Os brasileiros no exterior que
acompanham o noticiário brasileiro pela internet têm a impressão de que o país
nunca esteve tão mal. Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia,
a inflação está de volta, e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que
querem nos fazer crer as redações jornalísticas do eixo Rio-São Paulo. Com seus
gatekeepers escolhidos a dedo, Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e O
Globo investem pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o
governo da presidenta Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do
ex-presidente Lula da Silva. Até aí nada novo.
Tanto Lula quanto Dilma sabem que
a mídia não lhes dará trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma
Cristina Kirchner de levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios
de comunicação e redistribua as verbas para o setor.
Pelo contrário, a Polícia Federal
segue perseguindo as rádios comunitárias e os conglomerados de mídiaGlobo/Veja celebram
os recordes de cotas de publicidade governamentais. O PT sofre da síndrome de
Estocolmo (aquela na qual o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o
exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de
um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das
duas administrações petistas em São Paulo.
O que chama a atenção na nova
onda conservadora é o time de intelectuais e artistas com uma retórica que
amedronta. Que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso use a gramática
sociológica para confundir os menos atentos já era de se esperar, como é o caso
das análises de Demétrio Magnoli, especialista sênior da imprensa em todas as
áreas do conhecimento.
Nunca alguém assumiu com tanta
maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto Magnoli:
especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo, movimentos
sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional… Demétrio
Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior, ainda que
seus artigos não resistam a uma análise crítica.
Agora, a nova cruzada moral
recebe, além dos já conhecidos defensores dos “valores civilizatórios”, nomes
como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia
ser canalizada para causas bem mais nobres se ambos não se deixassem cativar
pelo canto da sereia. Eles assumiram a construção midiática do escândalo, e do
que chamam de degenerescência moral, com o fato. E, porque estão convencidos de
que o país está em perigo, de que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e
de que o PT deve ser extinguido para que o país sobreviva, reproduzem a
retórica dos conglomerados de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem
tanto nos inspirou com sua imaginação literária.
Ferreira Gullar e João Ubaldo
Ribeiro fazem parte agora daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade
científica a uma insidiosa prática jornalística que tem na Veja sua
maior expressão. Para além das divergências ideológicas com o projeto político
do PT – as quais eu também tenho –, o discurso político que emana dos
colunistas dos jornalões paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os
mais sofisticados sugerem que a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula
cometa suicídio; os menos cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de
imobilizá-lo. Os leitores de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com
comentários irreproduzíveis aqui.
Quais os limites da retórica de
ódio contra o ex-presidente metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel
político, a sua condição nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das
elites? Como figuras públicas tão preparadas para a leitura social do mundo se
juntam ao coro de um discurso tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido
pelos colunistas de sempre? Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada
abertamente – e a morte simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos
desumanizadores – estaríamos inaugurando uma nova etapa no jornalismo
lombrosiano?
Para além da nossa condenação aos
crimes cometidos por dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos
de Demétrio Magnoli , Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat, Merval Pereira, Dora
Kramer, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Cantanhêde, além dos que agora
se somam a eles, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e
estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente
de “padrões de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados
nas disciplinas de ontologia jornalística não apenas com os exemplos concretos
da falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como
sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma
economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas
inquisitoriais vendidas como de interesse público.
O chamado “mensalão” tem recebido
a projeção de uma bomba de Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus
gatekeepers estejam ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem! Tamanha
diligência não se viu em relação à série de assaltos à nação empreendidos no
governo do presidente sociólogo!
A verdade é que o “mensalão”
surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas
palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu
papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente
metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o
projeto da elite “sudestina” ao Palácio do Planalto.
Minha esperança ingênua e utópica
é que o Partido dos Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas
de refundação do país abandonadas com o acordo tácito para uma trégua da mídia.
Não haverá trégua, ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a
corroborar com o lobby da Folha de S. Paulo pela lei dos
direitos autorais, ou que o governo Dilma continue derramando milhões de reais
nos cofres das organizações Globo e Abril via publicidade oficial. Não é o PT,
o Congresso Nacional ou o governo federal que estão nas mãos da mídia.
Somos todos reféns da meia dúzia
de jornais que definem o que é notícia, as práticas de corrupção que merecem
ser condenadas, e, incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais
alta corte de Justiça do país. Na última sessão do julgamento da Ação Penal
470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada
do voto do ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se
transformou na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da
punição exemplar vai sendo sancionado.
Depois de cinco anos morando fora
do país, estou menos convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo
em minhas mãos. Por outro lado, estou mais convencido de que estou melhor
informado sobre o Brasil assistindo à imprensa internacional. Foi pelas
agências de notícias internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de
que a política externa do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema
padrão na cobertura jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo
político do Brasil na mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu
atenção muito mais generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na
mídia nacional. Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto
receber o título de doutor honoris causa em instituições européias, e
avisei-lhes que por causa da política soberana do governo do presidente
metalúrgico, ser brasileiro no exterior passou a ter uma outra conotação. O
Brasil finalmente recebeu um status de respeitabilidade e o presidente nordestino
projetou para o mundo nossa estratégia de uma América Latina soberana.
Meus amigos no Brasil são
privados do direito à informação e continuarão a ser porque nem o governo
federal nem o Congresso Nacional estão dispostos a pagar o preço por uma “reforma”
em área tão estratégica e tão fundamental para o exercício da cidadania. Com
70% de aprovação popular, e com os movimentos sociais nas ruas, Lula da Silva
não teve coragem de enfrentar o monstro e agora paga caro por sua covardia. Terá
a Dilma coragem com aprovação semelhante, ou nossa meia dúzia de Murdochs
seguirão intocáveis sob o manto da liberdade de e(i)mprensa?
Jaime Amparo Alves é
jornalista, doutor em Antropologia Social, Universidade do Texas em Austin – amparoalves@gmail.com

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