Paulo
Bernardo: Destruindo a comunicação pública
Quando o tema é comunicação, o governo Dilma, tão progressista em
algumas áreas, converte-se no Mr.Hyde de si mesmo. Se a metáfora de “O Médico e
o Monstro” pode ser aplicada a qualquer indivíduo ou instituição, em virtude da
inevitável dialética do ser, o problema das políticas públicas de comunicação
social é que elas agem sobre o que há de mais nobre e mais duradouro numa
sociedade: o espírito, a cultura, os valores, a moral.
A noção de que o Estado não deve participar do complexo processo
político da comunicação embute a grande farsa liberal do Ocidente, que protege
(hoje, nem tanto) as liberdades domésticas mas patrocina guerras e golpes em
outros países para impor sua própria agenda de comunicação.
É o caso do Brasil.
O golpe de Estado de 1964 foi preparado com recursos financeiros,
apoio logístico, suporte político e diplomático, do governo americano. Os
estudos sobre seus preparativos junto à opinião pública, como o que fez René
Armand Dreifuss (em “1964, A Conquista do Estado”), incluem sempre, além disso,
as agências de publicidade norte-americanas.
Terminado o golpe, as empresas de mídia, pequenas, médias e
sobretudo, as grandes, que o apoiaram, estavam mais fortes, mais ricas, mais influentes,
e com grande público. As que se insurgiram contra a ditadura, destruídas. A
mesma coisa vale para o concentrado setor de publicidade. As agências que
protegiam os interesses norte-americanos expandiram-se durante a ditadura. As
que não o defenderam, deixaram de existir.
Daí vem a democracia, trazendo com ela uma profunda crise
econômica. Os anos 80 foram chamados, no Brasil, de década perdida. Os anos 90,
por sua vez, começam num pesadelo e terminam com uma ilusão. A “estabilidade”
do Plano Real vem junto com explosão dos juros, da dívida pública, da carga
tributária, do desemprego; redução brutal das exportações; e desmantelamento da
indústria. Um ambiente não muito propício, como se vê, para o florescimento de
novos empreendimentos de mídia.
Em virtude desse histórico, é uma afronta ao bom senso que a
Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) pretenda
instaurar critérios puramente “técnicos” na distribuição dos recursos federais.
Ou seja, todos aqueles gigantes que se deram bem na ditadura, silenciaram sobre
a tortura e sambaram sobre o cadáver da nossa democracia, ganham um troféu do
governo.
É como se, terminada a II Guerra, o governo alemão resolvesse
distribuir suas verbas publicitárias para o canal com maior público, ou seja,
independente se fosse nazista ou não.
Não quero rechaçar os critérios técnicos. Entendo perfeitamente
que a Secom precise deles. Mas eles precisam ser equilibrados pelo bom senso,
pela compreensão das circunstâncias históricas, e pelo princípio do pluralismo.
É preciso entender qualquer órgão de mídia como um agente político. O mito da
imparcialidade deve ser enterrado bem fundo, porque é a maior mentira do
pós-modernismo brasileiro.
Não é justo que o governo direcione mais da metade dos recursos
publicitários para as Organizações Globo. E não só isso. É uma questão de
acúmulo. Se uma empresa recebe R$ 500 milhões num ano, isso a ajuda a se
fortalecer e se posicionar no mercado, facilitando a captação de anúncios
privados. Se a mesma empresa recebe R$ 500 milhões durante um longo período de
tempo, ela se torna uma potência, com poder de engolir seus concorrentes
menores. A própria Secom informa que a Globo recebeu mais de R$ 6 bilhões em
publicidade federal apenas nos últimos 10 anos.
Eu moro no Rio de Janeiro, onde o Globo, além de quebrar seus
concorrentes locais, também engoliu todos os jornais de bairro. Ou seja, a
segunda maior cidade do país vive o mais absoluto monopólio midiático no
segmento de jornalismo de opinião, o que evidentemente nos causa um enorme dano
cultural. Mesmo São Paulo vive uma situação melhor, porque tem dois jornais. Os
dois são conservadores, mas são dois, concorrentes entre si, e um sempre pode
divulgar uma atividade cultural com receio de que o outro o faça antes. Aqui no
Rio, nem isso.
As maldades na área de comunicação, porém, vão além do cínico
tecnicismo da Secom. Um amigo que trabalha no Senado me liga para pedir auxílio
numa quixotesca luta para salvar a Voz do Brasil, o programa radiofônico
público mais antigo do país. Senado e Câmara aprovaram a flexibilização do seu
horário, o que, na prática, o jogará para as horas mais vazias da noite,
esvaziando-o completamente.
Mais uma vez, o lobby dos grandes grupos de mídia venceu.
O meu amigo informa, contudo, que há uma chance: a equipe do
senador Roberto Requião (sempre ele) escreveu um Projeto de Lei “tombando” a
Voz do Brasil, incluindo aí o seu horário. Essa lei anularia a outra. O projeto
foi parar nas mãos da senadora Ana Rita (PT-ES), mas esta foi orientada,
segundo meu amigo, pelo Ministério das Comunicações, a bloquear o projeto como
inconstitucional.
A equipe do Requião insiste com ela de que o projeto é
perfeitamente constitucional, e a situação agora está nesse impasse.
Segundo minha fonte, a maioria dos deputados, sobretudo do baixo
clero, é a favor da Voz do Brasil, porque é o único meio pelo qual podem expor
seus projetos ao grande público nacional, mas têm medo de se manifestar em
virtude do lobby dos grandes grupos. Mas se o projeto – de tombamento da Voz do
Brasil – for a votação, ele tem chances de ser aprovado, e teremos salvo um bem
público.
Por fim, há ainda uma outra “maldade” em curso: o Ministério das
Comunicações tenta acabar com as rádios AM. Como todas as rádios serão
digitalizadas, Paulo Bernardo defende a conversão de todas para FM, ao invés de
criar também uma faixa digitalizada para AM, como existe em tantos lugares do
mundo. A medida, porém, significaria o fim da maioria das pequenos rádios AM,
em função da necessidade de equipamentos mais caros. Será mais um golpe contra
a pluralidade informativa no país.

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