Jane-do
Degeneração cerebral, pós-modernismo e os resquícios da realidade
No canal do Rabkor, me chamou a atenção o título de uma live de junho: "Degeneração Cerebral e Cultura Cinematográfica Pós-Moderna". Sem assinatura ou acesso ao vídeo, resolvi pegar o teclado e embarcar em um experimento de escrita pessoal. Mas não se enganem: o Rabkor tem a versão original e correta, e está esperando por vocês no canal. Esta tentativa, porém, parece uma fanfic fora do contexto, quase fingindo ser filosófica.
Para começar, devo dizer que a palavra "brainrot" (algo como "problema cerebral") entrou silenciosamente em nosso vocabulário e já se tornou bastante familiar. Primeiro, era usada para descrever vídeos sem sentido que rolam automaticamente na tela do celular; depois, imagens absurdas de animais deformados; e, por fim, qualquer meme em que o sentido não apenas está ausente, mas aparentemente é rejeitado deliberadamente. E assim, "brainrot" se tornou uma nova forma de entretenimento, ou talvez seja mais preciso dizer uma forma de existência no espaço midiático.
A decadência cerebral (assim como seu irmão mais novo, a IA descartável) absorve a atenção, mas não transforma a experiência, não cria significado, não reflete a realidade e se torna uma metáfora literal para a influência destrutiva do conteúdo digital humorístico/absurdo/sem sentido na atenção humana e no pensamento crítico.
É importante ressaltar que tais fenômenos já foram descritos como degradação, estupidez ou humor infantil, mas hoje em dia isso soa muito antiquado. Porque a meme moderna não finge ser "inferior" ou "pior"; pelo contrário, demonstra descaradamente sua própria falta de sentido como uma virtude. "Não significa nada" — esse é o novo conteúdo, e dessa forma incorpora o espírito da cultura pós-moderna, onde nenhuma declaração séria pode ser feita sem aspas, onde cada gesto não é apenas um gesto, mas também uma autorreferência.
A ironia é que as memes, como muitas coisas no mundo da mídia, rapidamente desenvolveram comunidades. Se você sabe o que é um Ballerina Cappuccino ou a diferença entre um Bombardiro Crocodilo e um Bombombini Gusini, você já faz parte do grupo; se não sabe, fica de fora. E ninguém vai te explicar, porque explicar destruiria o próprio charme do meme. Em outras palavras, embora pretenda ser acessível a todos, a linguagem coloquial é simultaneamente uma linguagem fechada, compreendida apenas por aqueles dentro de seu próprio círculo. Nesse aspecto, assemelha-se a uma aula universitária, onde tudo parece ser dirigido a todos, mas, na realidade, forma-se um ambiente único: o vocabulário serve como marcador de pertencimento e a compreensão como medida de elitismo. Nessa prática social, as linguagens coloquiais funcionam como um "lubrificante" para a comunicação. Segundo Luhmann, a sociedade moderna funciona reduzindo a complexidade, de modo que a linguagem coloquial pode ser vista como um código redutivo que permite uma comunicação sem esforço. Contudo, o preço dessa simplicidade é a superficialidade: em vez de discutirmos o conteúdo, trocamos "sinais de pertencimento", onde o importante não é o que é dito, mas que seja "compreendido" em um modo de reconhecimento instantâneo.
As divagações podem ser folheadas, citadas, discutidas — elas não se importam. Não exigem fé nem desconfiança; simplesmente estão presentes, como ruído digital, influenciando a atenção e os sentimentos sem prometer nada em troca ou pedir permissão, às vezes criando a sensação de que o mundo mudou ligeiramente, mesmo que você não tenha percebido. Você pode fingir que elas não existem, mas elas ainda existem. Como um signo — um simulacro puro no sentido de Baudrillard, que não espera resposta e, portanto, é impossível negociar com ele. Como pura forma sem compromisso com o conteúdo — e, portanto, impossível de se engajar construtivamente com ele.
Estruturalmente, as decadências cerebrais não são direcionadas ao sujeito, nem são organizadas em torno dele. No entanto, por sua presença, elas sustentam e moldam o pano de fundo contra o qual toda experiência é adquirida e, simultaneamente, desintegrada, criando o efeito de que não existe mais uma realidade "integral" e que cada momento é um fragmento que tenta se auto-organizar, mas que se dissipa constantemente no fluxo digital. E como não lembrar da massa de seguidores de vários infogurus e outras autoridades de credibilidade variável, que conhecem as respostas para todas as perguntas e prometem acesso a uma realidade "integral", que o próprio fluxo de informações destrói constantemente? E para aqueles que, infelizmente ou felizmente, não têm acesso a um "mundo integral", restará apenas se virar com seus próprios cérebros e navegar pelos processos de sua própria decadência. E se retornarmos à análise da pós-modernidade, que outrora rejeitou as "grandes narrativas" (ideias de progresso, necessidade histórica, uma única verdade) e cuja cultura existe num regime de ironia, fragmentação, paródia, jogo e citação, onde qualquer obra é uma referência a outra e o significado é indefinidamente adiado, então não é surpreendente, e sim tristemente irônico (no espírito de "Idiocracia"), que os infogurus, apesar de seu absurdo e do espetáculo midiático de sua autoridade, tenham se tornado quase os únicos canais para uma "realidade" que ainda contém pelo menos algum significado, através da promessa de conhecimento holístico e um mundo ordenado. E quanto maior a audiência desses infogurus, mais óbvio se torna que o sujeito moderno conserva uma necessidade fundamental de apoio cognitivo e existencial — a sensação de que o mundo é organizado e que eventos e ações têm significado. Por alguma razão, os irmãos Strugatsky me vêm à mente aqui, mas é como se a citação exata tivesse se perdido em algum lugar entre as páginas amareladas de antigas edições de literatura infantil.
