Shamus Cooke, Counterpunch
Para presidente que está
executando a “guerra ao terror” de Bush contra a Al-Qaeda e “forças
associadas”[1], parece estranho que o presidente Obama tenha escolhido para
alvo de ‘mudança de regime’ o governo secular sírio.
Igualmente estranho é que o mais
forte aliado militar de Obama em solo sírio – a força combatente mais efetiva
contra o governo sírio – seja a Frente Jabhat al-Nusra, grupo que já se
declarou afiliado da al-Qaeda e que luta para converter a Síria em estado
extremista islâmico, sob uma versão fundamentalista da lei da Xaria.
É difícil saber exatamente como
al-Nursa recebeu suas armas, mas não é difícil supor, com boas chances de
acertar. Por exemplo, o New York Times explicou em detalhe como a CIA está
pondo em prática uma massiva operação de tráfico de armas que já canalizou milhares
de toneladas de armas da Arábia Saudita e Qatar, para a Síria:
“O papel da CIA na facilitação
dos embarques [de armas] deu aos EUA um certo grau de influência sobre o
processo [de distribuição das armas] (...) Funcionários norte-americanos confirmaram
que altos funcionários da Casa Branca são regularmente informados sobre os
embarques [das armas].[2]
Para onde essa massiva operação
de tráfico de armas encaminha as armas? Questão importante a investigar é:
quais os ‘rebeldes’ que recebem armas na Síria e quais não recebem? O Guardian
noticia:
“Tema recorrente é a falta de
armamento e de outros recursos, no Exército Sírio Livre, comparada à fartura
que se vê na [jihadista] Jabhat al-Nusra (...) ‘Se você se junta à Frente
al-Nusra, sempre há uma arma à sua disposição, mas as brigadas do Exército
Sírio Livre não conseguem nem balas para seus combatentes’ (...) 3 mil homens
do Exército Sírio Livre já se juntaram à Frente al-Nusra nos últimos poucos
meses, sobretudo por causa da falta de armas e munição (...). Os combatentes da
Frente al-Nusra raramente recuam por falta de munição (...).”[3]
Embora seja difícil saber se as
armas traficadas pela CIA vão diretamente ou indiretamente para a Frente
al-Nursa, é extremamente provável que as armas estejam sendo entregues
diretamente em mãos de primos ideológicos da al-Nursa, porque já se sabe que os
‘rebeldes’ sírios estão hoje sob completo controle dos extremistas islamistas.
Por exemplo, quando a revista
Economist publicou um perfil dos mais importantes grupos que lutam na Síria
[“Who’s Who in the Syrian Battlefield”/Quem é quem no campo de batalha na
Síria[4]], constataram, com lástima, que o único grupo não islamista importante
estava nas áreas curdas, que é zona virtualmente autônoma. Quando ao grupo combatente
secular apoiado pelos EUA, chamado “Supremo Comando Militar”, a revista
Economist teve de conceder que “na prática, tem mínimo controle em campo”. E
não esqueçamos que a Economist trabalha incansavelmente a favor de intervenção
militar, por EUA-OTAN, na Síria!
Também o New York Times confirmou
que os extremistas controlam completamente todo o campo ‘rebelde’:
“Em lugar algum, da parte da
Síria controlada pelos rebeldes, vê-se qualquer força secular cuja presença se
deva registrar.”[5]
Assim se vê que essa minoria de
combatentes seculares não estão no controle da guerra civil e não chegarão ao
poder, caso Assad seja derrubado. Em vez disso, sem Assad, os revolucionários
sírios honestos cairão imediatamente vítimas de extremistas, os quais, também imediatamente,
tratarão de livrar-se de seus aliados de antes.
Vê-se agora claramente que a
política externa de Obama para a Síria está incentivando ativamente o
terrorismo. Várias das áreas ainda controladas pelos ‘rebeldes’ na Síria são
hoje paraísos seguros para terroristas, e tem havido centenas de atentados
terroristas contra o governo sírio, muitos dos quais contra áreas civis.
