Fontes: Rebelião
Após os processos de independência, nos diversos novos estados latino-americanos do século XIX, os conflitos em torno do poder centraram-se em disputas entre conservadores e liberais. No México, em meados do século XIX, Benito Juárez implementou reformas liberais radicais. Estas foram menos profundas na Argentina durante o mesmo período. O liberalismo equatoriano só triunfou em 1895; o Partido Revolucionário Cubano, fundado por José Martí (1892), tinha como principal objetivo a independência definitiva da ilha; e na Colômbia, o sistema bipartidário persistiu até o século XX, desencadeando uma violência sem precedentes e persistente, até que a Frente Nacional (1958) o interrompeu, com os dois partidos alternando-se no poder por 16 anos e marginalizando todos os outros.
Embora o Partido Socialista Argentino (1896) tenha sido o primeiro a ser fundado, a esquerda latino-americana emergiu no século XX. Por exemplo, o Partido Socialista Operário do Chile (1912), embora seu impulso definitivo tenha vindo do triunfo da Revolução Russa (1917), após a qual foram fundados os diversos partidos comunistas. Sua adesão à Terceira Internacional, ou Comintern (1919), causou divisões com os partidos socialistas. No Equador, o Partido Socialista foi fundado em 1926 e o Partido Comunista em 1931. No entanto, o grande inovador diante da Comintern foi José Carlos Mariátegui, fundador do Partido Socialista Peruano (1928) — que mudou seu nome para Partido Comunista (1930) — que refletiu sobre um caminho latino-americano distinto e o papel que as organizações indígenas poderiam desempenhar.
Geralmente fracos, com pouca força proletária organizada devido ao desenvolvimento precário do "capitalismo" na região, os partidos de esquerda identificados com o marxismo muitas vezes tiveram que formar alianças políticas para garantir candidaturas presidenciais ou listas legislativas. Os “populismos” latino-americanos mais representativos, como os de Lázaro Cárdenas no México, Getúlio Vargas no Brasil, Juan Domingo Perón na Argentina ou Víctor Raúl Haya de la Torre no Peru, definiram um caminho de esquerda paralelo ao marxista.
A Guerra Fria prejudicou as perspectivas de uma vitória revolucionária e “proletária” para a esquerda marxista. Mas a Revolução Cubana (1959) despertou um entusiasmo generalizado, e movimentos guerrilheiros ganharam força em diversos países. Os Estados Unidos, governos latino-americanos de direita e, sobretudo, os militares da região, imbuídos de anticomunismo, conseguiram esmagar esses movimentos revolucionários. No Cone Sul, foram instauradas ditaduras militares, que implementaram a Operação Condor para erradicar o comunismo na região, enquanto na América Central, países como El Salvador e Guatemala sofreram guerras civis marcadas por violência genocida. As guerrilhas colombianas persistiram, em grande parte remanescentes do período conhecido como “La Violencia” (A Violência). Apenas os sandinistas na Nicarágua obtiveram sucesso, tomando o poder após derrubarem a dinastia Somoza (1979). No Chile, porém, o socialista Salvador Allende (1970-1973) defendeu o “caminho pacífico” para o socialismo, que foi brutalmente esmagado pela ditadura de Augusto Pinochet.
A experiência generalizada de derrotas guerrilheiras, o desmantelamento do caminho pacífico de Allende e, além disso, a perestroika e o consequente colapso do socialismo de estilo soviético, somados à globalização transnacional, à hegemonia global alcançada pelos Estados Unidos e à disseminação do neoliberalismo na América Latina, colocaram os partidos marxistas de esquerda da região em uma situação de sobrevivência política e os forçaram a escolher a via eleitoral — em vez da “revolucionária” — para chegar ao poder, mesmo que se mostrassem fracos nos processos eleitorais. Consequentemente, durante as duas últimas décadas do século XX, o neoliberalismo prevaleceu.
É nessas circunstâncias que, no início do século XXI, surgiram organizações da “nova esquerda”, que optaram por se identificar como “progressistas”. Essas forças não eram necessariamente marxistas, mas emergiram como caminhos alternativos ao poder em diversos países após a ascensão de Hugo Chávez na Venezuela (1999). Isso consolidou a "onda rosa" latino-americana. Governos progressistas desenvolveram projetos econômicos e sociais que se opunham à abordagem exclusivamente neoliberal, a qual havia favorecido o domínio econômico do setor empresarial privado, agravando as condições de vida e de trabalho da população. Esses novos movimentos de esquerda valorizavam a participação eleitoral e o caminho da transformação social por meio da criação de novas instituições baseadas na democracia representativa e liberal. Além disso, promoviam o latino-americanismo e formavam uma frente única contra a interferência imperialista.
A reação conservadora e uma nova fase de governos neoliberais, com empresários ricos nomeados diretamente para governar, marcaram o início de um novo fenômeno latino-americano: o retorno de regimes oligárquicos e oligopolistas. Esses regimes minaram a própria democracia liberal representativa, impondo os interesses exclusivos das elites empresariais à sociedade como um todo. O apoio da internacional de direita e dos Estados Unidos é inegável. Mas eles reviveram a antiga mentalidade de busca de renda ligada aos setores de latifúndio e exportação primária. Além disso, não hesitaram em desmantelar as conquistas sociais alcançadas desde o século XIX e, especialmente, durante o século XX, como os direitos sociais, comunitários e trabalhistas. Em sua ganância desenfreada, as políticas desses governos orientados para os negócios fortaleceram a acumulação privada em detrimento dos recursos, bens e serviços públicos. Seus governos se mostraram incapazes de gerar desenvolvimento econômico com bem-estar social. E, para se manterem no poder, estão claramente empenhados em coordenar ações para tentar isolar qualquer força progressista, seja da nova ou da “velha” esquerda. A perseguição a seus líderes e a supressão de movimentos sociais com autoritarismo e repressão
forjaram um longo legado histórico para a esquerda, que agora precisa reexaminar como, tendo alcançado o poder político por meios democráticos, implementará seu projeto para uma nova sociedade. Por um lado, a abordagem "tímida", demonstrada pelos governos de Gabriel Boric no Chile, Luis Arce na Bolívia e Alberto Fernández na Argentina, bem como as divisões internas da esquerda, como visto no Equador, apenas contribuem para a guinada eleitoral à direita. Um contraste significativo pode ser encontrado no governo de Claudia Sheinbaum no México. Por outro lado, é evidente que será necessário retomar firmemente políticas como a universalização definitiva dos serviços públicos de saúde, medicina, educação e previdência social; uma redistribuição radical de renda por meio de um sistema tributário progressivo; a restauração do papel regulador do Estado sobre a economia e a reintegração de direitos perdidos; a superação do modelo primário-exportador; e, sobretudo, a subordinação do capital aos interesses dos cidadãos. No Equador, já existe um guia singular para a ação legal na Constituição de 2008, que inclusive contém uma seção sobre a “Democratização dos fatores de produção”, desenvolvida no Art. 334, uma orientação que também pode servir de exemplo para toda a América Latina.
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