Eles são responsáveis pelo corredor polonês?
Não foi por explosão espontânea que os médicos cearenses
chamaram seus colegas cubanos de "escravos, escravos!"; o ódio, a
violência e o preconceito demonstrados na noite da segunda-feira 26 foram
atitudes disseminadas, a partir do conforto das redações da mídia tradicional,
por três colunistas; Reinaldo Azevedo, em Veja, foi o primeiro a chamar os
visitantes de "escravos"; Eliane Cantanhêde, na Folha, acrescentou
que viajariam ao Brasil em "aviões negreiros"; Augusto Nunes, do Roda
Viva, chamou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de "princesa Isabel
às avessas"; assim como não existiria o nazismo sem o Mein Kampf, de
Hitler, o corredor polonês de Fortaleza não ocorreria sem os jornalistas que
gravaram no imaginário dos médicos o rebaixamento completo dos cubanos; nessa
toada, a próxima pregação será "lincha, lincha!"?
Brasil 247 – O que move o mundo são as ideias. Para frente
ou para trás. A instalação do nazismo, na Alemanha dos anos 1930, foi precedida
pela publicação do ideário de Adolf Hitler, o livro Mein Kempf. Na China
comunista, Mao Tsé-Tung tinha o seu Livro Vermelho, de leitura obrigatória nas
escolas. De ambos nasceram ideologias totalitárias, cegas aos direitos humanos,
avessas à diversidade, pregadoras da violência.
Hoje, no Brasil, o conjunto dos ideais disseminados por
alguns dos mais conhecidos colunistas da mídia tradicional aponta para um
caminho análogo, sem volta, de interdição do debate, aviltamento do adversário,
exclusão do diferente. Corteja o totalitarismo já superado pela sociedade
brasileira.
"Escravos, escravos!". A palavra de ordem dos
médicos cearenses contra seus colegas cubanos, que se preparavam para receber
as primeiras noções sobre que Brasil é esse que eles vieram apoiar, não foi
gritada por acaso. Essa figura foi gravada no imaginário coletivo dos médicos
cearenses – e pode estar se multiplicando em outras regiões brasileiras – por
três, em particular, colunistas adulados na mídia tradicional. Do conforto de
suas redações, Reinaldo Azevedo, primeiro, classificou em Veja os médicos
cubanos, cujo trabalho é elogiado em todo o mundo no qual eles atuam em
programas do tipo Mais Médicos, da Finlândia à África, de "escravos".
Na Folha, a decana Eliane Cantanhêde disse que os profissionais viajariam em
"aviões negreiros". Augusto Nunes, para não ficar atrás, escreveu em
seu blog que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, se tornou uma
"princesa Isabel às avessas". Todos, em exceção, com a mesma imagem
de degradação do ser humano.
Não ocorreu à trinca de colunistas circunscrever suas
diatribes ao irmãos Castro, Fidel e Raúl, ou a Karl Marx e Frederic Engels, os
grande teóricos do comunismo. Não. Eles pularam na jugular de cada um e de
todos os médicos cubanos que atenderam, sob supervisão da Organização
Panamericana de Saúde, ao chamamento oficial do governo brasileiro.
Na leitura de Azevedo, Eliane e Nunes, depreende-se que eles
são "escravos" porque merecem. Vivem em Cuba por são covardes para
enfrentar a sua ditadura. Percorrem o mundo para agirem como arautos do
socialismo, espiões à luz do dia, propagandistas de uma ideologia ultrapassada.
Nenhuma linha sobre o trabalho que os médicos cubanos desempenharam no Haiti
pós terremoto que devastou o país em 2010, classificado de
"maravilhoso" por seus colegas de primeiro mundo (finlandeses). Nada
sobre a ação pacificadora na África, na década de 1970. Nenhuma referência ao
mundialmente exemplar programa de medicina da família executado dentro da
própria Cuba, que por este tipo de expediente tem um Índice de Desenvolvimento
Humano maior que o do Brasil. Zero.
Igualmente, os três colunistas não comentaram sobre os
médicos de outros países – Espanha, Portugal, Argentina, Itália – que
igualmente aceitaram a proposta do governo brasileiro para preencher vagas que
os médicos brasileiros recusaram – com salários de R$ 10 mil por mês. Afinal,
por que entrar em questões mais complexas para análise, se o mais importante é
se divertir pela humilhação aos cubanos?
Sabe-se que, por este tipo de posicionamento rasteiro, a
mídia tradicional está se afogando pela soma de dívidas demais e leitores de
menos. Mas guarda-se ainda, é claro, um tipo de influência muito útil os
momentos mais intensos de polaridade ideológica. Nessas horas, diante de
programas como o Mais Médicos, que, efetivamente, podem mudar para melhor o
padrão de atendimento de saúde nos rincões do País. Os mesmos rincões que não
recebem médicos desde seu desbravamento.
Os três colunistas poderiam usar seus espaços para discutir,
porque, afinal, a chamada classe médica jamais, em tempo algum, como um todo,
voltou seus esforços para o Brasil real. A orientação da medicina brasileira é
cobrar, e caro, pelo menor atendimento. Os médicos querem os grandes hospitais,
jamais os pequenos pronto-socorros. Podia-se alegar, até aqui, que faltava
incentivo para o avanço pelas artérias do País, mas agora não há mais. A
remuneração oferecida pelo governo superou todas as expectativas. O programa
Mais Médicos, por outro lado, nada mais é que uma cópia escarrada do que já
existe em diferentes partes do mundo, notadamente nos países mais avançados,
como Inglaterra e Alemanha. Lá como cá foi preciso importar profissionais para
superar carências. O que fazer, então, para dizer que o Mais Médicos não
presta?
Ocorreu aos três colunistas chamarem os cubanos –
esquecendo-se de todos os outros – de escravos. Uma distorção não apenas da
situação que eles vivem em Cuba, mas uma covardia contra cada um e todos os
integrantes do grupo recém-chegado. A opção foi criar um clima hostil, de
guerra, de oposição total e completa à presença deles aqui. Viraram a mira de
seus canhões para os mais fracos e indefesos.
Após chamar os profissionais de escravos, restará aos
colunistas continuar o linchamento moral sobre eles. Poderia, como Gandhi ou
Luther King, atuarem pela conciliação entre o homens, mas se inspiraram em
Hitler e Mao para disseminarem o ódio.

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