De refúgio seguro a risco de apreensão

Pagar proteção aos EUA: têm de pagar, ou então vamos fazer-lhes mal

Michael Hudson e Richard Wolff [*]
entrevistados por Nima Alkhorshid

Cartoon de Pyotr Kulinich.

NIMA ALKHORSHID: Olá a todos. Hoje é quinta-feira, 23 de outubro de 2025, e os nossos queridos amigos, Michael Hudson e Richard Wolff, estão de volta conosco. Bem-vindos de volta, Richard e Michael.

MICHAEL HUDSON: É bom estar aqui.

RICHARD WOLFF: Olá, estou feliz por estar aqui.

NIMA ALKHORSHID: Deixe-me começar com o que está a acontecer hoje na União Europeia. Eles estão a falar em apreender os ativos russos e enviá-los para a Ucrânia. A situação na Ucrânia está a tornar-se crítica na mente dos países que estão a tentar lidar com o domínio dos Estados Unidos, do dólar americano. A questão é esta: se os Estados Unidos e a UE podem congelar e confiscar as reservas de ouro e dólares da Rússia, quão segura está a riqueza de qualquer país sob o sistema financeiro ocidental? Vou começar por si, Michael.

MICHAEL HUDSON: Bem, é óbvio que outros países não se sentem seguros. É por isso que estão a comprar ouro. Acho que o aumento dos preços do ouro e das reservas de ouro dos bancos centrais reflete a incapacidade, até agora, da Maioria Global — China, Rússia, outros países — de criar um veículo alternativo para manter as suas poupanças internacionais em Londres ou em Nova Iorque — em ativos do banco central emprestados aos bancos centrais da Inglaterra e da América, investindo em títulos do Tesouro dos EUA sob o padrão do dólar, investindo em moedas europeias. Quando tudo isso pode ser apreendido, de repente, não há mais um local seguro para outros países manterem as suas reservas internacionais.

No passado, eles mantinham-nas em Nova Iorque, em parte — e o seu ouro em Londres — porque era lá que ficavam os mercados de câmbio. E o objetivo de manter reservas internacionais, desde a Segunda Guerra Mundial, tem sido gerenciar a taxa de câmbio, para que se possa estabilizá-la por meio de empréstimos e financiamentos. E outros países, sob as regras que os Estados Unidos estabeleceram em 1944, que criaram o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, estavam ligados — toda essa intervenção nos mercados monetários mundiais — ao dólar, porque esse era o mercado naquela época. Era onde eles tinham que operar.

Bem, de repente, essa sobrevivência residual, de 1945, tornou-se insegura e portanto obsoleta. Assim, pode-se dizer que todo o aumento nos preços do ouro significa que os países estão a tentar encontrar alguma maneira de evitar mantê-los naquela forma.

E o risco é duplo. Por um lado, a UE ainda está a discutir como transformar esses US$ 300 mil milhões que confiscou da Rússia, dando-os aos cleptocratas da Ucrânia em pagamento pela venda da sua população como um exército mercenário ao serviço da NATO.

Mas o dinheiro que os Estados Unidos deram à Ucrânia não é para a Ucrânia — não é para o povo — e sim para os cleptocratas. Estes disseram: estamos dispostos a lutar até ao último ucraniano. Estamos dispostos a tentar esgotar os recursos da Rússia enviando ucranianos para lá; e se o exército ucraniano tentar fugir e recuar, vamos atirar nas costas deles — é para isso que serve o Batalhão Azov. Portanto, todo este dinheiro foi, na verdade, não para a Ucrânia, mas para o grupo Lvov — o Batalhão Azov —, ou seja, para os neonazis que estão no poder na Ucrânia. E os ucranianos não têm esperança de fazer nada.

Bem, o problema não é apenas com os países estrangeiros que lidam com os bancos centrais e o governo dos Estados Unidos; é todo o sistema judicial internacional que irá — segundo a UE — garantir que nunca tenhamos de reembolsar esses US$ 300 mil milhões, porque vamos pedir milhões de milhões de dólares em reparações à Rússia pelo facto de ela defender a população de língua russa da Ucrânia — em Lugansk e Donetsk — e agora Odessa. Populações que disseram: Queremos fazer parte da Rússia.

E a defesa deles é na verdade um ataque:   nós, o Ocidente, temos permissão para atacar a Ucrânia e anunciar que os falantes de russo são sub-humanos. Podemos quebrar as regras do direito, atacando áreas de consumo, áreas civis; não nos concentramos de todo no exército, mas apenas tentamos destruir tudo o que é possível da Rússia. Mas depois vamos dizer que eles nos estão a atacar quando retaliam.

É como Israel acusar Gaza de atacar Israel quando revidam contra a guerra de oitenta anos contra os palestinos.

Enquanto o sistema financeiro ocidental for apoiado por um sistema judicial que, como o Fundo Monetário Internacional e a UE, atua como um braço da NATO, o resto do mundo tentará escapar; e a linha de menor resistência por enquanto é comprar ouro.

Bem, o problema com a compra de ouro, é claro, é que no passado os países investiam as suas reservas estrangeiras em ouro — a Venezuela investia as suas reservas em ouro e mantinha-as (como discutimos anteriormente) no Banco da [Inglaterra], a fim de poder usá-las como garantia quando pedia dinheiro emprestado para intervir no mercado cambial e tentar estabilizar a sua moeda. Era por isso que os países mantinham o seu ouro em Londres ou Nova Iorque, onde estavam os principais mercados cambiais internacionais.

Mas agora, eles não podem mais fazer isso. O Banco da Inglaterra confiscou o ouro da Venezuela e parece que os Estados Unidos confiscaram o ouro da Alemanha — e a Alemanha é uma aliada! Há alguns anos, a Alemanha pediu que as suas reservas de ouro fossem devolvidas de Nova Iorque — [do] porão do Fed em Nova Iorque — para a Alemanha, para a custódia do seu banco central. Os Estados Unidos disseram: Bem, sabe, este ouro é muito pesado. Vamos ter de arranjar aviões para isso — e isto foi a última notícia que tivemos (publicamente).

