Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasil para
enfrentar crise mundial
Um grupo de forças progressistas
e de esquerda está articulando um manifesto de reflexão sobre a crise econômica
e política mundial e de reaglutinação de forças no Brasil. A reunião de
lançamento desse manifesto deve ocorrer no início de dezembro, no Rio de
Janeiro. Entre os apoiadores da iniciativa estão nomes como Luiz Pinguelli
Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro Stedile, Samuel Pinheiro Guimarães, Carlos
Lessa, Moniz Bandeira e Luiz Carlos Bresser Pereira.
por Marco Aurélio Weissheimer, em
Carta Maior
Porto Alegre - Um grupo de forças
populares, progressistas e de esquerda está articulando um manifesto de
reflexão sobre a crise econômica e política mundial e de reaglutinação de
forças no Brasil. A reunião de lançamento desse manifesto deve ocorrer no
início de dezembro, no Rio de Janeiro. A pauta principal dessa primeira reunião
será definir formas e meios de ação a partir de um programa de 11 pontos
adotado no texto. Para tanto, será debatida a criação de um movimento em defesa
da democracia, do Brasil e da paz. A ideia é que Oscar Niemeyer seja aclamado
como presidente de honra desse movimento que tem como integrantes de sua
comissão organizadora, Luiz Pinguelli Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro
Stedile, Samuel Pinheiro Guimarães, Pedro Celestino, Roberto Amaral e Ubirajara
Brito.
O manifesto já reúne mais de 150
signatários. Além dos nomes citados acima há outras personalidades de renome
nacional como Carlos Lessa, Ennio Candotti, Geraldo Sarno, Luiz Alberto Moniz
Bandeira, Luiz Carlos Bresser Pereira, Manuel Domingos Neto, Mauro Santayana e
Pedro Casaldáliga.
O documento parte do diagnóstico de
que, em 2012, “o mundo entrou em momento de grave perigo, que ameaça degenerar
em guerras e destruições de grande escala”. “O agravamento da crise do
capitalismo em escala mundial”, prossegue, “coincide, não por acaso, com
iniciativas aventureiras de expansão imperialista no Oriente Médio, mas com
alastramento possível a outros continentes”.
As deflagrações decorrentes deste
cenário, diz ainda o texto, podem resultar em danos terríveis, inclusive para o
Brasil, ressaltando que, aqui, entretanto, se abrem ao mesmo tempo
oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico e institucional, que
reclamam a mobilização na defesa da democracia, dos interesses nacionais e da
paz. E conclui: “É urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública
de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia,
na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa
consciência, mas forte estará o governo para resistir às agressões da direita
e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas
políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade”.
Leia a seguir a íntegra do
manifesto:
A CRISE MUNDIAL, A DEFESA DO
BRASIL E DA PAZ
EM 2012, o mundo entrou em
momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de
grande escala. O agravamento da crise do capitalismo em escala mundial
coincide, não por acaso, com iniciativas aventureiras de expansão imperialista
no Oriente Médio, mas com alastramento possível a outros continentes.
Das conflagrações daí decorrentes
podem resultar danos terríveis inclusive para o nosso país. Aqui, entretanto,
se abrem ao mesmo tempo oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico
e institucional. Estas reclamam, para se realizar, a mobilização popular na
defesa da democracia, dos interesses nacionais e da paz.
I – NAS ÚLTIMAS DÉCADAS,
especialmente após a extinção da União Soviética, uma potente ofensiva de
direita abriu caminho para uma aparente vitória definitiva do sistema
capitalista liderado pelo imperialismo estadunidense, que se pretendeu
globalizado. Essa ofensiva afetou profundamente intelectuais e ativistas dos
antigos movimentos e partidos de esquerda. Em grande medida, eles foram
absorvidos por duas vertentes que, por caminhos diversos, incorporavam as
ideias de vitória capitalista. Não poucos aderiram diretamente à ideologia
neoliberal, que atribui ao mercado o poder exclusivo de decidir sobre questões
econômicas, sociais e políticas. Outros, também numerosos, inclinaram-se à
ideia de vitória do capital, mas o fizeram em diversas construções ideológicas
com retórica de esquerda, que aceitam e difundem ideias básicas do
neoliberalismo, tais como as do império global, da prevalência inevitável do
mercado, da falência do conceito de Estado e, por consequência, do conceito de
soberania nacional, do fim da luta política organizada das massas de
trabalhadores, da transformação destas em “multidão”, etc.
