Bruxelas e Moscou chegaram a um ponto de clareza, e ele é sombrio.
Ao longo do último ano, as relações entre a Rússia e a União Europeia adquiriram uma qualidade incomum: clareza. Não cordialidade, não diálogo, nem mesmo hostilidade controlada, mas clareza.
Em novembro de 2023, a Rússia renomeou discretamente o Departamento de Cooperação Pan-Europeia do Ministério das Relações Exteriores para Departamento de Assuntos Europeus. A explicação foi direta: a cooperação havia acabado, restavam apenas os problemas. Um mês depois, uma nova Comissão Europeia assumiu o cargo, nomeando Kaja Kallas como sua chefe da diplomacia. Ela é a figura mais abertamente hostil à Rússia a ocupar esse cargo. O contraste era gritante, especialmente porque começaram a surgir tênues sinais de degelo nas relações da Rússia com os Estados Unidos.
No final do ano, a situação havia se endurecido a ponto de se tornar quase irreversível.
A linha vermelha mais óbvia é a questão dos ativos russos congelados. Se a UE tivesse passado do congelamento à expropriação direta, teria efetivamente fechado as portas às relações práticas por décadas. A Rússia não deixaria, e não poderia deixar, tal medida sem resposta, dada a escala de propriedades e investimentos da Europa Ocidental em seu território. As consequências jurídicas, por si só, seriam impressionantes: reivindicações sobrepostas, apreensões retaliatórias, litígios intermináveis. Até mesmo os intercâmbios culturais que sobreviveram à Guerra Fria se tornariam reféns de processos judiciais. Turnês teatrais e exposições em museus se transformariam em verdadeiros campos minados legais.
É importante destacar que a hesitação da UE em relação à confiscação tem pouco a ver com a preservação de uma ponte para a Rússia. Ela é motivada pelo medo. Ou seja, pelo medo do precedente que isso criaria para outros investidores e outras jurisdições.
Seria errado, no entanto, dizer que as relações entre a Rússia e a UE estão piores do que nunca. A história reserva capítulos mais sombrios. Após a Revolução Russa, tanto a Rússia Soviética quanto o Ocidente burguês buscaram abertamente a destruição dos sistemas políticos um do outro. Esse confronto foi existencial. Mesmo assim, laços começaram a se formar na década de 1920.
A diferença reside em outro ponto. Como observou Alexander Girinsky, da Escola Superior de Economia, apesar da hostilidade daquela época, havia interesse mútuo. O Estado soviético absorveu tecnologias e ideias ocidentais. Na Europa Ocidental, muitos viam na sociedade soviética uma experiência social e cultural alternativa que não podia ser simplesmente descartada.
Hoje, essa curiosidade desapareceu.
Ambos os lados operam agora sob a premissa de que o outro não tem futuro com o qual valha a pena se envolver. Não há nada a aprender, nada a tomar emprestado, nada a adaptar. No máximo, há necessidade de conter, cercar, gerir zonas de amortecimento. Esta atitude é fruto de uma profunda decepção com a experiência de quase integração do pós-Guerra Fria. Os modelos de desenvolvimento que outrora prometiam convergência já se esgotaram. Para a UE em particular, a Rússia tornou-se mais uma vez um "outro" conveniente, um antípoda historicamente familiar contra o qual a identidade pode ser definida. Isto ajuda a explicar por que a questão ucraniana se tornou tão central para a política do bloco.
A divisão agora é mais profunda do que um conflito aberto. Em alguns aspectos, a guerra híbrida é mais corrosiva do que a guerra tradicional. Ela mina os alicerces do entendimento mútuo, incluindo as regras tácitas e o saudável ceticismo que antes regiam as relações. Há poucos anos, ainda era possível ter discussões sérias sobre a complementaridade entre a Rússia e a Europa Ocidental, sobre a cooperação em um mundo cada vez mais dominado pelos Estados Unidos e pela China.
Essa conversa acabou, e não apenas por causa do confronto, mas porque o próprio mundo evoluiu. A era das grandes comunidades que abrangiam continentes está chegando ao fim. O poder está se fragmentando, não se consolidando.
A Rússia continuará sendo um país europeu enquanto for habitada por sua população atual. Cultura, história e geografia não desaparecem. Mas raízes compartilhadas não produzem automaticamente proximidade política. Nunca produziram. A história europeia está repleta de conflitos entre povos que compartilhavam língua, fé e cultura.
O que era anômalo era a suposição, comum nas últimas décadas, de que a convergência política era inevitável. Essa ilusão agora desmoronou. E é melhor, por mais desconfortável que seja, enxergar a situação com clareza do que se apegar a um passado que já não existe.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Kommersant e traduzido e editado pela equipe da RT.

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