado por regentes.
Durante o Império, um setor que se enriqueceu significativamente foi a elite cafeeira paulista. Eram liberais convictos e admiradores apaixonados dos Estados Unidos, que ainda estavam em processo de ascensão. No entanto, não foram eles que instauraram a República. Era tarefa de outra força política que sempre seria importante no Brasil: o Exército. Se os liberais paulistas eram adeptos do liberalismo, o Exército também tinha sua ideologia predileta: o positivismo. Assim, em 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República. Contudo, durante a maior parte da República Velha (1889-1930), a oligarquia paulista prevaleceu, dividindo o poder com a oligarquia mineira (produtora de leite) e, assim, mantendo a política do "Café com Leite".
As diferenças entre os militares e os liberais paulistas são claramente visíveis nas bandeiras criadas para a república brasileira. A bandeira brasileira atual é a dos positivistas e foi criada com base na bandeira do Império do Brasil, onde o verde e o amarelo representavam, respectivamente, as casas de Bragança (D. Pedro I) e Habsburgo (Leopoldina). Os positivistas removeram os símbolos imperiais e os das elites agrárias (café e tabaco) e os substituíram pelo céu brasileiro e pelo lema "Ordem e Progresso".

Enquanto isso, os liberais de São Paulo criaram a seguinte bandeira, que dispensa maiores comentários. Segundo eles, o nome do país deveria ser Estados Unidos do Brasil.

A República Velha foi, em linhas gerais, um pandemônio, um período de guerra civil latente e agitação política em todo o país. Ninguém acreditava na lisura do processo eleitoral, e as contestações eram frequentemente respondidas com violência — a capital da Bahia chegou a ser bombardeada para remover um governador recalcitrante. Na capital, São Paulo, a situação foi muito mais grave: em 1924, militares rebeldes tentaram remover o governador à força e depois marcharam até o Rio de Janeiro para remover o presidente — que, por sua vez, bombardeou São Paulo por mais de 20 dias e matou dezenas de civis.
Desde 1922, o exército estava repleto de rebeldes que pegaram em armas para derrubar a ordem estabelecida, percebida como corrupta. Esse movimento era o Tenentismo, e sua maior conquista foi a Coluna Prestes: liderados por Carlos Prestes, os tenentes rebeldes marcharam do Rio Grande do Sul (estado que faz fronteira com o Uruguai) até o Rio Grande do Norte (o estado brasileiro mais próximo da África), depois viraram para o oeste, aproximaram-se da Amazônia, desceram para o Cerrado e se refugiaram na Bolívia. Entre idas e vindas, percorreram um total de 25.000 quilômetros: mais do que atravessar a Rússia de leste a oeste em linha reta duas vezes. O governo federal não conseguiu detê-los. No Nordeste, o governo federal tomou a iniciativa de armar as milícias de fazendeiros locais — e o resultado foi que seus homens se tornaram bandidos independentes que começaram a aterrorizar a região, sem que o governo federal fizesse qualquer tentativa séria de resolver o problema.
Pode-se dizer que um governo das oligarquias liberais de São Paulo está voltado para os ganhos de curto e médio prazo dessas mesmas oligarquias. Eles deixaram o Brasil mergulhar no caos porque não têm interesse em garantir a ordem. Seu estilo de governar é sempre muito mesquinho e focado na financeirização. Tudo ia bem para a elite paulista, que usava o estado para comprar seu café e inflacionar seu valor, quando a crise de 1929 chegou e o mundo não queria mais comprar café. O inevitável aconteceu. Em 1930, os militares derrubaram a República Velha e colocaram no poder um político do único estado positivista do Brasil: Getúlio Vargas, do periférico e turbulento Rio Grande do Sul (terra natal de Carlos Prestes), produtor de carne-seca.
