O ano da conclusão de uma farsa, por
José Dirceu
O ano de 2012 entrará para a história do Brasil como o de concretização de uma farsa político-jurídica e midiática elaborada e montada com o objetivo maior de, por vias indiretas, atingir o projeto de desenvolvimento do país iniciado com a chegada do companheiro Lula à Presidência da República.
Um
projeto que, hoje, bem consolidado e conduzido pela presidenta, Dilma Rousseff,
ameaça os antigos detentores do poder porque desarticula as perversas
desigualdades sobre as quais esses velhos governantes estruturaram seu domínio
sobre as vontades populares.
Sustentados
nos meios de comunicação, poder sob forte monopólio e ainda controlado pelas
velhas oligarquias, avocaram para si a pretensa prerrogativa de ser voz da
opinião pública nacional e passaram a pressionar o Poder Judiciário para que
este exibisse ao país a prova incontestável de que a era da impunidade acabou.
E
esse marco só teria lugar se o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de
Mensalão como parte dessa estratégia, resultasse em um desfecho pré-conhecido:
a minha condenação como mentor de um inexistente esquema de compra de votos no
Congresso Nacional.
Fortemente
pressionado — afinal, já no recebimento da denúncia se sabia que o STF (Supremo
Tribunal Federal) decidira “com a faca no pescoço”—, o tribunal maior do país
não resistiu e sucumbiu.
Trilhou
o caminho do julgamento eminentemente político, mesmo sendo uma Casa
eminentemente técnica, ainda mais em questões penais.
Tal
escolha impede o fortalecimento dos princípios constitucionais fundamentais, o
que se daria com o sopesar dos direitos e garantias legais do Estado e dos
cidadãos, no lugar de um julgamento em que se aceitou condenar sem provas.
Soou
ser mais importante dar uma explicação à “opinião publicada” — não qualquer
explicação, mas a única esperada, a condenação. Como se a impunidade não
estivesse presente em justas absolvições.
Nessa
esteira, cometeu-se toda a sorte de inovações jurídicas: do ineditismo de um
julgamento com dezenas de réus sem a possibilidade de duplo grau de jurisdição
à utilização parcial de uma teoria jurídica para a dispensa de provas, na qual
o próprio autor apontou equívocos de interpretação em sua adoção.
Os
vários réus julgados coletivamente, ainda que com direito a outros foros,
serviam à composição de um julgamento complexo, ampliando os espaços para
decisões contraditórias e imprecisas, em que o ônus da prova cabia ao acusado,
não ao acusador. Foi o que se viu.
As poucas vozes dissonantes que tinham espaço na grande mídia não hesitaram. “Dado que uma das peculiaridades do julgamento foi o valor especial das ilações e deduções, para efeito condenatório”, escreveu o colunista Jânio de Freitas, que pautou suas intervenções nas ponderações sobre o que se estava ocultando no processo.
As poucas vozes dissonantes que tinham espaço na grande mídia não hesitaram. “Dado que uma das peculiaridades do julgamento foi o valor especial das ilações e deduções, para efeito condenatório”, escreveu o colunista Jânio de Freitas, que pautou suas intervenções nas ponderações sobre o que se estava ocultando no processo.
Em
inúmeras outras manifestações públicas, a data e o cronograma do julgamento
foram criticados, por concorrerem, influírem e serem influenciadas pelo
processo eleitoral em curso.
Marcar o julgamento para o mesmo período que as eleições? A cautela e o desejo de isenção recomendariam ou antecipação, ou adiamento, para insular a Corte. Mas não: subverteu-se o bom senso para afirmar que a opção só reforçava o caráter isento que o julgamento deveria ter.
O comportamento do relator da AP 470 também foi aqui e ali criticado, muitas das vezes pelos próprios colegas, como se fosse sua visão “a única verdade possível”, ou como se o resultado do juízo feito por um colegiado não devesse ser alvo de contraditórios e divergências.
Forjou-se um herói nacional, não pelas massas e movimentos sociais, mas das letras e imagens midiáticas.
