
A derrota esmagadora do presidente nas recentes eleições é um choque que abala tudo. Ela confirma a oposição do país às políticas neoliberais implementadas ao custo de uma deterioração catastrófica na saúde, educação, segurança e desemprego. No entanto, o governo não demonstra qualquer intenção de mudar de rumo.
Por outro lado, a unidade da reação cidadã com o voto "não" não se baseia em um programa específico, nem é garantida por uma organização nacional estruturada. Essas fragilidades representam os desafios que os partidos progressistas e as organizações sociais e de base devem enfrentar. Os partidos progressistas, bastante marginais tanto durante a greve de 31 dias quanto na campanha do "NÃO", precisam aprender que não têm força se não se apoiarem nas organizações sociais. Seguindo o exemplo da CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador), os partidos políticos devem ser o braço político das organizações de base, e não o contrário. Sem essa estreita relação, são meros partidos fantasmas que se vendem ao governo no poder, como estamos presenciando vergonhosamente agora.
O maior desafio para os equatorianos é perceber que, consciente ou inconscientemente, obedecemos a um sistema global perverso chamado capitalismo neoliberal. Os últimos três governos não passaram de dóceis fantoches desse sistema predatório: funcionários que seguem à risca as diretrizes do FMI (Fundo Monetário Internacional). O destino do atual presidente está atrelado ao cumprimento dos acordos impostos que ele se apressa em assinar por toda parte. Por isso, ele tenta desesperadamente aprovar leis e mudanças constitucionais que acabamos de rejeitar no referendo.
Os maiores vencedores nessa luta para obedecer aos ditames do FMI e do governo dos EUA, principalmente, são três. Primeiro, os membros do parlamento que recebem somas em dinheiro para mudar de partido e aprovar leis enviadas pelo poder executivo. Segundo, os militares e a polícia — bônus, aumentos salariais —, especialmente o alto comando. O terceiro beneficiário é a rede de grandes veículos de comunicação, controlada pelo governo, que são pagos para mentir, manipular, fabricar notícias, repetir informações falsas, incitar o ódio, contradizer a verdade e assim por diante.
Com essas denúncias e a rejeição do nosso maior inimigo comum, o capitalismo neoliberal, não podemos nos esquecer do nosso maior cúmplice. Fomos nós que elegemos e confirmamos os últimos três presidentes. Não destituímos Lenín Moreno quando ele nos traiu poucos dias após sua eleição; pelo contrário, o confirmamos em um referendo que desmantelou o sistema judiciário, as forças de segurança e os direitos trabalhistas e sociais, fortalecendo assim a corrupção, a sonegação fiscal, a fuga de capitais para paraísos fiscais, o desemprego, a lavagem de dinheiro do narcotráfico e a consequente violência, extorsão e assassinatos por encomenda. Recusamos-nos a enxergar a realidade ou as consequências.
Nossa cumplicidade com o neoliberalismo também se evidencia na nossa aquiescência às suas formas de nos impor como viver, como pensar, como agir, como coexistir… privilegiando o egoísmo, a passividade, o conformismo, a mentira e a corrupção. Muitas vezes, sem nos darmos conta, somos os arquitetos dos nossos próprios infortúnios no dia a dia. Por vezes, criticamos, mas as nossas palavras não passam de vento e ruído sem o compromisso com a mudança, com a união e a coesão, com a organização e a ação em consonância com as nossas críticas e protestos individuais… Se não agirmos coletivamente, tornamo-nos os próprios defensores daqueles que nos enganam e destroem. Em última análise, somos nós que nos destruímos a nós mesmos.
Após anos de sofrimento, greves e levantes, de mortes, feridos e prisões em manifestações… só agora percebemos o quão errados estávamos. Agora, não basta simplesmente perceber isso e ter apoiado maciçamente o voto "NÃO" no último referendo. Devemos fortalecer sistematicamente e de forma organizada nossa consciência, nossa união, nossa coordenação, nossa educação política e… nossa preparação para alcançar novas conquistas e novas vitórias. Essas conquistas e vitórias são frutos de nossas lutas constantes, porque direitos se perdem, conquistas se desvanecem e vitórias desaparecem se não as defendermos. A vida é uma luta permanente; caso contrário, tornamo-nos perpetuamente derrotados, amargos e inúteis: tornamo-nos um obstáculo.
Algumas palavras de Monsenhor Leonidas Proaño podem nos encorajar a manter vivas as chamas da luta e da dignidade, ajudando-nos a valorizar o que é nosso.
“Sonho com a possibilidade de uma nova sociedade… Vejo a necessidade de sensibilizar as organizações populares urbanas, vejo a necessidade de uma prática educativa e política que convirja para o caminho do movimento indígena, para que não haja competição, mas sim colaborações complementares.”
Continuação:
“Daqui, do nosso país, Equador, abramos também os nossos corações a outros irmãos e irmãs, a todos os povos da América Latina, porque todos somos chamados, nesta hora da história que estamos vivendo, a testemunhar uma nova sociedade, uma sociedade justa, uma sociedade humana, uma sociedade fraterna.”
Vamos ouvir todas as vozes e estender as mãos, determinados a construir, incansavelmente e juntos, o Equador que merecemos.
Pedro Pierre: sacerdote diocesano francês, acompanha as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) urbanas e rurais do Equador, país onde chegou em 1976.
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