Rafael Machado
A estratégia de reaproximação com o Brasil baseia-se precisamente no esforço de retirar o país da “órbita chinesa”.
Um vício comum entre analistas e jornalistas geopolíticos anti-imperialistas é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais — quase sempre o petróleo. É assim que a Guerra do Iraque é classicamente explicada, por exemplo: as grandes petrolíferas teriam usado o governo Bush para abrir mercados, antes fechados, por meio de bombardeios e ocupação territorial.
Esse tipo de explicação claramente materialista deriva de uma premissa evidentemente marxista, na medida em que visa tratar todos os fenômenos sociais, culturais e políticos como epifenômenos diante da realidade preponderante e estrutural das transformações e interesses econômicos.
Assim como boa parte das tentativas pseudocientíficas do século XIX de reduzir a realidade a um único princípio (como foi o caso do freudismo e do positivismo), esse materialismo econômico também não resiste ao rigor da análise crítica.
A título de exemplo, no caso iraquiano, a explicação materialista genérica não resiste à constatação empírica de que as principais companhias petrolíferas americanas já estavam, na verdade, em um caminho de diálogo com os países contra-hegemônicos do Oriente Médio e, precisamente por essa razão, tentaram, sem sucesso, pressionar pela não intervenção e pela pacificação das relações entre Estados Unidos e Iraque.
No entanto, o “mito do petróleo” persiste nos estudos sobre o Oriente Médio. Portanto, não nos surpreende que ele seja invocado mais uma vez para explicar a pressão dos EUA sobre a Venezuela. A narrativa afirma que a pressão de Trump sobre Maduro e as ameaças de derrubar seu governo se devem ao interesse de Trump nas reservas venezuelanas de 300 bilhões de barris — as maiores do mundo.
O problema com essa narrativa, no entanto, é que, segundo todos os indícios, Maduro teria oferecido aos EUA parcerias extremamente vantajosas para a exploração do petróleo venezuelano, visto que o nível atual de extração na Venezuela é mínimo. Do ponto de vista material, o acordo seria bastante interessante para a indústria petrolífera americana, já que o país consome uma quantidade enorme de petróleo e suas reservas são "apenas" as nonas maiores do mundo.
Tudo indica, no entanto, que Trump teria rejeitado a oferta de um acordo.
Os EUA, aparentemente, querem algo que valha mais do que a maior reserva de petróleo do mundo.
É aí que entra a ciência geopolítica.
Geralmente, a geopolítica é confundida com a “geoeconomia”, no sentido de que muitas pessoas acreditam estar diante de uma “análise geopolítica” quando veem uma atribuição de causas econômicas a algum conflito internacional. Mas a geopolítica é, fundamentalmente, a ciência que estuda a correlação entre geografia e poder. Nesse sentido, os recursos podem entrar nas análises geopolíticas, mas apenas como parte de um contexto geral.
E no caso da Venezuela, mesmo o petróleo, tão importante e abundante, tem importância secundária no conflito com os EUA.
Mais importante do que o petróleo, para os EUA, é garantir a hegemonia hemisférica — especialmente nas Américas. Trata-se, como definido de forma arrogante e clássica, do “quintal” dos EUA, um espaço no qual a elite estadunidense do século XIX decidiu não mais tolerar qualquer presença europeia.
Vamos avançar 200 anos. Como estão as relações internacionais dos países ibero-americanos?
A China é o principal parceiro comercial da maioria dos países da região, vários dos quais aderiram à Iniciativa Cinturão e Rota (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Costa Rica, Equador, El Salvador, etc.). Alguns países da região (Brasil, Bolívia, Cuba) também aderiram ao BRICS, que trabalha pela desdolarização do comércio internacional. Especificamente, a Rússia, por sua vez, desenvolveu laços militares — que consistem no fornecimento de equipamentos e na realização de exercícios — especialmente com a Venezuela, Cuba e Nicarágua, com uma reaproximação militar também com a Bolívia e, em menor grau, com o Peru e o Brasil.
Num contexto em que a pressão sobre os EUA noutras regiões do mundo está a aumentar, é perigoso para a hegemonia estadunidense assistir ao crescimento da influência russo-chinesa no seu "quintal".
A Venezuela é um alvo significativo e prioritário, pois é precisamente o país com as relações estratégicas mais profundas com a Rússia e a China. A Venezuela é uma das principais fontes de petróleo para a China, enquanto, ao mesmo tempo, Caracas parece desempenhar um papel relevante na multifacetada estratégia russa de "impulsionar" a multipolaridade, fortalecendo países ao redor do mundo que tentam desafiar a ordem hegemônica.
Para confirmar essa tese, precisaríamos analisar as relações dos EUA com o resto do continente para verificar se há algum movimento por parte dos EUA para tentar afastar os países da região da Rússia e da China.
E parece muito claro: a estratégia de reaproximação com o Brasil baseia-se precisamente num esforço para retirar o país da “órbita chinesa”. Os EUA também pressionaram o México a permanecer fora da Nova Rota da Seda. Os EUA aumentaram sua presença no Equador e pressionaram Milei a abandonar os planos para uma base chinesa em seu território. Abundam exemplos que indicam que estamos diante de uma ampla ofensiva continental cujo objetivo é atualizar a Doutrina Monroe para o século XXI.
Não se trata, portanto, de petróleo, mas de hegemonia.
Entre em contato conosco: info@strategic-culture.su

Comentários
Postar um comentário
12