
Fontes: Rebelião / Socialismo e Democracia [Imagem: Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal durante a sessão em que foram rejeitadas as "questões preliminares" apresentadas pelos golpistas militares em 20 de maio de 2025. Créditos: Rosinei Coutinho/STF]
Em um ato sem precedentes, um ex-presidente brasileiro está no banco dos réus, enfrentando julgamento por crimes graves contra a Constituição, incluindo tentativa de golpe de Estado e conspiração para abolir o Estado Democrático de Direito. Jair Bolsonaro, agora preso, está sendo acusado pelo Ministério Público Federal de ser o líder de uma organização criminosa armada que tentou subverter os resultados das eleições, dar um golpe de Estado e permanecer no poder apesar da derrota nas eleições de outubro de 2022. Além de Bolsonaro, outros sete réus acusados dos mesmos crimes aguardam absolvição ou condenação pelos membros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
Este julgamento é especialmente significativo em um país marcado por práticas autocráticas impostas desde os tempos da colonização. De fato, o Brasil tem sido, desde suas origens e desde a instauração da República, uma sociedade escravista, caracterizada pelo desrespeito às formas democráticas de convivência e, consequentemente, reconhecida pela existência de um tipo de dominação autoritária que tem consistentemente dificultado a representação e a participação dos setores populares e da classe trabalhadora nas principais decisões que dizem respeito a toda a nação.
Nesse sentido, a tentativa de golpe, que tem suas origens praticamente desde o momento em que Bolsonaro assumiu a presidência, foi reforçada pelos acampamentos montados em frente aos quartéis e pela subsequente invasão da Praça dos Três Poderes, exigindo a intervenção das Forças Armadas pela força. Isso criou um cenário que demonstrava uma democracia fragilizada, vulnerável a ser violada por uma escalada autocrática sem retorno. Portanto, o julgamento dos que planejaram esse golpe de Estado é relevante em termos de seus efeitos na superação da impunidade e na expansão da própria democracia. A maioria dos acusados é representante dos mais altos escalões da hierarquia militar (quatro do Exército e um da Marinha), e outros ocupavam cargos importantes na estrutura do governo de extrema direita anterior.
Depois de tudo o que aconteceu, continua perturbador ver como um agitador militar, expulso do Exército por uma série de atos ilícitos e depois transformado em um político irrelevante e caricatural do baixo clero, tornou-se líder da extrema direita com um discurso radical e primitivo que conquistou apoio popular com base na crise sistêmica do país. O próprio Bolsonaro sempre repetiu que era uma pessoa medíocre, sem uma ideologia relevante, embora tenha conseguido se tornar o representante da antipolítica e a antítese dos projetos de inclusão social e garantia dos direitos das minorias implementados pelos governos Lula e Dilma Rousseff.
Paradoxalmente, as políticas sociais e de inclusão implementadas por esse ciclo progressista de governos petistas (2003-2016) geraram sua contrapartida em um movimento reacionário, que fundiu visões ultraliberais na economia com uma perspectiva conservadora radical apoiada por diversas denominações do pujante pentecostalismo, por militares e policiais da ativa ou aposentados, e por fazendeiros e empresários extrativistas inescrupulosos que se refugiaram em uma administração que lhes permitiu praticar todo tipo de ilegalidade para aumentar seus lucros.
Para enfrentar esse ciclo de regressão, o julgamento dos golpistas é de importância decisiva para os rumos futuros da democracia brasileira. As condenações dos membros dos cinco grupos envolvidos no golpe — a começar pelo grupo crucial — devem expressar um veemente confronto com aqueles que conspiraram contra a República e enviar uma mensagem clara de que não haverá impunidade para aqueles que tentaram derrubar o Estado Democrático de Direito. Se esse julgamento acabar sendo leniente, vago e ineficaz, abrirá um precedente perigoso para futuras ações golpistas.
Em um país que vivenciou inúmeros golpes, ditaduras e intervenções militares ao longo de sua história, a sanção exemplar desta mais recente ameaça às instituições democráticas pode assumir uma dimensão educativa para os cidadãos, à medida que a sociedade se conscientizará de que aqueles que financiaram, organizaram e executaram as sedições que culminaram em 8 de janeiro de 2023 serão responsabilizados judicialmente por seus atos. Isso reforça a ideia de que a democracia não é meramente uma questão formal, mas que sua permanência e consolidação exigem responsabilidade compartilhada e mecanismos eficazes para punir aqueles que realizam atividades antidemocráticas. Isso deve isolar os grupos extremistas de extrema direita e permitir a reestruturação de uma centro-direita disposta a respeitar as regras do jogo democrático.
Por fim, o julgamento dos golpistas e as duras sentenças resultantes podem representar uma grande oportunidade para a democracia brasileira — apesar de suas limitações — demonstrar sua robustez e resiliência. Dessa forma, o país pode fechar as portas para novas aventuras sediciosas, tornando a tentativa de golpe inviável como prática política aceitável, tolerável ou banal.
Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo e Democracia , autor do livro De Dilma a Bolsonaro: Itinerário da Tragédia Sociopolítica Brasileira (RIL Publishing, 2021) e coeditor do livro EP Thompson no Chile: Solidariedade, História e Poesia de um Intelectual Militante (Ariadna Editions, 2024).

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