Essa ofensiva intensificou-se
após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O
governo deste país enveredou por uma política de ruptura declarada e prepotente
com o regime de respeito à soberania dos Estados e passou a encabeçar um
processo de volta às trevas nas relações entre povos e países. Comandado pelo
complexo industrial militar, depois de por seu próprio povo sob tutela a ponto
de privá-lo de direitos civis básicos – entre os quais o direito ao habeas
corpus –, adotou uma diretriz de projetar sua soberania sobre o mundo inteiro e
intervir em qualquer país onde, a seu critério, seus interesses o reclamem.
Proclamou para si o direito de ignorar fronteiras nacionais e instituições
internacionais a fim de empreender em qualquer rincão do planeta ações
militares de todo tipo, em grande escala, com invasões e bombardeios, ou em
pequena escala, com operações abertas ou encobertas de assassinato em série de
civis que os desagradem, ou de sequestrá-los e submetê-los a trato de presas de
guerra, sem quaisquer direitos legais.
A ofensiva expansionista dos
Estados Unidos e seus aliados, principalmente ex-potências colonialistas da
Europa, disfarçada sob bandeiras humanitárias, despertou natural indignação e
resistência no mundo e, em primeiro lugar, nos povos agredidos. A progressiva
inserção da China no papel de potência mundial, o ressurgimento da Rússia nessa
categoria, a afirmação da Alemanha como principal liderança europeia e a
emergência de novos atores, como Índia e Brasil, todos buscando o estabelecimento
de uma ordem mundial multipolar, também se contrapõem à expressão da estratégia
de poder sem limites dos Estados Unidos.
Sem perder a arrogância, dispondo
ainda de grandes reservas de expressão de poder e com um aumento de
agressividade similar ao que ocorre com predadores acuados, o governo de
Washington vem gradativamente decaindo para uma situação de dificuldade
econômica, política e militar, ao mesmo tempo em que cresce a consciência
mundial sobre o caráter de rapina do imperialismo estadunidense e sobre a
necessidade de resistir a ele.
II – O REPÚDIO À prepotência dos
Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força
crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator
nacional na luta política. Os Estados nacionais, ao invés de desaparecerem,
regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da
dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular
nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios
Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa,
na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução
Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força
transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início apontam para
objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a avançar para conquistas
democráticas de maior alcance social.
Esse ressurgimento do fator
nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo. É
entretanto na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais saliente e
que mais de perto interessa aos brasileiros.
III – A CONDIÇÃO ISOLADA e pouco
relevante da América do Sul no quadro dos grandes conflitos em que se
envolveram os Estados Unidos, afinal, deixou este país, que se empenhava em
vultosas ações em outros continentes, tolhido para intervir nessa região que
ele tradicionalmente considerou seu “quintal”. Num eco à assertiva clássica de
que a revolução escolhe o elo mais fraco da corrente para eclodir, isto parece
ter contribuído para que os povos sul-americanos percebessem a oportunidade de
responder às humilhações e infortúnios que durante mais de um século lhe
impusera a política imperialista de Washington.
Em 1998, elege-se na Venezuela o
presidente Hugo Chávez, com uma plataforma antiimperialista e com a intenção de
cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou
gradativamente a política econômica neoliberal dos governos anteriores para
beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de
socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado
interno; adotou também uma política externa de autonomia em relação aos Estados
Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA, livrar o Brasil da
subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação com a América do Sul, com
fortalecimento do Mercosul e da Unasul, assim como permitiu expandir as
relações do Brasil com países e povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia.
