Retrato do Brasil -
Edição n° 65
A ENCENAÇÃO DO MENSALÃO
A ENCENAÇÃO DO MENSALÃO
Como
se montou a prova do “maior escândalo da história da República”. E porque essa
“prova” é falsa e precisa ser revista pelo STF
Vale a pena ver de novo. Está no YouTube (http://youtu.be/-smLnl-CFJw),
nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do dia 29 de agosto,
no julgamento do mensalão. A sessão já tinha 47 minutos. Fala o ministro Gilmar
Mendes. Ele esclarece que tratará da “transferência de recursos por meio da
Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”. Diz, preliminarmente, que,
a seu ver, “se cuidava” de recursos públicos. Faz, então, uma pausa. E adverte
ao presidente da casa, ministro Ayres Britto, que fará um registro. De fato, é
uma espécie de pronunciamento ao País.
Ele diz que todos que tivemos alguma relação com esta “notável
instituição” que é o Banco do Brasil “certamente ficamos perplexos”. Lembra que
o revisor, Ricardo Lewandowski, “destacou que reinava uma balbúrdia” na
diretoria de marketing do banco e completa dizendo que parecia ser uma
balbúrdia no próprio banco como um todo. A seguir, ergue a cabeça, tira os
olhos do voto que lia meio apressadamente, encara seus pares. E diz
cadenciadamente: “Quando eu vi os relatos se desenvolverem, eu me perguntava,
presidente: o que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?”
Então, põe alguns dedos da mão esquerda sobre os lábios e explica:
“Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se
tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço
algum...” Neste ponto, parece tentar repetir o que disse e fala engolindo
pedaços das palavras: “E se diz isso, inclus... [parece que ele quis dizer
inclusive] não era para prestar servi [serviço, aparentemente].” E conclui,
depois de pausa dramática, ao final separando as sílabas da palavra para
destacá-la: “Eu fico a imaginar [...] como nós descemos na escala das
de-gra-da-ções.”
RB vê a narrativa do ministro de outra forma. Foi um dramalhão, um mau
teatro. Mas, a despeito do grotesco, a tese central do mensalão é exatamente a
encenada pelo ministro Mendes. E só foi possível aos ministros do STF concordar
com ela porque se tratou de um julgamento de exceção. Um julgamento
excepcional, feito sob regras especiais, para condenar os réus.
Esta tese diz que, sob o comando de Henrique Pizzolato, o então diretor
de marketing e comunicação do BB, foi possível tirar, graças a uma propina que
ele teria recebido, 73,8 milhões de reais para que uma trinca de quadrilhas
comandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, comprassem
deputados.
Deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto. E
os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor
público, o ministro Joaquim Barbosa, brandindo a regra de condenar por
indícios, e não por provas, réus a quem foi negado um dos princípios históricos
do direito penal, o da presunção da inocência.
E deu no que deu. A tese central do mensalão é tão absurda que ainda se
espera que o STF possa revogá-la. Ela diz que foram desviados para o PT os tais
73,8 milhões de recursos do BB para comprar sete deputados e aprovar, por
exemplo, a reforma da Previdência, que todo mundo sabe ter passado com apoio da
direita não governista sem precisar de um tostão para ser aprovada.
Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de
metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo
Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem: em
nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias,
afirma-se que houve desvio de dinheiro do banco.
Nem o BB nem a Visanet processaram Pizzolato até agora. Simplesmente
porque, até agora, não se propuseram a provar que ele comandou o desvio, nem
mesmo se houve o desvio. E também porque está escrito explicitamente nos autos
que não era ele quem ordenava os adiantamentos de recursos para a empresa de
propaganda DNA, de Marcos Valério, fazer as promoções.
O adiantamento de recursos à DNA era feito não pela diretoria que ele
comandava, a Dimac, mas por um funcionário da Direv, a diretoria de varejo.
Esta diretoria era, com certeza, a grande interessada na venda dos cartões, o
que, aliás, fez com raro brilho, visto que o BB desbancou o Bradesco, o sócio
maior da CBMP, na venda de cartões de bandeira Visa.
Nesta edição, na matéria a seguir, “Um assassinato sem um morto”,
Retrato do Brasil mostra um documento reservado da CBMP, preparado por um
grande escritório de advocacia de São Paulo para ser encaminhado à Receita
Federal, no qual a companhia lista todos esses trabalhos, que confirma
informações constantes das outras três auditorias do BB. Porém, acrescenta um
dado essencial: mostra que a empresa tem os recibos e todos os comprovantes —
como fotos, vídeos, cartazes, testemunhos — atestando que os serviços de
promoção para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foram realizados. Ou
seja, que não houve o desvio.
A tese do grande desvio que criou o mensalão surgiu na Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios já no início das investigações, em
meados de 2005, quando se descobriu que Henrique Pizzolato estava envolvido no
esquema do “valerioduto”. E ganhou forma acabada no relatório final desta
comissão, entregue à Procuradoria da República em meados de abril de 2006.
O então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, menos de uma semana
depois, encaminhou a denúncia ao STF, onde ela caiu sob os cuidados do ministro
Joaquim Barbosa. O que Souza fez de destaque na denúncia foi tirar da lista de
indiciados feita pela CPMI, na parte que apresentava os que operavam o FIV no
BB ou que poderiam ser vistos como responsáveis pelo desvio, todos os que não
eram petistas. Souza — não ingenuamente, deve-se supor — retirou da lista de
indiciados todos os que vinham do governo anterior, do PSDB, entre os quais o
diretor de varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou até mais alto, nível de
responsabilidade de Pizzolato. E excluiu também o novo presidente do banco,
Cássio Casseb, um homem do mercado.

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