Enquanto os EUA fazem chover
armas nas áreas controladas por jihadistas, os EUA também fingem não ver as
atrocidades cometidas pelos seus ‘rebeldes’, que são fartamente documentadas em
Youtube, documentação que inclui uma multidão de crimes de guerra, degola,
execução de grupos de prisioneiros, limpeza étnica[6] e o recente episódio em
que um afamado comandante ‘rebelde’ faz-se filmar quando mutila o cadáver de um
soldado sírio e come-lhe o coração.[7]
Ao minimizar a barbárie, o
governo Obama afirma e comprova que continuará, posto que os extremistas estão
sendo fortalecidos pelo apoio dos norte-americanos e protegidos pela imprensa-empresa
nos EUA, contra quaisquer pressões, inclusive políticas, internacionais.
Uma pergunta que a
imprensa-empresa norte-americana nem pensa em propor é: De onde vêm esses
extremistas islamistas e por que estão na Síria? A oposição sunita dentro da Síria
sempre foi, historicamente, moderada. Deve-se concluir que os extremistas não
são sírios: são estrangeiros.
A fonte ideológica de todo aquele
extremismo são figuras religiosas da Arábia Saudita e aliados, que usam o Islã
como ferramenta política para agredir nações “não amigas” da Arábia Saudita e
dos EUA. O mais claro exemplo disso, no que tenha a ver com a Síria, foi a
Fatwa (uma declaração religiosa oficial, com peso de lei) lançada por 107
doutores islamistas[8] que denunciam o governo sírio e ordenam que os
muçulmanos lutem contra ele. É declaração que estimula a jihad, embora a
palavra não seja explicitamente citada. A declaração conclui:
“É dever de todos os muçulmanos
apoiar os revolucionários na Síria [contra o governo sírio] (...), para que
completem com sucesso sua revolução e alcancem seus direitos e sua liberdade.”
A hipocrisia dessa declaração é
quase patente demais: os muitos sauditas que assinam o documento e clamam por
“liberdade” na Síria, não clamam por qualquer liberdade na Arábia Saudita, de
longe o país do mundo onde há menos liberdades.
Com a Arábia Saudita e o Qatar a
fornecer armas aos ‘rebeldes’ sírios – com a ajuda da CIA – os religiosos
sauditas ligados ao regime saudita dão-lhes apoio religioso/político, ao mesmo
tempo em que desencaminham levas e levas de muçulmanos devotos a marchar contra
a Síria para atacar um país de muçulmanos. Assim inventam gigantescas divisões
sectárias, como já se veem, em todo o mundo islâmico.
A vasta maior parte desses
confrontos sectários estão sendo exportados pela Arábia Saudita, que financia
escolas islamistas radicais em todo o Oriente Médio, para as quais atraem os
miseráveis de todos os países da Região, oferecendo-lhes alguns serviços
sociais básicos inexistentes nos países onde implantam suas escolas, porque os
respectivos governos não podem – ou não querem – oferecê-los. Há capítulo muito
informativo sobre essa dinâmica, no excelente livro de Vijay Prashad, A
People’s History of the Third World/Uma história do povo do terceiro mundo.
Atualmente, os países liderados
por EUA-OTAN discutem se devem ou não armar com armamento sofisticado os
‘rebeldes’ extremistas que dominam porções do território sírio. O governo Obama
está pressionando a União Europeia[9] para que levante o embargo à venda de
armas para a Síria, de modo que nova catarata de armas possa desabar sobre o
país (aparentemente, as operações da CIA ainda não afogaram completamente a
Síria, com suas armas).
