Respeito e solidariedade com o povo salvadorenho

O objetivo de acabar com a violência de gangues no país expandiu-se para capturar qualquer indivíduo que pareça se opor ao regime de Bukele. Foto: AFP / Arquivo


A presidente Claudia Sheinbaum pode estar certa em "respeitar o povo de El Salvador" quanto à aprovação legislativa da reeleição por tempo indeterminado em seu país, em linha com a política externa mexicana de não intervenção nos assuntos políticos internos de outros países ( La Jornada 08/01/2025). No entanto, não devemos ignorar as vozes oposicionistas enfraquecidas no país, tanto da direita (Arena) quanto da esquerda (FMLN), que alertam para o fim da democracia e a instauração de uma ditadura de fato (https://tinyurl.com/j6bvn4pk). Além de tentar se perpetuar no poder, a estratégia do presidente Nayib Bukele é consolidar seu partido, Nuevas Ideas, no poder legislativo a longo prazo, pois está longe de ter o mesmo nível de aprovação popular que ele próprio desfruta (https://tinyurl.com/5c7d73bv).

O ex-candidato presidencial Luis Parada lamenta nas redes sociais (https://tinyurl.com/2hpd856) que “a República de El Salvador não existe mais. Ela foi destruída por Bukele, seus deputados e seus magistrados. Primeiro, violaram a Constituição, removendo os magistrados da Câmara Constitucional e aprovando a reeleição inconstitucional de Bukele. Depois, mudaram a forma como a Constituição foi reformada, sem aviso prévio, sem debate e de forma expressa. Finalmente, alteraram uma cláusula pétrea, que a própria Constituição proibia alterar. Ao fazê-lo, alteraram efetivamente a forma de governo e o sistema político estabelecido. Destruíram a Constituição, que era o alicerce sobre o qual a República foi construída.”

Essas reformas constitucionais vêm, como afirma o boletim do Comitê Internacional em Solidariedade com o Povo de El Salvador (CISPES), com o endosso de "uma postura de neutralidade e respeito à autodeterminação (...) que as nações da América Latina e de todo o mundo há muito exigem dos Estados Unidos, mas que parece se aplicar apenas a movimentos e governos políticos de direita". Para os Estados Unidos, a aceitação das mudanças em El Salvador é mais um passo "em seu papel fundamental na legitimação da concentração de poder de Bukele" (https://tinyurl.com/3jdumpkb).

Nenhum governo pode ignorar e tolerar a grave crise de direitos humanos em El Salvador. Segundo a organização Assistência Jurídica Humanitária, 435 pessoas presas durante o regime de emergência de Bukele morreram por falta de assistência médica (https://tinyurl.com/2p9vffkj). O terror de Estado está se espalhando; líderes religiosos de várias congregações em El Salvador afirmam que seu trabalho junto às comunidades mais pobres e marginalizadas do país pode custar-lhes a liberdade, como foi o caso do pastor José Ángel Pérez, que foi preso violentamente em maio.

Em julho de 2023, foi emitido o Decreto 803, que estendeu a prisão provisória por até dois anos. Este decreto permite que o Procurador-Geral prepare julgamentos em massa e facilita a capacidade do Estado de processar pessoas inocentes, bem como supostos membros de organizações criminosas. Cerca de 10 dias antes do decreto expirar, a Assembleia Legislativa aprovou uma reforma que estendeu esse período por mais dois anos. (https://tinyurl.com/3j7r5c2u). Assim, a maioria das pessoas presas sob o estado de emergência de Bukele está detida há mais de três anos, sem que nenhuma prova tenha sido apresentada contra elas, e podem permanecer detidas por mais dois anos. Isso, apesar das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, incluindo a restauração de direitos e garantias processuais suspensos (https://tinyurl.com/2s39dpxb). De acordo com Ingrid Escobar, da Assistência Jurídica, centenas de pessoas morreram sob custódia enquanto aguardavam uma audiência preliminar (https://tinyurl.com/3xs43jsu).

O objetivo de acabar com a violência de gangues criminosas no país estendeu-se à captura de qualquer indivíduo que pareça se opor ao regime de Bukele. Um caso notável, entre muitos, é o dos cinco defensores da água de Santa Marta, presos em 2022 sob acusações forjadas. Eles são ex-combatentes que se tornaram proeminentes defensores do meio ambiente e ajudaram a liderar a luta pela proibição da mineração de metais em El Salvador em 2017.

Em outubro de 2024, após uma longa campanha de defesa jurídica, um tribunal do distrito de Sensuntepeque declarou os cinco defensores da água inocentes (ver La Jornada, 21 de outubro de 2024). A decisão confirmou que o procurador-geral não havia apresentado provas de crime. No entanto, a sentença foi anulada um mês depois por um tribunal de apelações criminais, que ordenou um novo julgamento. Este processo continua adiado, e os defensores da água ainda aguardam a libertação definitiva.

Em um revés, em 24 de dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa, dominada pelo partido de Bukele, revogou a lei histórica que proibia a mineração de metais e a substituiu por uma nova lei que abre as portas para as mineradoras e confirma os verdadeiros motivos pelos quais os ambientalistas estão sendo perseguidos.

Andrés McKinley, especialista em recursos hídricos da Universidade da América Central e líder na luta pela proibição da mineração em El Salvador, escreve que o país “vive tempos confusos. Às vezes, parece que a realidade neste país está de cabeça para baixo. O que é injusto é chamado de “justo”; a defesa dos recursos naturais é vista pelo Ministério do Meio Ambiente como um obstáculo ao desenvolvimento; heróis nacionais têm sido acusados ​​e perseguidos. As novas gerações enfrentam a enorme incerteza de um horizonte distante (https://tinyurl.com/24y9tzbb)”.

No México, devemos defender a Declaração Franco-Mexicana de 1981 sobre El Salvador (https://tinyurl.com/4b79unhk) para a transição para a democracia, bem como respeitar os Acordos de Paz assinados em 1992 no Castelo de Chapultepec, que puseram fim a uma sangrenta guerra civil, agora pisoteada por Bukele (La Jornada 13/3/23).

*Instituto de Estudos Políticos (www.ipsdc.org)



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