À memoria de Mercedes
Urriolagoitia
e Ligeia Balladares.
Cartoon de Quino.
Propósitos.
Nas economias neoliberais
latino-americanas o fetichismo inerente à forma mercadoria assume uma
profundidade que talvez surpreendesse teóricos como Veblen e o próprio Max. A
inversão e alienação fetichista observam-se, muito especialmente, no caso de
alguns bens de consumo pessoal. Na actualidade, uma parte importante do gasto
em consumo das famílias aplica-se na compra de bens não devido ao seu valor de
uso intrínseco e sim do seu significado social. O televisor, o automóvel, o
telemóvel, os sapatos, etc compram-se não pela sua utilidade natural e sim
pelos "poderes mágicos" que lhe são atribuídos em termos de ascensão
e nível social. Este fenómeno de arrivismo enfermiço está muito associado às
bases estruturais do estilo neoliberal. Nas notas que se seguem, tentamos
delinear seus traços e fundamentos. Apoiámo-nos na experiência chilena – aquela
que se considera a manifestação com mais êxito do neoliberalismo
latino-americano – mas o fenómeno reproduz-se em termos semelhantes no Brasil,
na Colômbia, no México (na parte norte do país assume traços quase delirantes),
etc. Projecta-se como ideologia para consumo da classe média e opera como um
dos pilares que afirma e sustenta os regimes neoliberais. [1]
II
No padrão de acumulação
neoliberal o poder hegemónico é exercido pelo capital financeiro-especulativo.
Este, por suas características intrínsecas (é um capital improdutivo e
parasitário), tende a propagar por toda a estrutura social seu estilo de
enganos e armadilhas. Em resumo, gera um forte impulso à decomposição moral.
Além disso, como obstaculiza o investimento produtivo, o modelo neoliberal
associa-se a um baixo crescimento do PIB e da produtividade do trabalho. O que,
por sua vez, determina uma capacidade muito fraca para gerar empregos. Com
isso, o número de pessoas que não encontra trabalho vai crescendo em termos
absolutos e relativos. Aumenta o desemprego mas, sobretudo, cresce a
marginalidade: ocupações improdutivas, venda ambulante, actividades ilícitas,
etc. Com isso, a decomposição moral também começa a estender-se para baixo.
Um terceiro traço deduz-se da
distribuição muito desigual do rendimento (e do património) que tipifica as
economias neoliberais. A taxa de mais-valia muito alta vai associada a um alto
peso do excedente económico no rendimento nacional. [2] Sob tais condições,
surge o problema de como realizar o excedente. Ou seja, como transformar os
produtos-mercadorias que integram o produto excedente em dinheiro contante e
sonante. Como regra, num quadro neoliberal, o principal expediente que se
utiliza para resolver o problema de realização, engendrado pela alta taxa de
mais-valia, é o gasto improdutivo – o qual passa a crescer em termos
exponenciais. Daí a perversa combinação que costuma caracterizar as
experiências neoliberais: junto a níveis insanos de exploração, um altíssimo
nível de desperdício.
O gasto improdutivo, entre outras
coisas, implica gastos militares, gastos de consumo capitalistas e gastos de
consumo de assalariados improdutivos. E também expansão dos gastos circulatórios:
propaganda, comércio, etc.
Junto a isso, e desempenhando um
papel decisivo, verifica-se o surgimento de campanhas ferozes para elevar a
propensão a consumir das famílias. Significativamente, o antigo afã puritano de
levar uma vida austera e de conseguir os maiores níveis possíveis de poupança
(factor muito destacado por Max Weber) é substituído pelo culto ao consumo mais
desenfreado. Como disse alguém certa vez, o lema que passa a imperar é o do
"compro, logo existo". Operam aqui, como num jogo de pinças, dois
factores chave: a) impressionantes
campanhas publicitárias e a penetração cada vez mais maciça dessa espécie de
princípio ou mandamento religioso: é
preciso estar de acordo com a moda e é preciso mudar a moda frequentemente, com
a maior celeridade possível; b) as facilidades creditícias que a banca concede
para os créditos ao consumo e que, na actualidade, abrange um universo de
consumidores potenciais de rendimento médio e baixo que antes não tinham nenhum
acesso ao sistema. O que desemboca numa relação entre dívida e rendimentos
familiares que vai subindo cada vez mais. Ou seja, perfila-se uma situação de
fragilidade financeira que se torna bastante perigosa para a estabilidade
financeira do sistema.