Aliás, a própria história do termo "apodrecimento cerebral" assemelha-se a uma metáfora para a decadência: de um sintoma grave de declínio cultural a uma autodescrição quase viral. No século XIX, Henry David Thoreau, filósofo e ensaísta americano, usou a imagem do "apodrecimento cerebral" como um diagnóstico social: ele comparou o declínio dos padrões mentais e intelectuais da sociedade à "praga da batata" na cultura. Em nossa época, o termo "apodrecimento cerebral" foi aplicado inicialmente a formatos de mídia "vazios" — reality shows, jogos bobos, encontros online intermináveis — e acabou se tornando uma autoparódia: usuários de redes sociais agora se referem a seus hábitos como "apodrecimento cerebral". Isso não é mais tanto uma crítica, mas um reconhecimento da própria inserção no fluxo digital, onde o "apodrecimento cerebral" se torna outra forma de existência. E, nesse ponto, o humor parece deixar de ser entretenimento: em nossa sociedade saturada de informação, onde a seriedade perdeu sua força, justamente esse tipo de absurdo se torna um meio de expressão.
Nesse sentido, é interessante considerar o Brainrot como um dadaísmo de bolso, acessível a todos. Na década de 1920, era preciso viajar até Zurique para ouvir um poeta recitar palavras sem sentido, mas agora isso chega automaticamente ao seu celular: abra seu feed e lá está mais uma combinação de um animal, uma terminação italiana e um texto sem significado. Se antes um artista de vanguarda quebrava a forma e o significado em nome do protesto, agora milhões de usuários repetem o ritual da destruição diariamente, minuto a minuto. Se Baudrillard ou Derrida desenvolveram teorias complexas sobre simulacro e referência infinita, hoje milhões de pessoas reproduzem intuitivamente essas ideias, criando e compartilhando memes do Tralalero Tralala. E a diferença aqui é de escala e velocidade, e, principalmente, que antes isso era "arte" e "filosofia", e agora é "conteúdo de massa". E da próxima vez que você se deparar com o "Brainrot", lembre-se: era exatamente assim que as primeiras tentativas de qualquer vanguarda se pareciam — ridículas, absurdas, sem sentido. E então, com o passar do tempo, descobriu-se que essa era a única linguagem na qual a época estava preparada para se comunicar consigo mesma.
Portanto, devemos encarar a "decadência cerebral" não como uma ameaça, mas como um sintoma: ela reflete uma fadiga com "grandes ideias e significados profundos", que se tornou o lema do pós-modernismo. Não precisamos mais de heróis, tramas grandiosas ou ideais. Qualquer coisa séria desperta suspeitas: e se esconder uma mentira? Preferimos uma piada boba, propositalmente desajeitada, que não pretende ser nada além de si mesma. A decadência cerebral é segura justamente porque não tem nada a esconder. Deixamos de buscar uma única verdade na cultura, deixamos de acreditar em suas promessas sagradas — e o que temos é uma cultura que busca formas de jogo recursivo e ri de sua própria falta de sentido. Aprendemos a rir do próprio vazio. Nesse riso reside a alienação, a fadiga e uma certa alegria, porque descobrimos que a vida pode ser vivida sem significado profundo, apenas com piadas. No modo pós-moderno: engraçado sem graça, sério sem seriedade, vida sem... termine você mesmo.
Há também essa perspectiva social: quando uma pessoa corre dia após dia na roda do desempenho e dos KPIs, sua ociosidade mental se torna um pequeno protesto. "Posso me dar ao luxo de desperdiçar minha atenção com um meme sem sentido e, assim, me libertar temporariamente dos ditames dos OKRs." A ociosidade começa a funcionar como uma resistência interna. Aliás, a procrastinação, o burnout ou uma crise de meia-idade "revigorada" podem ser vistos sob a mesma ótica: entre outras coisas, também se tornam formas veladas de rejeição à lógica capitalista de produtividade crescente incessante. Vale ressaltar que as discussões sobre a redução da jornada de trabalho se intensificaram recentemente, e projetos-piloto em diversos países mostram que reduzir a carga horária sem perda salarial diminui o estresse e a fadiga, aumenta a motivação — e a economia não perde, muitas vezes até se beneficia.