Repórteres e jornalistas alemães têm-me ligado para perguntar: Sabe alguma coisa sobre o que aconteceu com isso? Eles dizem-me que perguntaram aos políticos alemães acerca disso. Os políticos não respondem. Ninguém consegue descobrir se a Alemanha recuperou algum do seu ouro. E os Estados Unidos ainda têm a posse desse ouro, assim como a do resto do ouro da Europa.

Portanto, manter ouro só faz sentido se o mantivermos nos nossos próprios bancos centrais, onde a única forma de ele ser apreendido é a NATO invadir o nosso país, tomar o governo, esvaziar as nossas reservas de ouro e levá-las — como fizeram na Líbia e noutros países do Médio Oriente [NR]. O problema com que eles estão realmente a lidar — o problema do ouro — é: como vamos ultrapassar a ideia de que «o ouro não é uma alternativa [prática]»?

Bem, a outra linha de menor resistência de que se tem falado é a troca de moedas (currency swaps): vamos manter as moedas uns dos outros (entre a Maioria Global). O problema de manter as suas moedas é que elas sobem e descem. E se for uma nação credora, como os Estados Unidos eram para a Europa e o mundo em 1945 — e como a China é hoje para muitos dos países da Iniciativa Rota da Seda com os quais negocia — como vai lidar com o facto de que a moeda que detém desvaloriza-se?

A Rússia acumulou enormes reservas de rúpias indianas que se têm vindo desvalorizado. E nos últimos dias vimos a administração Trump ir à Argentina e dizer:   Sabemos que têm mantido relações muito intensas com a China, têm um acordo de swap cambial e devem-lhes muito dinheiro; mas estes 40 mil milhões de dólares que vos estamos a dar apoiam o peso durante tempo suficiente para que [Javier] Milei seja reeleito na próxima semana? Em troca disso, e para não vos abandonarmos, queremos que rompam todas as vossas relações com a China; que não honrem o swap cambial; que simplesmente digam:   bem, não vamos pagar-vos, China — o que é que fará a respeito?

Portanto, swaps cambiais por si mesmos não são uma solução. E uma divisa do BRICS também não é solução porque, para criar uma divisa comum entre os países do BRICS, seria necessário algo semelhante à criação de um banco central como os dos Estados Unidos, no qual todos os estados e políticos americanos estão conectados. No caso da UE, todos os países tiveram de criar uma união política porque, se cada um tivesse sua própria divisa, quem iria recebê-la? Como seria distribuída? E como os vários países iriam pagar?

Até que haja uma união política entre todos os países do BRICS — o que não está no horizonte, nem mesmo com muita imaginação —, será necessário voltar atrás e adotar a solução que John Maynard Keynes propôs em 1944, como alternativa aos planos dos EUA para um Fundo Monetário Internacional:   criar um novo banco central, um banco central coletivo, que irá gerir os créditos e as dívidas entre os seus países membros, a fim de denominar as suas divisas e swaps cambiais, para denominar esses créditos e dívidas monetárias num denominador comum baseado, basicamente, nos preços das suas exportações coletivas e nas relações entre si. Essa é a única solução lógica.

Descrevi o longo debate sobre isso no meu livro Super Imperialism. Foi necessária muita manobra política para que Keynes chegasse a essa conclusão. E, claro, os Estados Unidos disseram:   Não, não queremos que outros países criem qualquer meio de liquidação entre si. Qualquer liquidação de um país com outro país tem de passar por Washington e pelo dólar americano.

E quanto a outros países — a Grã-Bretanha foi a primeira a render-se. O resultado foi a perda do Império Britânico e das suas reservas monetárias. As suas colónias e países que usavam a libra foram todos transferidos para os Estados Unidos em 1950, a libra desvalorizou-se e a Grã-Bretanha começou a sua longa desindustrialização. O resto dos países europeus, uma vez que a Grã-Bretanha se rendeu — bem, não havia nada que pudessem fazer a não ser concordar com isso.

Agora, pela primeira vez, o mundo voltou a 1944-1945, para criar uma espécie de relação mútua entre bancos estrangeiros a fim de lidar com relações entre moedas que não são geridas pela NATO, pelos Estados Unidos e pela Guerra Fria. E quanto mais o ouro sobe, mais se percebe a incapacidade até agora dos outros países do mundo de abordar e resolver este problema.

NIMA ALKHORSHID: Richard, entre na conversa.

RICHARD WOLFF: Sim, deixe-me por isto em contexto, mas também assustá-lo. A mesma lógica que leva os europeus a olharem alegremente para os US$ 300 mil milhões como um meio de fazer parecer junto aos seus próprios povos que o erro terrível cometido ao entrar numa guerra como esta — os enormes prejuizos que a guerra causou à sua economia — a fim de aparentar que agora será pago por outro — o que é realmente do que se trata. Contudo, não é dinheiro suficiente para mudar o panorama básico do que está em cursor. Os 300 mil milhões soam como uma quantia enorme e é um grande montante de dinheiro, mas não é suficiente para alterar a situação básica.

Número dois: deixe-me assustá-lo. A China tem (da última vez que verifiquei) US$ 750 mil milhões em títulos do Tesouro (Treasury bills) dos EUA. O que impede os Estados Unidos de lhes dizer que agora isso é papel higiênico? Não vamos pagar os juros, não vamos pagar o principal e, doravante, vamos negociar com o resto do mundo. Quando precisarmos de empréstimos para o governo americano, vamos pedir empréstimos ao resto do mundo — fim da conversa. Ou vamos fazer isso pela metade dos US$ 750 mil milhões. O que os impediria? Sabem, isso é loucura.

Eis aquilo a que estamos a assistir:   assistimos ao fim do império. Este é o tipo de coisa que acontece quando um império já não consegue funcionar. Os Estados Unidos enfrentam uma contradição fundamental:   não podem manter os acordos mundiais do período pós-45; combater a Rússia e a China; envolver-se numa guerra na Ucrânia e preparar-se para tomar o petróleo da Venezuela — não pode fazer isso. Esse é o problema. Não quer admitir que não pode fazer isso, então está a inventar coisas malucas, coisas que não fazem sentido, a não ser como o fim de um império.