Em 2003, elege-se na Argentina o
presidente Néstor Kirchner, que enfrentou a banca internacional a fim de livrar
seu país de uma dívida externa abusiva e impagável, conseguindo com isso
condições para colocar a nação vizinha numa trilha de desenvolvimento
sustentado, que hoje prossegue sob a presidência de Cristina Fernandes de
Kirchner. As eleições de Evo Morales na Bolívia, Rafael Correia no Equador,
Fernando Lugo no Paraguai, José Mujica, no Uruguai, e Ollanta Humala no Peru,
deram maior firmeza à tendência de expansão na América do Sul de governos
empenhados em alcançar expressão soberana e desenvolvimento pleno, econômico,
cultural e social de suas nações.
Essa tendência não é retilínea,
nem imbatível. Em cada país, a ela se opõem fortes correntes internas de
direita alinhadas com os Estados Unidos, que atuam orquestradas em escala
internacional e dominam a mídia, os bancos, setores importantes do empresariado
local e agrupamentos militares. Com apoio financeiro, político e militar dos
Estados Unidos e de outros países imperialistas menores, assim como de seus
órgãos de espionagem e operações encobertas, de ONGs financiadas por empresas e
governos imperialistas, de sociedades secretas tipo Opus Dei etc., tais setores
de direita empreendem em seus países e na região uma campanha sem trégua
através da maioria dos órgãos da grande mídia mercantil. Esta assume caráter de
partido político reacionário, cuja finalidade é impedir que se elejam
governantes comprometidos com os interesses nacionais e, quando não consegue
isto, tentar acuar e tornar refém o governante eleito para, se julgar possível
e oportuno, derrubá-lo. É o que se vê na Venezuela, na Bolívia, no Brasil, na
Argentina, no Equador, em toda parte. Os golpes de Estado em Honduras e, mais
recente, no Paraguai, são inequívocos sinais de alarme nesse sentido.
IV – HÁ NESSE PROCESSO de
ascensão nacional e democrática na América do Sul uma singularidade que lhe dá
força de sustentação: ele se desenvolve com a rigorosa observância pelos
governos das normas do regime de democracia modelo estadunidense, que pressupõe
a mídia submetida aos bancos e outros grandes patrocinadores privados e as
eleições, sujeitas a campanhas publicitárias de alto custo, subvencionadas por
doações de empresas milionárias. A vitória e a permanência de governantes que
desagradam à direita, em condições tão adversas, tornou-se possível graças a
uma elevação da consciência política das massas populares. Estas aprenderam a
descolar-se do discurso das grandes redes midiáticas na hora de escolher
candidato e ajuizar governo. Com isso, definhou o poder de empossar e derrubar
governos que a mídia dos grandes negócios exibia em décadas passadas.
Criam-se portanto condições novas
que favorecem e exigem a recuperação das correntes progressistas e sua
intervenção na cena política. No plano internacional, a luta contra a política
de guerras sem fim do imperialismo estadunidense e seus associados, que hoje
preparam uma agressão de grande escala e consequências imprevisíveis à Síria e
ao Irã, é meta que a todos deve unir. Na América do Sul, e no Brasil em
particular, impõe-se a luta em defesa dos interesses nacionais, em especial na
resistência às tentativas de projeção dos interesses imperialistas de
Washington em relação ao petróleo do pré-sal e das Malvinas. Essa projeção já
tomou forma concreta com o estabelecimento de novas bases militares
estadunidenses na região e com o deslocamento para o Atlântico sul da IV Frota
da Marinha dos Estados Unidos. A luta pela preservação e o aprofundamento do
regime democrático, da soberania e da coesão dos Estados da região é diretriz
que favorecerá a mobilização de forças capaz de vencer as fortes coalizões de
direita e assegurar o avanço econômico, político e social de nossos povos e
nações.
V – NÃO HÁ RECEITAS PRONTAS nem
caminhos traçados para essa luta. As experiências vividas por outros povos, no
passado ou no presente, servem de lição e inspiração, mas não servem de modelo.
A originalidade e a variedade das soluções que a vida vai gerando nos países
sul-americanos são muito fecundas. Em comum, existe entre elas a circunstância
de que são encabeçadas por líderes não egressos das classes dominantes, que
souberam perceber e potencializar o desejo de mudança das massas populares e o
descrédito entre elas daqueles partidos e instituições que conduziam antes a
vida política. Essa origem em lideranças pessoais fortes é ao mesmo tempo
positiva, porque facilita a participação das grandes massas no processo
político, e negativa, porque põe esse processo na dependência das escolhas e
limitações pessoais do líder.