Claro, tudo isso não é tão inofensivo. E quanto mais a sociedade encara o abismo digital, mais evidentes se tornam os monstros que ela cria. O que antes pertencia ao domínio dos valores sagrados — política (ideais sociais, dever), cultura (tradições artísticas e intelectuais) e ética (sistemas morais) — é lançado ao domínio do humor absoluto, uma verdadeira anarquia. Isso elimina qualquer distância entre o sério e o frívolo, mas, ao mesmo tempo, priva o sujeito da oportunidade de encontrar um ponto de apoio para a autoafirmação em algum "grande discurso" que pavimentou o caminho para o futuro da humanidade. Ou, pelo menos, na esperança de que esse futuro um dia chegue. Acredito que, se Mark Fisher tivesse sobrevivido e conseguido concluir seu "Comunismo Ácido", certamente incluiria um capítulo sobre como as gigantescas engrenagens dos algoritmos de marketing moeram não apenas nossos cérebros em uma pasta pútrida, mas também a própria ideia de decadência — como uma oportunidade de servir de húmus para o crescimento de algo fundamentalmente diferente. A sociedade não é mais capaz de imaginar um mundo diferente, e seu futuro está preso em uma simulação repetitiva do presente. Porque não apenas qualquer contracultura emergente, mas até mesmo aqueles que sofreram lavagem cerebral, são absorvidos pela máquina capitalista e se tornam parte do funil de vendas, privando-nos da capacidade de desejar romper com a matriz algorítmica, rumo a uma organização diferente da experiência social. Tal ruptura é a prática da liberdade, entendida não como uma escolha arbitrária dentro de coordenadas preestabelecidas, mas como uma ruptura com as próprias coordenadas, e nessa ruptura surge a possibilidade de um novo mundo.
Em suma, é impossível não abordar como a sociedade global está vivenciando os últimos anos da guerra. De fato, os eventos são colossais, históricos, irreversíveis, mas sua percepção cotidiana pela pessoa comum se reduz a um pano de fundo ou atmosfera que pode ser absorvida ou descartada, como mensagens de parabéns em chats de trabalho. Na verdade, em algum lugar além das telas, existe outra realidade — uma em que pessoas realmente morrem. Enquanto memes, trechos de transmissões ao vivo e discussões acaloradas se desenrolam incessantemente nas redes sociais, alguém na casa ao lado está enterrando seu filho. Enquanto usuários ativos debatem se a série de TV mais recente é o ápice da pós-ironia ou mais um fracasso de bilheteria para promover uma agenda, bombas reais destroem prédios, e a morte deixa de ser uma metáfora e se torna um evento do qual não se pode mais se desvincular. A mídia reproduz incessantemente a violência em vídeo, como conteúdo, como isca de cliques; mas quando os assassinatos de fato acontecem, o vazio de significado se torna o único pano de fundo e, portanto, ainda mais insuportável.
A linguagem oficial repete fórmulas rituais que supostamente explicam o que está acontecendo, mas elas permanecem na superfície, jamais se transformando em experiência genuína ou significado sobre o qual construir o futuro. Fluxos de propaganda vindos de diversas direções soam como mantras que a pessoa comum simultaneamente ouve e não ouve, convive com eles e dos quais se distancia, encontrando-se em uma posição ambivalente. E embora esses mantras sejam repetidos por todos, ao mesmo tempo, ninguém acredita neles plenamente, abrindo espaço para o download de novas versões alternativas. Um paradoxo estranho emerge: a sociedade existe em um estado onde a realidade ocorre, mas não é vivenciada nem refletida. Como um sonho lúcido, do qual o despertar só é possível ao determinar o que realmente tem significado — mas isso é precisamente o que é impossível dentro da lógica do pós-modernismo. Contudo, além dos limites desse sonho, existem vidas específicas, mortes específicas, corpos específicos. E esse sonho não é uma ilusão, mas sim a própria estrutura na qual todos existimos: não há posição onde se possa "perceber" mais do que aquilo que foi sistematicamente projetado para a percepção. Não há espaço aqui para um "novo sujeito".
A desproporção entre a cultura vazia da "decadência cerebral" e a realidade última da decomposição da matéria captura o estado aterrador da modernidade, onde o simulacro continua na tela e a morte persiste na terra úmida. De fato, esse pensamento originalmente continha uma metáfora com as palavras "a tela está transbordando de simulacros", e é improvável que alguém precise explicar hoje como essa analogia terminou. E aqui, em teoria, o pós-modernismo deveria atingir seu limite, se nos lembrarmos de Lacan: a realidade sempre deixa para trás algo que não pode ser incluído em construções simbólicas — um resíduo que desafia qualquer representação. No entanto, a mecânica da mídia não tolera uma "falha", mas simplesmente continua a existir ao lado da forma mais extrema da realidade — a morte permanece um fato; mas a tela não se apaga, continuando a mostrar que tudo emerge e existe como um único campo de experiência, dentro do qual todos estamos presos. E ainda não há ponto de saída.
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