Então, uma dela é: vamos tirar — a propósito, se bem entendi, eles já tiraram os rendimentos dos juros dos 300 mil milhões de dólares e usaram-nos para a guerra na Ucrânia. Claramente, essa grande jogada não mudou nada. E agora, eles querem tirar o principal. Claro que querem. Sabem, é o mesmo jogo. E o que é que isso faz? Tudo o que o Michael acabou de dizer e mais uma dúzia de coisas.

Agora todos estão a pensar onde guardar o seu dinheiro, porque o império, o imperador, já não está em posição de o fazer. Os Estados Unidos diziam ao mundo:   podem guardar o vosso dinheiro aqui, porque somos o lugar mais seguro para guardar qualquer tipo de riqueza. Somos os que menos tributamos. Somos os que menos o ameaçaremos. Nem sequer temos um partido socialista ou comunista digno desse nome, em termos de poder político; por isso, não precisam de se preocupar com isso. Temos uma força de trabalho dócil e desorganizada. Sabem, oferecemos-vos condições maravilhosas. Portanto, por favor, traga uma boa parte da sua riqueza para cá — o que nos concede ainda mais poder de império para lhes dar garantias. Na verdade, ao colocar a sua riqueza aqui, está a financiar a nossa capacidade de garantir essa riqueza.

É isso que é um império. É isso que um império faz. Foi isso que os britânicos fizeram no século passado. E agora já não o podem fazer.

Deixe-me dar-lhes outro sinal. Estamos agora a executar pessoas em barcos em ambos os lados do hemisfério ocidental. Fizemos isso durante algum tempo nas Caraíbas com os venezuelanos e os povos caribenhos. E, agora, soube nos últimos dois dias, fomos para o lado do Oceano Pacífico e fizemos isso novamente. Não prendemos essas pessoas — nenhum julgamento, nem júri, nem advogados, nem nada. Execução sumária — em nome de quê? De uma guerra às drogas?

Amigos, os Estados Unidos têm uma guerra oficial contra as drogas há pelo menos setenta e cinco anos. Ela se mostra incapaz de detê-las. É possível obter todas essas drogas em qualquer lugar dos Estados Unidos — nas cidades, no campo, no leste, no oeste, no norte e no sul. Não somos capazes de travá-la.

Matar pessoas sumariamente é algo absurdo para quem defende os valores da lei e da ordem e, se me permitem dizer, uma ordem internacional baseada em regras. Que regra é essa, exatamente? Matar pessoas em barcos?

Se se prende uma pessoa por tráfico de drogas dentro dos Estados Unidos, não se mata. Mesmo que seja considerada culpada, não se mata. Não matamos ninguém no tráfico de drogas por esse crime, desde que há memória.

Ok, então estes são sinais de um império que já não pode funcionar. É claro que as pessoas estão a correr para o ouro. É uma daquelas coisas que — e não acredito que seja correto, mas isso é outra questão — mas é algo que as pessoas acham mais seguro do que as outras alternativas. Bem, o que espero é que as pessoas se concentrem não em se é mais seguro ou não — na minha opinião, não é —, mas que podemos discordar. O importante é que elas estão a fugir do que é agora, claramente — mesmo que não ousem dizer isso —, uma ruptura no comportamento de um império.

Para os europeus — veja, eles até tiveram um debate entre si sobre isso. Os seus juristas estão a dizer-lhes:   vocês estão a dar um passo incrível aqui. Têm a certeza de que não prejudicará a Europa ter sido ela a fazê-lo? Porque em qualquer lugar onde esteja a sua riqueza, se forem os europeus a fazê-lo, então é na Europa que se vai ter a certeza de não manter a sua riqueza. E isto num momento num momento em que as economias europeias estão em sérias dificuldades — sobretudo as britânicos, franceses e alemãs, as três principais nessa parte do mundo.

Querem realmente, agora, prejudicar a vossa posição como um lugar para guardar riqueza, o lugar onde a riqueza tem sido guardada de forma desproporcional nos últimos 500 anos? Isso é bizarro. Isto é o fim do Império Ocidental.

Último ponto, antes de retornar ao Michael. Parte da razão pela qual os BRICS não desenvolveram a sua própria divisa, a sua própria capacidade — o que, aliás, todos estes desenvolvimentos os levarão a fazer, e a tornar a fazer, mais cedo ou mais tarde. Uma das razões pelas quais eles não o fizeram é importante nos debates internos da China: O crescimento espetacular da China nos últimos 35 anos dependia em parte do império do dólar. Foi nesse contexto que os chineses encontraram uma maneira de crescer mais rápido do que os Estados Unidos; de se tornarem o núcleo manufatureiro da economia mundial. Portanto, eles estão certos em se preocupar — não façam a transição antes de terem certeza absoluta de que os benefícios de fazê-lo superarão os custos inevitáveis de não ter aquilo que funcionou tão bem para vocês. Há uma piada que circula na China sobre não romper com os Estados Unidos enquanto eles estão a fazer coisas muito úteis para os chineses:   ter o sistema SWIFT, ter o dólar como moeda universal, mesmo que em menor grau do que agora.

Por outras palavras, é a velha dialética, e devemos ter cuidado para não ficarmos presos em nenhum dos lados. Deixe-me explicar rapidamente, depois vou parar.

Do lado dos Estados Unidos, há o seguinte argumento: a China só é uma superpotência porque trouxe capitalistas privados há trinta anos. Após a morte de Mao e o fim da Revolução Cultural, houve uma mudança, e entraram capitalistas privados estrangeiros — japoneses, europeus, americanos — e, em seguida, a permissão para os próprios chineses.

Portanto, esse é um lado da dialética. Isso aconteceu — sem dúvida — e foi muito importante para o crescimento chinês, mas, ao mesmo tempo, o governo chinês manteve a posição dominante absoluta na economia chinesa. O governo fez isso, e o Partido Comunista dentro do governo manteve o seu poder. E isso é uma parte igualmente importante do crescimento e do êxito da economia chinesa. Caso contrário, não se pode explicar por que razão a China se saiu tão melhor do que qualquer outro país do sul global sob o regime do império americano.