Mas a necessidade de recorrer à
mobilização popular – uma vez que as forças poderosas que o hostilizam ao mesmo
tempo manipulam as grandes empresas de comunicação, as instituições políticas formais
e facções militares – induz o líder a estimular a gestação de novas formas de
organização de massas do povo trabalhador para o combate político e até para a
resistência organizada. Chama a atenção, nesse sentido, especialmente na
Venezuela, na Bolívia e no Equador, a ascensão em bairros proletários de
associações de moradores que se articulam em torno de conselhos comunitários e,
ao mesmo tempo, defendem os interesses imediatos da população local, têm
presença ativa na resistência ao golpismo e pressionam em favor do
aprofundamento da democracia.
VI – NO BRASIL, os movimentos
sociais organizados são ainda débeis. O governo do presidente Lula refletiu
essa debilidade. Manteve uma política econômica em que ainda havia espaço para
o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da
população pobre e desenvolveu uma política externa de autonomia em relação ao
imperialismo estadunidense e defesa da paz. A presidente Dilma mantém nas
linhas gerais essa diretriz.
Por sua política de favorecimento
aos pobres e à soberania dos povos sul-americanos, o presidente Lula foi alvo
de uma incansável campanha hostil da mídia. Para defender-se, ele se apoiou
porém, quase exclusivamente, em sua popularidade pessoal. Isso o deixou
vulnerável a pressões e prejudicou suas possibilidades de avanço.
A presidente Dilma, diante do
agravamento da crise financeira internacional, avança na política econômica,
enfrentando a questão do freio dos altíssimos juros à expansão da economia
nacional, corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real e
mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano externo, embora
com mudança de ênfase, persiste de modo geral a afirmação de política não
alinhada aos Estados Unidos. A mídia dos grandes negócios busca abrir um cisma
entre Dilma e Lula, para que se fragilize o campo popular.
É portanto urgente a necessidade
de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e
democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na
sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo
para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão
dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os
interesses do país e da sociedade.
Um elenco de propostas nesse
sentido deve incluir:
1) a efetiva aceleração do
desenvolvimento econômico do país;
2) a subordinação dos sistemas
bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento;
3) a posse dos recursos naturais
do país e a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos
dilapidados;
4) a efetivação de um programa de
reforma agrária que penalize o latifún-dio improdutivo e beneficie as
propriedades produtivas de pequeno e médio porte;
5) a destinação de maiores verbas
às políticas públicas de educação, o fortalecimento do ensino público e a
melhor adequação dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico
e cultural do país;
6) o reforço aos orçamentos de
entidades de saúde pública, a obrigação dos serviços privados de seguridade de
ressarcirem gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados
dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos procedimentos
de saúde sanitária básica, preventiva e de tecnologia atual;
7) a mudança da política de
repressão policial dirigida contra a população mais pobre, principalmente não
branca, por uma política democrática de segurança pública, o fortalecimento da
política de não discriminação de gênero;
8) o reforço do controle pelo
poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados com
vistas ao aprofundamento do regime democrático;
9) o reequipamento das Forças
Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do
território nacional, assim como a adequação do conteúdo da formação nas escolas
militares à defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país;
10) a ampliação e a consolidação
da política de unidade com a América do Sul – essencial para a preservação dos
governos progressistas na região;e
11) a defesa de uma política
externa de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os
povos e de defesa da paz.
Muitas são as metas a nos
desafiarem, cujo alcance requer todo o engenho e toda a força que sejam capazes
de unir e mobilizar, com sentido estratégico e espírito transformador, as
correntes progressistas em nosso país, sem distinção dos partidos e associações
a que estejam filiadas. Povo e governo precisam mobilizar suas reservas de
sentimento cívico e patriótico, para que o Brasil possa aproveitar a grande
oportunidade que tem hoje de consolidar-se como nação soberana, projetada no
cenário mundial e consolidada em seu papel de lastro do processo democrático de
reconstrução nacional, pacífico e progressista, que se desenvolve na América do
Sul.

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