Assim, foi tratado com desprezo o fato de inexistir relação entre o voto parlamentar e o suposto ato da compra desse mesmo voto, pois isso derrubaria a tese central do chamado “Mensalão”.
Da mesma forma, preferiu-se fechar os olhos ao fato de que a natureza dos recursos utilizados na agência DNA Propaganda não era pública, contrariamente ao que propagou no decorrer do julgamento.
Foi menosprezado o documento do Banco do Brasil que nega o caráter público dos recursos, afinal, a Visanet é, de fato, uma empresa privada e multinacional, cuja sociedade é composta por 24 bancos.
Marcar o julgamento para o mesmo período que as eleições? A cautela e o desejo de isenção recomendariam ou antecipação, ou adiamento, para insular a Corte. Mas não: subverteu-se o bom senso para afirmar que a opção só reforçava o caráter isento que o julgamento deveria ter.
O comportamento do relator da AP 470 também foi aqui e ali criticado, muitas das vezes pelos próprios colegas, como se fosse sua visão “a única verdade possível”, ou como se o resultado do juízo feito por um colegiado não devesse ser alvo de contraditórios e divergências.
Forjou-se um herói nacional, não pelas massas e movimentos sociais, mas das letras e imagens midiáticas.
Assim, foi tratado com desprezo o fato de inexistir relação entre o voto parlamentar e o suposto ato da compra desse mesmo voto, pois isso derrubaria a tese central do chamado “Mensalão”.
Da mesma forma, preferiu-se fechar os olhos ao fato de que a natureza dos recursos utilizados na agência DNA Propaganda não era pública, contrariamente ao que propagou no decorrer do julgamento.
Foi menosprezado o documento do Banco do Brasil que nega o caráter público dos recursos, afinal, a Visanet é, de fato, uma empresa privada e multinacional, cuja sociedade é composta por 24 bancos.
Ademais,
o BB é sócio minoritário, sem jamais ter aportado dinheiro na Visanet, o que
desfaz a compreensão adotada pelo STF. Também se ignorou o fato de que uma
auditoria pública feita pelo BB não encontrou irregularidades nas contas do
fundo Visanet.
Mas
o mais aviltante foi verificar a divergência na utilização da teoria do domínio
do fato. Tal teoria, escolhida para me condenar sem provas, serviu para
sustentar o argumento de que minha posição à época não permitia que se tivessem
cometidos crimes sem meu conhecimento.
Isso aos olhos de parte dos ministros do STF, pois, para o autor dessa mesma teoria, o jurista alemão Claus Roxin, “o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade” e “a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, pois “o mero ter que saber não basta”.
Isso aos olhos de parte dos ministros do STF, pois, para o autor dessa mesma teoria, o jurista alemão Claus Roxin, “o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade” e “a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, pois “o mero ter que saber não basta”.
Roxin
reafirmou o ululante: para condenar, há que haver provas!
Costuma-se
dizer que decisão judicial não se discute, cumpre-se. De fato, devem ser
cumpridas, sob pena de caos institucional. Mas, sempre que se entender
apropriado, devem ser discutidas. Contestadas, criticadas e, se possível, corrigidas.
Pois é isso que faz toda instituição crescer e vicejar — inclusive o
Judiciário, que não é um Poder absoluto.
Não
será esta a primeira vez que minha fibra e a firmeza de minhas convicções e
lutas serão postas à prova.
Já
disse outrora que entrei e saí do governo sem patrimônio, sem praticar qualquer
ato ilícito ou ilegal, seja na condição de dirigente do PT, seja na de
parlamentar ou de ministro de Estado.
Minha condenação se dá sem provas e a má aplicação da teoria do domínio do fato não apagará isso.
Minha condenação se dá sem provas e a má aplicação da teoria do domínio do fato não apagará isso.
Como
nas vezes anteriores, seguirei lutando. Para provar minha inocência e para que
sigam acesas as chamas dos ideais e sonhos que ajudei a construir, a
compartilhar, a defender e a realizar, dentro e fora do governo.
Após
o ano da concretização de uma farsa, que 2013 seja o ano do ressurgimento da
verdade.
José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.
José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.

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