Muito bem, então a dialética é a interação entre o setor público e o setor privado. A razão pela qual eles superam os Estados Unidos é que os Estados Unidos não compreendem a dialética e estão tão presos à sua própria ideologia que impedem o governo de fazer tudo o que precisa que o governo faça. Os chineses não têm esse problema, e os americanos não conseguem ver isso.

Portanto, o processo dialético mudou. Está a custar caro ao Ocidente, todos os dias. A guerra na Ucrânia é uma metáfora maravilhosa, apesar de tudo. Todas as escaladas, incluindo as novas sanções às empresas petrolíferas anunciadas nas últimas 24 horas — como o F-16, como o tanque Abrams, como os vários mísseis (como o sistema Patriot, como o HIMARS) — todas elas — não funcionaram. É por isso que há uma escalada a cada passo.

E se eu fosse uma pessoa que apostasse (não sou, mas se fosse), apostaria que tudo isso, com as sanções às empresas petrolíferas, são apenas maneiras do Sr. Trump reduzir as suas perdas. A Ucrânia está a afundar-se e haverá — já há — uma enorme troca de acusações entre europeus e americanos. Quem é o culpado? E então, sim, claro, vamos sancionar isso, claro. Os Estados Unidos fizeram a sua parte. Não somos nós. Nós fizemos a nossa parte. Foram vocês, europeus. E os europeus dirão exatamente o contrário. E esse jogo de acusações será mais um sinal de um império em dissolução.

MICHAEL HUDSON: Nima, tudo bem se eu voltar ao tema monetário? Finanças internacionais?

NIMA ALKHORSHID: Pode prosseguir, Michael.

MICHAEL HUDSON: No entanto, apesar de tudo isso, o dólar americano tem subido. É certamente visto como um porto seguro para qualquer pessoa. E porquê? Como é que o dólar americano pode estar a subir, enquanto outros bancos centrais estão a sair? Obviamente, é dinheiro do setor privado, e isso significa a criação de novo crédito. Investidores privados estão a transferir o seu dinheiro para o dólar.

Bem, essa é exatamente a estratégia que os Estados Unidos — muito além de Trump — tentaram implementar. É a estratégia entre Trump dizer: o Japão tem de nos pagar US$ 350 mil milhões, ou vamos destruir a economia deles, bloqueando o comércio com os Estados Unidos; a Coreia tem de nos pagar US$ 350 mil milhões, ou vamos bloquear as exportações coreanas de automóveis, computadores, aço e outros produtos para os Estados Unidos.

Assim, os Estados Unidos tentaram tornar-se um porto seguro, apesar de todos os problemas que temos discutido — por que é inseguro para os bancos centrais manterem as suas reservas aqui. Mas os Estados Unidos têm o poder de tornar-se um porto seguro, na medida em que podem destruir as economias de outros países, bloqueando o seu comércio com os Estados Unidos.

Mas há outra razão. Há uma razão mais positiva. E é isso que acho que realmente devemos discutir no tempo que nos resta. O dinheiro tem entrado nos Estados Unidos porque tivemos uma enorme bolha imobiliária. Um esquema Ponzi virtualmentei financiado, em primeiro lugar, pelas baixas taxas de juro — o Federal Reserve fornece aos bancos juros baixos para emprestar aos seus clientes para gastos.

Bem, para quem os bancos centrais e os bancos comerciais emprestam? Eles não emprestam para bens e serviços. Eles não emprestam para as pessoas comprarem bens de consumo. E assim, o efeito do crédito do banco central não é sobre os preços das commodities. Eles emprestam para a compra de ativos já existentes como colateral. É assim que os bancos têm operado nos últimos mil anos. Oitenta por cento dos empréstimos bancários, como já dissemos antes, são para imóveis — e o efeito desses empréstimos bancários é aumentar os preços dos mesmos.

Mais recentemente, os bancos emprestaram uma quantia enorme de dinheiro, juntamente com as políticas do governo Trump para criar uma enorme bolha no mercado de ações — bem, Trump foi até os chefes do Vale do Silício e os maiores monopólios da América e disse: Quero construir uma ala leste da Casa Branca que custará mil milhões de dólares. Quero torná-la maior do que a Casa Branca e colocar nela o «Salão de Baile de Trump», para que as pessoas olhem para mim e para o meu nome, em vez de para a Casa Branca. Isso vai custar talvez 250 mil milhões de dólares. Quero que cada um de vocês me dê 25 mil milhões de dólares. E, em troca, prometo que não vou impor leis antimonopólio contra o Vale do Silício, a indústria petrolífera ou todos os outros monopólios. E prometo reduzir os vossos impostos, de modo que só vou tributar o trabalho, a indústria, a agricultura — mas não vocês, os financeiros.

E, claro, eles concordaram. Assim, Trump conseguiu, para obter o dinheiro que queria, fazer com que outras pessoas contribuíssem para a sua campanha política, comprassem a sua criptomoeda, ganhassem milhares de milhões de dólares para si próprios — e, bem, vocês podem contribuir para a minha campanha comprando a minha criptomoeda, e isso vai impulsioná-la; podem contribuir para o meu salão de baile, para tornar o meu nome imortal.

E o resultado é que ele fez o acordo de criar e permitir uma enorme inflação de preços. Ele impôs tarifas sobre as importações estrangeiras para que isso criasse uma proteção de preços para os produtores americanos de bens semelhantes, para dizer: aumentem os preços internos o quanto quiserem e culpem as tarifas; e digam, bem, esse é o preço na margem, e a margem é o que importamos.

Assim, temos essa enorme bolha no mercado de ações. É um esquema Ponzi, porque um esquema Ponzi é quando se tem a economia a pedir tanto dinheiro emprestado — para tentar equilibrar as contas, se você for um assalariado — ou para manter as suas dívidas em dia, se for um gestor financeiro corporativo.