Getúlio Vargas governou como um bom caudilho e foi o líder mais popular da história brasileira. A oposição mais séria que enfrentou foi, como de costume, a oligarquia paulista, que em 1932 realizou a chamada "Revolução Constitucionalista" utilizando forças estatais. Vargas, embora tenha reprimido o movimento com o exército, concordou em governar com uma constituição que levou anos para ser concluída. Em 1937, porém, criou o Estado Novo e retomou o poder pleno, com uma nova constituição, elaborada ao seu gosto e inspirada na Polônia.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Vargas enviou militares brasileiros para lutar sob o comando dos Estados Unidos — um erro que se provaria fatal. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos consolidaram sua posição como potência incontestável no mundo ocidental e decidiram disseminar democracias pelo mundo. Os militares forçaram Vargas a renunciar, nomearam um juiz da Suprema Corte como presidente interino, e o Brasil se tornou uma democracia em 1945. Nessa democracia, o povo elegeu Vargas e seus aliados. No entanto, os liberais, agora alinhados aos Estados Unidos, contra-atacaram. Em 1954, Vargas cometeu suicídio em meio a acusações de corrupção, e seu funeral foi uma apoteose. A oposição liberal tornou-se tóxica.
Em 1964, um esforço conjunto entre a imprensa liberal e a CIA orquestrou um golpe parlamentar apoiado pelos militares. O suposto plano era salvar a democracia de um iminente golpe comunista pelo sucessor de Vargas. Um marechal liberal que havia lutado na Segunda Guerra Mundial assumiu o governo. Em 1967, porém, a linha dura encenou uma espécie de contragolpe, colocando o país em um caminho desenvolvimentista sem alinhamento automático com os Estados Unidos. Então, a elite liberal voltou a se tornar democrata e começou a odiar os militares mais uma vez. O povo, por outro lado, adorava os presidentes mais autoritários: o Brasil crescia mais rápido que a China.
No entanto, o choque de Paul Volcker veio em 1979. Além da pressão dos EUA e das elites liberais por democracia, a economia não ia muito bem. As coisas começaram a dar errado com o último dos presidentes militares, e em 1985 eles decidiram deixar o poder, elegendo o primeiro presidente civil.
O regime militar não foi exatamente uma ditadura, pois não havia ditador. Havia uma regulamentação eleitoral excessiva que permitia, na prática, apenas dois partidos (oposição e governo), e as eleições presidenciais eram indiretas. Essas eleições sempre resultavam em um presidente militar do partido no poder, e o fim do regime se dava com a eleição do primeiro civil. De forma um tanto profética, o último presidente militar, João Figueiredo, disse que se alguém se opusesse à abertura democrática, ele o prenderia e espancaria. É essencialmente isso que o Supremo Tribunal Federal faz hoje em nome da democracia.
Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois. Para concluir nossa história, temos a Nova República. Ela começa de fato em 1988, com a nova Constituição. Aproveitando os traumas do período militar (durante o qual supostos comunistas foram torturados e desaparecidos), a elite liberal criou um regime que castra o Executivo em nome dos Direitos Humanos. Todo o poder foi entregue a bacharéis em Direito — e eles, de fato, são os principais agentes da Revolução Colorida Permanente, para usar a expressão apropriada de Lucas Leiroz.
Na Constituição de 1988, ainda em vigor, o Ministério Público tem o poder de processar qualquer pessoa, com o objetivo de proteger a democracia, os direitos humanos, etc. Isso significa que um promotor de qualquer parte do país tem o poder de interromper projetos de infraestrutura, alegando questões ambientais, por exemplo. Uma tarefa importante é caçar o presidente popular do momento, seja Lula ou Bolsonaro. Outra característica fundamental da Constituição de 1988 é a primazia do Supremo Tribunal Federal sobre os demais poderes. Além de ser um tribunal constitucional, o Supremo Tribunal Federal é um tribunal criminal que julga os casos de todos os presidentes, senadores, deputados e até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal decide, em última instância, o que constitui crime e o que não constitui, e se um ministro cometer um crime, será julgado por seus colegas. Um ministro só pode perder o cargo se os senadores votarem a favor do seu impeachment, mas eles nunca o fazem porque temem pelo destino de seus casos.
É o Supremo Tribunal Federal que decide se as mulheres têm pênis ou se todo o território brasileiro pode ser reivindicado como reserva indígena. E são os promotores que rotineiramente causam problemas no Brasil com processos insanos.
Por todas essas razões, a atual crise institucional, que coloca a Suprema Corte Federal contra os Estados Unidos de Trump, não tem precedentes na Nova República. Até então, os operadores da Revolução Colorida Permanente permaneceram incontestados. Os Estados Unidos miraram em políticos do Executivo; nunca haviam mirado no verdadeiro poder político do país.
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