Em resposta à questão de
“levantar o embargo”, Oxfam respondeu com inteligência:
“Enviar armas para a oposição
síria não nivelará o teatro de guerra. Em vez disso, criará hordas de
extremistas armados até os dentes, cujas vítimas são os civis sírios. Nossa
experiência de outras zonas de conflito ensina que essa crise só se aprofundará
e se estenderá no tempo, se mais e mais armas chegarem ao país.”[10]
Um diplomata da União Europeia
retrucou com firmeza, ao ouvir a declaração do governo Obama, de que podia
assegurar que as novas armas não cairiam “em mãos erradas” na Síria:
“Seria o primeiro conflito em que
alguém diz que estaria criando a paz, fornecendo cada vez mais armas. Se pensam
que sabem até onde as armas chegarão, seria a primeira guerra da história em
que alguém saberia antecipadamente. Já aconteceu na Bósnia, no Afeganistão e no
Iraque. Armas não somem. E elas sempre reaparecem onde haja alguém interessado
nelas.”[11]
Na Síria, todos os que se
interessam por manter o conflito interessam-se por mais armas. Outra vez, em
primeiro lugar, os extremistas da Frente al-Nursa, reconhecidos como a força
mais efetiva dentre as que combatem contra o governo sírio: as armas irão
diretamente, portanto, para eles.
Obama já levou a píncaros da mais
completa irracionalidade a ideia segundo a qual “o inimigo do meu inimigo é meu
amigo”. Ao fazê-lo ajuda a produzir uma nova geração de extremistas islamistas
que alimentarão para sempre a “guerra ao terror” inventada pelos EUA. A real
intenção da Guerra ao Terror não é conter terroristas, mas destruir os
estados-nação que se opõem à política externa dos EUA: Iraque e Líbia – como a
Síria – eram países sob governos seculares, quando foram invadidos; o
Afeganistão foi invadido, apesar de a vasta maioria dos envolvidos nos ataques
de 11/9 serem da Arábia Saudita. Nunca houve problemas de terrorismo no Iraque,
antes da invasão norte-americana. Tampouco jamais houvera problemas de
terrorismo na Síria, antes de entrarem em cena os ‘rebeldes’ apoiados pelos
EUA.
É absolutamente óbvio para muitos
norte-americanos, que Síria e Irã estão no topo da lista-de-matar de Obama:
muito acima, como prioridade, que qualquer grupo terrorista. Por isso Obama
tolera os terroristas que agem hoje dentro da Síria. Obama os está usando como
ferramenta contra os alvos reais: a Síria e, em seguida, o Irã.
O povo sírio tem o direito de
decidir, ele mesmo, sobre o próprio futuro. Os EUA são irremediavelmente
incapazes de ‘ajudar’ alguém, usando meios militares. Para prová-lo, aí estão,
dolorosamente, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia. O movimento global antiguerra
tem de exigir: “EUA, fora da Síria!”
************************************************
[1] Sobre o discurso de Obama, essa semana, ver 27/5/2013, “Pink Code a
Obama (na lata): ‘Seus drones aumentam a insegurança nos EUA!’”, The Real News
Network, trechos do discurso em vídeo e comentários, traduzidos, em
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/pink-code-obama-na-lata-seus-drones_27.html
[NTs].
[2] 24/3/2013, em
http://www.nytimes.com/2013/03/25/world/middleeast/arms-airlift-to-syrian-rebels-expands-with-cia-aid.html?hp&_r=3&
[3] 8/5/2013, http://www.guardian.co.uk/world/2013/may/08/free-syrian-army-rebels-defect-islamist-group
[4] [4]
http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2013/05/daily-chart-12
[5]
http://www.nytimes.com/2013/04/28/world/middleeast/islamist-rebels-gains-in-syria-create-dilemma-for-us.html?pagewanted=2&_r=2&hp&
[6]
http://www.nytimes.com/2012/08/04/opinion/syrias-crumbling-pluralism.html?_r=5&
[7]
http://www.presstv.ir/detail/2013/05/13/303319/syria-rebel-cuts-eats-soldiers-heart/
[8] http://www.islam21c.com/fataawa/2407-fatwa-on-syria-by-107-scholars
[9] http://www.guardian.co.uk/world/2013/may/22/syria-arms-embargo-rebels
[10]
http://www.guardian.co.uk/world/2013/may/22/syria-arms-embargo-rebels?guni=Network%20front:network-front%20main-3%20Main%20trailblock:Network%20front%20-%20main%20trailblock:Position5

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