Há muitos proprietários de imóveis que, de repente, estão a descobrir, como resultado do aquecimento global e do mau tempo, que há inundações massivas. E o seguro que têm de pagar pelas suas casas aumentou tanto que não conseguem pagar a hipoteca, os custos de vida e este seguro cada vez mais caro. Então, de repente, as suas casas — em Miami e em toda a Flórida, e nos estados ocidentais que são áreas de furacões e tornados — de repente, tornaram-se indisponíveis.

Bem, os bancos foram ter com eles e disseram: «Bem, não queremos que percam a vossa casa. É claro que querem continuar a viver lá. Façam um empréstimo com garantia hipotecária — e os bancos emprestarão o dinheiro — o empréstimo com garantia hipotecária — para que as famílias possam, em vez de pagar a hipoteca, simplesmente continuar a adicionar empréstimos pessoais com garantia hipotecária à hipoteca. Podem penhorar e levantar os seus fundos de poupança-reforma.

Todo esse dinheiro vai aumentar os preços dos ativos. Portanto, a inflação real que os Estados Unidos tiveram, que estabilizou o dólar, não é a inflação dos preços ao consumidor de que as pessoas falam — é a inflação dos preços dos ativos para ações, obrigações e imóveis.

E muitos dos bancos que hoje emprestam a compradores de automóveis — vocês estão a ter taxas de incumprimento de empréstimos para automóveis a subir muito; taxas de incumprimento em imóveis, a subir muito. Bem, os bancos que estão fortemente expostos a essas áreas, disseram: Bem, ganhamos tanto dinheiro com empréstimos para automóveis de alto preço e empréstimos de alto risco, que decidimos fazer empréstimos para quem pagar os juros mais altos — e as pessoas que pagam os juros mais altos são as mais desesperadas.

E o resultado é que agora esses bancos estão insolventes — assim como em 2009, a maioria dos grandes bancos de Wall Street e as instituições financeiras sistemicamente importantes estavam insolventes. Eles estavam com património líquido negativo: as dívidas que tinham para com os seus depositantes e contrapartes eram superiores ao valor dos seus ativos.

Bem, esse é o perigo em que os Estados Unidos vão cair hoje. E é por isso que tantos investidores profissionais — certamente aqueles que conheço — pensam que não podemos explicar por que o mercado de ações está a subir. Há lucros mais elevados — tudo isso é verdade — mas toda a economia está a ser esvaziada pela dívida.

Toda criação de dinheiro é criação de dívida, porque é criação de crédito. O dinheiro é uma forma de crédito. E a questão é: se o crédito é usado para ajudar as pessoas a pagar as suas dívidas ou para se endividarem para comprar ações, títulos e imóveis que acreditam que vão valorizar, então, em algum momento, toda essa dívida se torna cada vez mais frágil e tem de entrar em colapso — e é isso que Hyman Minsky chamou de fase «Ponzi» do ciclo de instabilidade financeira.

E os EUA estão a lidar com a sua instabilidade financeira e a dependência (sobre a qual falámos nos últimos 45 minutos) essencialmente criando um esquema Ponzi que também entrará em colapso.

Portanto, a insegurança dos ativos dos bancos centrais, dos seus dólares em títulos do Tesouro dos EUA, não é nada comparada à insegurança dos investidores privados — investidores estrangeiros e também investidores nacionais — que decidiram tentar participar no mercado de ações. Bem, não se sabe quando isso vai parar. A única maneira de saber quando uma bolha vai parar é quando ela começa a esvaziar.

E o mercado de ações e obrigações dos EUA tem sido impulsionado, acima de tudo, por pequenos investidores americanos nacionais, não por grandes investidores institucionais — eles venderam tudo e estão a migrar para títulos do Tesouro de longo prazo, de 10 a 30 anos, não de curto prazo. Eles querem garantir os ganhos enquanto podem.

São os pequenos investidores que têm feito isso, porque de certo modo imaginam — eles não acreditam — que haja um boom, até que ele esteja quase no fim. E também os investidores canadianos. Fiz um estudo para ver o investimento estrangeiro nos mercados de ações e obrigações. Os investidores canadianos não gostam de comprar ações até que elas atinjam o pico. Eles pensam: tudo bem, agora vemos a tendência, agora vamos comprar. Então, o preço cai muito e, finalmente — quando chega perto do fundo do poço — eles dizem: tudo bem, vamos vender, parece que é uma tendência — e então o preço começa a subir novamente. Bem, isso é o que fazem os pequenos investidores na América.

Portanto, a economia americana está a ficar tão exposta a toda essa instabilidade quanto as economias estrangeiras. Então, o resultado é — acho que já usámos a palavra «desespero» antes — é que os Estados Unidos estão a se debater. E parece que, se houver uma reunião entre Trump e a China, a China vai dizer: «Sabe, talvez devêssemos simplesmente seguir o nosso próprio caminho». Sim, vão impedir outros países, proibir as exportações entre países que não utilizem a linguagem informática americana, a eletrónica americana, como base para isso.

Bem, isso levará outros países a dizerem: «Bem, acho que perdemos o mercado dos EUA. Acho que perdemos o mercado dos satélites americanos na Europa. Acho que precisaremos ter uma nova linguagem informática para poder comercializar com o mercado em crescimento do mundo — a China e o resto da Ásia. E assim, essas novas sanções que a equipa de Trump vem descrevendo nos últimos dois dias levarão outros países a uma ruptura total com os Estados Unidos.

Bem, se houver uma ruptura nos Estados Unidos, não será apenas uma ruptura no comércio americano, será uma ruptura nos investimentos mútuos, nos empréstimos e créditos que eles têm uns com os outros. Cada país ficará com o que tiver. Será uma folha em branco. Ninguém vai pagar nenhuma das dívidas uns aos outros. É tudo uma disputa — a China vai disputar os investimentos americanos lá; os Estados Unidos vão disputar os investimentos da China e da Rússia aqui.

É para isso que a administração Trump está a caminhar, porque realmente acredita que outros países não podem se dar ao luxo de perder o mercado americano. No entanto, se o mercado americano está a entrar em colapso, porque está tão endividado e financeirizado, então por que razão os outros países se preocupariam em perder o mercado americano, se o preço de mantê-lo é perder o mercado chinês, asiático e da maioria global?

