Todos viram, ninguém parou para olhar.



O colapso do Banco Master revela um sistema que lucrou fingindo não ver — até a conta chegar.

André Vieira

O colapso do Banco Master abriu um rombo de mais de R$ 40 bilhões no Fundo Garantidor de Depósitos (FGC) do Brasil, mas o país ainda evita apontar a raiz do problema: todo o sistema financeiro foi leniente. O Banco Central sob Roberto Campos Neto foi leniente, o FGC foi leniente, os bancos foram lenientes, a imprensa financeira, concentrada em torno de Faria Lima, foi leniente — e até mesmo as plataformas que vendiam CDBs com CDI a 150% e continuam a comercializar produtos que pagam 200% ou mais, praticaram uma forma particularmente lucrativa de cegueira voluntária. A narrativa predominante invoca “CDBs garantidos pelo FGC”, “originação de carteiras de empréstimos” ou o “impasse com o Banco de Brasília”. Tudo verdade. Mas, em conjunto, essas explicações evitam a verdade maior: ninguém queria interromper o fluxo enquanto ele era lucrativo.

Febraban seguia a linha moral do setor: publicamente austero, alegando em privado ter “emitido alertas”. Mas alertas privados não são prestação de contas — são apenas uma cortina de fumaça. Agora que os bancos precisam repor o Fundo de Garantia de Crédito (FGC), a crítica discreta ao Banco Central de Campos Neto se assemelha ao lamento das instituições que toleraram excessos até que a tolerância se tornasse custosa. E mesmo assim, ainda existem limites. Uma parte significativa do sistema continua a ter Campos Neto em alta consideração, especialmente dentro do ecossistema de plataformas digitais (Nubank), onde ele é tratado como um patrono das fintechs e de sua agenda tributária. Criticar a leniência do Banco Central sem reconhecer esse núcleo de influência é, na prática, admitir a captura institucional que o setor aceita — e os envolvidos operam dentro dessa captura com total facilidade.

A dimensão filosófica é inevitável. O caso Master personifica o “paradoxo da tolerância” de Karl Popper em sua forma mais pragmática: as instituições toleram desvios enquanto lucram com eles — até que o desvio se torne grande demais para ser absorvido, e a surpresa se torne a postura oficial. É esse ambiente permissivo que agora eleva figuras como o “outsider” Daniel Vorcaro, capturando a atenção do público com seus jatos de longo alcance, festas extravagantes e propriedades extensas.

O episódio revela o verdadeiro limite da tolerância financeira no Brasil: amplo o suficiente para permitir distorções, estreito o bastante para punir a todos quando a narrativa desmorona. O silêncio público do Febraban, a preocupação tardia da FGC, as críticas calculadas ao Banco Central de Campos Neto, o alinhamento subserviente da imprensa de Faria Lima e a indulgência das plataformas de arrecadação e distribuição de fundos configuram uma admissão implícita. Todos viram. Todos toleraram. Todos lucraram — exceto os investidores desavisados ​​com exposição acima do limite da FGC, ou os servidores públicos cujas economias foram mal administradas por gestores de má-fé. Agora, a conta de mais de R$ 40 bilhões expõe o custo real dessa tolerância — um custo que, como sempre, poucos estão dispostos a reconhecer.

Chave: 61993185299


Comentários