Essa é a grande escolha que têm de fazer. E pode imaginar que a escolha deles não é aquela que os defensores do «America first» imaginam, no seu narcisismo coletivo, de que outros países não podem sobreviver sem a liderança e o controlo dos Estados Unidos, ao preço de absorver todo o seu excedente internacional — para nós, americanos — em vez de para eles. Esse é o ponto cego desta política americana autodestrutiva que, como Richard disse no final, está a catalisar outros países a criarem a sua própria alternativa, como uma questão de vida ou morte económica.

NIMA ALKHORSHID: Richard, notícia de última hora. O Wall Street Journal relata que o presidente Trump perdoou Changpeng Zhou, o fundador condenado da bolsa de criptomoedas Binance. A decisão segue-se a meses de esforços deste indivíduo para apoiar a empresa de criptomoedas da família Trump. E ele foi perdoado por Donald Trump.

RICHARD WOLFF: Sim, essa parte, não tem fim — e para mim, a propósito, isso é outro sinal de um império em declínio — o seu imperador (seja ele quem for) a cuidar do seu primo e do seu tio; é o rei francês famoso pela frase «après moi, le déluge» — «depois de mim, o dilúvio»:   está tudo acabado, e vou agarrar o máximo que puder, antes que chegue a inundação e arraste tudo embora.

Mas quero retomar ao último ponto que Michael mencionou. Ele nos lembra que o Japão e a Coreia do Sul foram informados de que precisam investir US$ 350 mil milhões. Ursula von der Leyen foi informada de que os europeus precisam comprar o dobro disso em energia dos EUA nos próximos anos e investir US$ 700 mil milhões nos Estados Unidos.

Bem, tenho novidades. Se os europeus estão dispostos a tirar o dinheiro da Europa, posso garantir que, antes de afundarem, eles vão recorrer aos Estados Unidos, seja o Trump presidente ou não, e dizer: «Vai ser um dia frio no inferno antes de vocês verem esse dinheiro. Vocês fizeram uma exigência e nós dissemos que lhes daríamos. Mas o mundo mudou. Sabem, tal como dissemos aos russos que era seguro manter o seu dinheiro em Londres ou na Europa Ocidental, bem, as condições mudaram.

É disso que estamos a falar. Todas as apostas estão canceladas.

Há uma pequena correção. O dólar não subiu. Se olharmos para o dólar, desde que o Sr. Trump se tornou presidente (em janeiro) até hoje, ele está significativamente mais baixo em valor — pelo menos em relação ao euro e a várias outras moedas também. Acho que a análise do Michael está correta. Creio que a razão pela qual ele não caiu muito mais não é porque a riqueza não está a ser retirada dos Estados Unidos — ela está a ser retirada [só] para o ouro e outras coisas mais.

Mas acho que a razão é a segunda parte do que Michael disse: temos uma inflação clássica insustentável. E ele está certo. Não é a inflação de bens e serviços que eles mantiveram sob controlo; mas o preço de manter isso sob controlo é uma inflação descontrolada nos mercados de ativos e, acima de tudo, no mercado imobiliário e no mercado de ações.

As pessoas têm se saído muito bem no mercado de ações. As pessoas estão a ter muito êxito agora no mercado de ações. Essa é uma das razões pelas quais a classe dominante neste país — mesmo que não goste do que o Sr. Trump está a fazer — não fará nada a respeito, porque são eles que possuem as ações, e o seu extrato mensal está a dizer-lhes que é bom para eles. Pode ser um desastre em toda a parte, mas é bom para eles.

E quanto à massa popular? A massa popular está a ir numa direção diferente. Estão prestes a eleger um presidente da câmara socialista muçulmano para a cidade de Nova Iorque. Estão prestes a eleger Catherine Connolly na Irlanda como a nova presidente da Irlanda, cuja perspetiva e posições são bastante semelhantes às do Sr. [Zohran] Mamdani em Nova Iorque — às vezes até mesmo idênticas. Portanto, estão a acontecer coisas que vêm do movimento de baixo — o absurdo do governo francês, do qual o Sr. [Emmanuel] Macron já não é o verdadeiro líder; e o Sr. [Keir] Starmer, da mesma forma; e o Sr. [Friedrich] Merz, em breve. Estes são sinais de diminuição.

E a inflação nos mercados de ativos não é novidade. É um negócio muito antigo. É por isso que dizemos às pessoas que um crédito é bom se for usado para ser produtivo, para que produza a riqueza que pode justificar, retroativamente, a dívida. Consegue-se isso se pedir emprestado para produzir. Não se consegue isso se pedir emprestado para aumentar os preços dos ativos.

A piada então torna-se — e tivemos isso nos Estados Unidos, repetidamente, nos últimos cem anos:   tem-se uma onda de empréstimos. Isso faz subir o preço dos imóveis. À medida que o preço dos imóveis sobe, os proprietários dos imóveis voltam ao banco e dizem: tenho um terreno muito mais valioso aqui. Deixe-me pedir mais dinheiro emprestado, porque você tem a garantia. Claro, aqui está mais dinheiro — que é então usado para aumentar o preço. Entende? O empréstimo aumenta o valor da garantia, o que permite um empréstimo maior. Não há fim para isso até, bem, o quê?

Aquelas duas empresas de empréstimos para automóveis que faliram nas últimas duas ou três semanas? Repare, não apenas que elas faliram, mas as notícias imediatas — extraordinárias! Literalmente como o que aconteceu no início do colapso das hipotecas subprime em 2007-2008. Um debate imenso entre um pequeno grupo que diz: «Uh-oh, isto pode ser o início do colapso» — contra um exército de respondentes que dizem: «Não, não, não, desta vez é diferente».

É exatamente isso que temos todas as vezes. E, a propósito, às vezes um deles está certo, às vezes o outro está certo.

O importante é o que estamos a ver: qualquer um de uma dúzia de fenómenos pode acabar com isto.

Se os russos terminarem na Ucrânia — a batalha da cidade de Pokrovsk, que está agora em jogo, é basicamente o fim desta guerra — Odessa e Kiev são tudo o que resta para ser disputado, e é óbvio para onde isto vai.

Da mesma forma, é óbvio, para quem observa, que as sanções a estas duas empresas petrolíferas [Rosneft e Lukoil] são um ato simbólico. Não são reais, sabe. São um irritante. Se olharmos para o preço do petróleo, que deveria baixar — o preço do petróleo tem baixado desde o início da guerra na Ucrânia. Se olharmos para o preço global do petróleo no início de 2022 e olharmos para ele hoje, é uma linha que sobe e desce; mas basicamente desce, de cerca de 120 dólares por barril para cerca de 60 dólares. É uma redução tremenda — e isso não inibiu os russos, de forma alguma. Certo?

Portanto, temos sanções e uma redução global no preço do petróleo — o que deveria ter acabado com a Rússia, se acreditássemos nessa história desde o início —, mas isso nunca aconteceu. E essa pequena adição também não vai conseguir. A piada hoje — hoje — é que o preço do petróleo subiu dois, três dólares por barril, em vez de cair.

Sabe, é simplesmente extraordinário o modo como isto está a acontecer e a total cegueira do Ocidente em termos de compreensão da sua própria posição. Ninguém sabe quanto tempo levará para os BRICS e os chineses desenvolverem o seu próprio equivalente. Mas acho que, se tivesse de escolher a coisa mais importante que o Michael nos disse, seria o seu reconhecimento — conforme ele expôs a lógica do seu próprio argumento agora há pouco — de que o resultado final é os Estados Unidos construírem um muro à sua volta. É esse autoisolamento dos Estados Unidos que está em curso.

Vimos tarifas impostas, mas ainda não vimos retaliação. Isso está a caminho. E ninguém sabe o quão ruim isso será. E tudo isso — o Sr. Trump está ocupado, tentando desesperadamente manter, por exemplo, o governo Milei na Argentina:   dando-lhe US$ 20 a US$ 40 mil milhões (dependendo de como se conta) para manter a moeda deles funcionando; retirando a tarifa sobre a carne bovina deles, para que possam trazer carne barata para o país; assustando os criadores de gado em vários estados, sem os quais ele não pode mais ser presidente.

Ele tem de prejudicar os criadores de gado deste país, trazendo carne bovina barata. Porquê? Para manter um dos poucos governos que o apoia. Isso é impossível.

E há uma boa chance — o Sr. Milei, tendo recebido esse suborno total — de que o povo do país seja informado de que deve votar nele ou perderá todos esses benefícios — Então, falando em interferir nas eleições de outras pessoas! Lembram-se? Aquilo era o Russiagate, que nos deixou muito chateados? Aquilo não era nada, comparado a — você compra todo o país aqui, abertamente, publicamente, com uma ameaça: Não recebem o dinheiro, não recebem as exportações de carne bovina, a menos que consigamos a reeleição deste candidato em particular, que, segundo as pesquisas na Argentina, é como o Sr. Macron e o Sr. Starmer: odiado; não amado, exceto pela extrema direita de lá, que é pequena demais para mantê-lo no poder. Então, para mim, novamente, sinais de um império decrépito e desesperado com dificuldade para se manter.

MICHAEL HUDSON: Quero abordar apenas dois tópicos que Richard levantou: a Argentina e o petróleo.

Obviamente, após as eleições, a Argentina não poderá pagar, não apenas os 40 mil milhões de dólares, mas todas as outras dívidas que contraiu com o Fundo Monetário Internacional. Milei provavelmente será destituído do poder, e o FMI dirá: só emprestamos dinheiro a ditadores apoiados pelos Estados Unidos. Não emprestamos dinheiro a grupos de esquerda que querem aumentar os padrões de vida. Só emprestamos aos nossos países clientes.

Portanto, a Argentina não pode pagar as dívidas. E o problema, que eu deveria ter mencionado antes, é que quase todos os países do sul global hoje também não podem. Eles não têm condições de pagar as dívidas. Se houver a ruptura que discutimos, os países do sul global não poderão pagar as dívidas em dólares estrangeiros que têm — não apenas com os EUA e instituições oficiais como o FMI, mas também com os detentores de títulos.

Haverá numerosos bancos que estarão muito expostos a essa ruptura de que estamos a falar. E a ruptura, na escala que discutimos, a ruptura do comércio internacional e dos pagamentos entre o Ocidente e a maioria global, também levará à falência de muitos bancos.

Além disso, Richard destacou, com toda a razão, o petróleo. Não mencionei que os países mais expostos de todos são a Arábia Saudita e os exportadores de petróleo do Médio Oriente. O acordo que eles fizeram em 1974 e 1975 — e eu estava na Casa Branca a assistir a esses acordos — era que eles podiam cobrar o que quisessem pelo seu petróleo, mas tinham de investir todos os seus ganhos com a exportação de petróleo nos mercados de ações e obrigações dos EUA — não comprando o controlo de empresas americanas, mas sim ações e obrigações.

Bem, todo esse dinheiro está tão exposto quanto o de outros países. E acho que essa é a explicação para a queda dos preços do petróleo. Os americanos pressionaram os países da OPEP: vocês devem reduzir os preços do petróleo porque queremos reduzir as receitas cambiais da Rússia, que vêm em grande parte das suas exportações de petróleo e gás.

Os americanos pensam na Rússia como um posto de gasolina com bombas atómicas, sem perceber que a Rússia agora exporta produtos agrícolas e todos os tipos de outros bens, além de petróleo e gás. Portanto, a Rússia tem-se saído muito bem. Está a crescer muito mais rapidamente do que o Ocidente.

Mas os EUA pressionaram a OPEP a fornecer uma quantidade tão grande de petróleo do Oriente Próximo que isso fez com que os preços caíssem. Isso foi feito principalmente para apoiar o controle americano sobre o Oriente Próximo.

Tudo isso também será questionado. Toda a divisão política do mundo entre os países do Médio Oriente — literalmente no meio entre o Oriente e o Ocidente — estará em jogo — toda a instabilidade, toda a manobra diplomática entre a China, a Rússia e os países do BRICS, por um lado; e os Estados Unidos e os seus satélites europeus, por outro.

Tudo isso será suficiente para garantir uma grande audiência para o seu programa nos próximos dois anos, Nima.

NIMA ALKHORSHID: Sim. Muito obrigado. Richard, quer acrescentar alguma coisa antes de encerrarmos?

RICHARD WOLFF: Não. Não, quero pedir desculpas às pessoas: não quero insistir no mesmo assunto, com esse «desespero» e «império em declínio», mas também quero justificar o facto de continuar a voltar a isso porque é o contexto que muitas vezes falta nas discussões — para não nos perdermos nos pormenores. Por mais importantes que sejam os pormenores, precisamos de lembrar periodicamente a nós mesmos e ao nosso público como ver o quadro geral — caso contrário, seremos influenciados pela evolução de cada dia.

Sabe, você leva o presidente a sério quando ele diz que, ao perseguir a Lukoil e a Rosneft, fez isso — isso é realmente o que se costumava chamar de «fumaça e espelhos» — sabe, um jogo, uma performance — isso tem a ver apenas com o facto de que os europeus sabem que está tudo acabado na Ucrânia e que o seu programa de demonizar Putin como uma forma (mais ou menos) de lidar com essa perda não está a funcionar. Não está a reavivar a sua popularidade; não está a recuperar a sua economia; não está a arrancar mais apoio dos Estados Unidos — nada disso. Absolutamente nada disso.

E, por isso, estão desesperados. Não sabem bem para onde se virar. E acredite em mim, há pessoas — tem de haver — talvez eu esteja errado, o Michael sabe mais sobre isto do que eu — mas deve haver pessoas na Casa Branca com conhecimentos suficientes de história económica para poderem dizer ao Sr. Trump e aos seus conselheiros quais são os riscos de um mercado de ações.

Até a imprensa financeira está cheia de artigos — hoje, ontem, na semana passada — questionando se o mercado de ações supervalorizado vai explodir a qualquer momento. Não são apenas os de esquerda, como o Michael e eu. As pessoas devem entender que essa é uma ansiedade generalizada. Quando dizemos que as pessoas estão a correr para o ouro em busca de segurança, é isso que está a acontecer: elas estão a abandonar o mercado de ações — ainda não o suficiente para compensar o aumento inerente dos empréstimos e a inflação dos ativos.

E a inflação que não se vê no supermercado é vê-se no mercado de ações. E cuidado, se ela parar no mercado de ações, pode realmente disparar no mercado de bens. Então, como ficará a massa de americanos?

NIMA ALKHORSHID: Já que mencionou a situação com a Casa Branca, Richard, antes de encerrar, aqui está a situação com a Casa Branca de Trump. Eis o que ele disse sobre a Índia:

REPÓRTER (RECORTE): E, como sabe, o senhor até mencionou isso numa recente chamada telefónica com o primeiro-ministro [Narendra] Modi, e que Modi tinha dito que o seu país iria parar de comprar petróleo russo. Mas a Índia disse que não tinha conhecimento disso.

DONALD TRUMP (RECORTE): Bem, então eles vão continuar a pagar muitas tarifas. Se disseram isso, mas não acredito que tenham dito. Não, falei com o primeiro-ministro Modi, da Índia, e ele disse que não vai fazer isso com o petróleo russo.

REPÓRTER (RECORTE): Bem, por que razão a Índia diria que não vai fazer isso?

DONALD TRUMP (RECORTE): Não sei. Mas se eles querem dizer isso, então vão continuar a pagar tarifas enormes. E eles não querem fazer isso.

NIMA ALKHORSHID: O tipo inventa coisas. [Risos] Como é que se pode imaginar isso?

RICHARD WOLFF: Sim, e ele vai ameaçar o mundo inteiro com tarifas. É a resposta dele, na metade das vezes, e com os seus assistentes, é a resposta o tempo todo. Sabe, isso lembra-me uma imagem famosa. São dois homens de sobretudo, entrando numa lavandaria em alguma área urbana dos Estados Unidos e explicando ao pequeno proprietário da lavandaria:   Estamos aqui para recolher a nossa taxa de proteção semanal de US$ 200. E o pequeno proprietário vira-se para eles e diz: Do que estão a falar? De que preciso proteção? E os dois sorriem e dizem a ele: Você precisa — de nós. Tem de pagar para que não lhe façamos mal.

É realmente o que Michael disse um pouco antes: tem de pagar, ou então vamos fazer-lhe mal.

A Goldman Sachs divulgou na semana passada a sua estimativa de quais são as tarifas reais que foram cobradas (até agora) no regime de Trump, e que parte delas foi absorvida pelas empresas, que parte foi repassada aos consumidores e que parte prejudicou os exportadores originais. Aqui vamos nós. Prontos? Os exportadores perderam menos de 10% — ou seja, apenas 10% do peso das tarifas recaiu efetivamente sobre o país exportador; 61% recaiu (se bem me lembro dos números) sobre as empresas americanas; e o restante sobre os consumidores americanos.

Portanto, as empresas americanas e os consumidores americanos foram atingidos pelas tarifas. O resto do mundo, nem tanto. Nem de longe tanto assim. E isso antes — como o pessoal da Goldman aponta, corretamente — antes de recebermos a retaliação que está a ser planeada, debatida e, hesitantemente, apresentada no resto do mundo. Nesse ponto, o equilíbrio mudará.

E tudo o que eles podem discutir entre si na Goldman é: o que é pior para a economia americana? O prejuízo para os lucros das empresas ou o prejuízo para o bolso dos consumidores? Que situação, ao analisar o efeito da «libertação», como o Sr. Trump chamou.

NIMA ALKHORSHID: Muito obrigadO, Richard e Michael. Foi um grande prazer, como sempre.

[NR] E na Ucrânia também. Em 7/Março/2014 os EUA retiraram por avião 40 toneladas de ouro das reservas do Banco Central da Ucrânia.

28/Outubro/2025

Vídeo desta entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=CCCwfcVzWHc

[*] Economistas.

O original encontra-se em michael-hudson.com/2025/10/from-safe-haven-to-seizure-risk

Esta entrevista encontra-se em resistir.info




Comentários