III
Como é perfeitamente evidente, na
actual sociedade chilena (e em outras como o Brasil e o México) impera uma
lógica mercantil que busca o lucro privado. Num sentido genérico, aplica-se a
lógica moral descrita por Adam Smith:
"não é a benemerência do talhante, do cervejeiro ou do padeiro o
que nos dá o alimento e sim a consideração do seu próprio interesse. Não
apelamos aos seus sentimentos humanitários e sim ao seu egoísmo, nem lhes
falamos das nossas necessidades e sim das suas vantagens". [3] Bentham era
ainda mais directo: "todo conjunto
de homens é regido totalmente pelo conceito do que é o seu interesse, no mais
estrito e egoísta sentido do vocábulo interesse; nunca por consideração alguma
no interesse do povo". [4] O traço mercantil provoca consequências
adicionais que devemos sublinhar. Neste caso, a relação com outros aparece
mediada pelas coisas-mercadorias, o que transcorre no espaço do mercado. Aqui,
se consigo vender minhas mercadorias, obtenho dinheiro e, por isso, o acesso
(via compras) a outras mercadorias. Com elas, posso subsistir como pessoa e
reproduzir à unidade de produção (empresa) que interesse. A transacção chave
que conecta as duas classes fundamentais do sistema reside na compra e venda da
força de trabalho. Se o trabalhador vende sua mercadoria força de trabalho,
obtém um salário e com ele passa a comprar os bens de consumo pessoal que
permitem a ele e sua família subsistirem. Mas não há nada a assegurar que essa
mercadoria força de trabalho vá ser vendida. Os números do desemprego (aberto e
disfarçado) mostram claramente a verdade desta situação. Por outras palavras, o
trabalhador assalariado vive durante toda a sua vida útil com "a corda no
pescoço", sem ter a segurança de poder vender sua mercadoria força de
trabalho. Para os capitalistas, problema também emerge: se as coisas lhe correm mal no mercado, se
não consegue vender em termos adequados, pode sofrer revezes sérios e inclusive
falir. Em resumo, a insegurança nas vendas traduz-se na insegurança da vida.
Neste sentido, afirma-se que a incerteza opera como uma característica
estrutural das economias de mercado, da capitalista em especial. Esta incerteza
traduz-se na angústia que costuma angustiar os agentes mercantis e que costuma
estender-se ao conjunto da vida social:
"desde o seu centro económico, a competição irradia-se para todas
as outras actividade e também satura o amor, as relações sociais e as
diversões". [5]
Isto, num sentido genérico. Mas
como se trata de um capitalismo neoliberal (e dependente), encontramos traços
mais específicos e peculiares.
No Chile, desde os tempos de
Alessandri Palma a seguir de Aguirre Cerda , até culminar com o governo de
Allende, foi-se forjando uma rede não pequena de políticas públicas que
procuravam impulsionar o crescimento industrial e, ao mesmo tempo, proporcionar
seguranças mínimas à força de trabalho: educação, saúde pública, programa de
segurança social, leis do trabalho, etc. Com isso, tentava-se amortecer a
incerteza e angústias já mencionadas. Neste sentido, a intervenção estatal
gerava certa segurança vital. Não a toda a população, mas sim a camadas médias
assalariadas e a trabalhadores da grande indústria.
Com a ascensão do neoliberalismo
(desde o golpe de Pinochet até agora), desmantelou-se totalmente esse sistema e
passou-se a funcionar com uma espécie de capitalismo descarnado, sem
cosméticos. Como além disso dissolveram-se aparelhos sindicais e perseguiu-se
os partidos de esquerda com sanha implacável, chegámos a uma situação de
desamparo total dos trabalhadores.
Ao acima descrito devemos acrescentar: 1) o neoliberalismo caracteriza-se por uma
criação lenta de ocupações produtivas. O que se traduz num aumento da taxa de
desemprego aberto e/ou num forte aumento dos empregos marginais; 2) o
neoliberalismo eleva a instabilidade da economia, o que se traduz no emprego,
que se torna volátil e instável; 3) emerge uma altíssima rotação dos
empregos: as pessoas duram menos nas
suas ocupações e mudam com muito maior frequência de um centro de trabalho para
outro. Para isso, as leis flexibilizadoras do trabalho ajudam
consideravelmente. Na actualidade, um patrão pode despedir seus operários com
grande facilidade e com custos mínimos; 4) expande-se a sub-contratação, o que
agrava ainda mais as condições do trabalho operário (salários, segurança, etc).
Na generalidade, chegamos a uma
situação em que o trabalho é mais incerto, mais instável, mais precário e pior
pago. Neste quadro, não se pode estranhar que a saúde mental dos chilenos haja
experimentado um grave retrocesso. [6]
As inseguranças e angústias que
assim se geram desembocam muitas vezes em atitudes neuróticas. [7] Estas
manifestam-se em condutas obsessivas que buscam, como pseudo-remédios ou
pseudo-calmantes, coisas como a fama, o êxito económico ou o poder. O que
talvez seja mais patético nestas condutas é que – na maioria dos casos – o que
se consegue são arremedos do poder, da fama e da opulência económica. Como
assinalou Vance Packard num livro clássico, quando um trabalhador da classe
média pode, após um grande esforço (e endividamento), comprar um automóvel na
moda, contempla seu longuíssimo automóvel e exclama: "Não somos ricos...
mas parecemos!" [8]
Claramente, o que se vai
perfilando é um gasto em consumo que já não busca as mercadorias pelo seu valor
de uso intrínseco e sim por suas qualidades simbólicas: as de exprimir um
determinado nível social.
IV
Neste contexto, cultiva-se com
força especial a novidade pela novidade. Não se trata de buscar este ou outro
novo que me permitam resolver estes ou aqueles problemas. O que interessa do
novo é que seja novo. Com o qual, supõe-se que essa pessoa ganha em prestígio
(estimação) social. Por exemplo: não se buscam sapatos porque sejam funcionais,
cómodos e duradouros. São buscados só porque são um modelo novo, no estilo que
se pôs na moda. E são comprado e usados, mesmo que sejam incómodos e dolorosos.
Quem se beneficia com este culto? São os fabricantes, que ganham em vendas e
preços. Em vendas pois conseguem multiplicar suas vendas: aquilo que é um sapato que pode durar 4-5
anos, deixa de ser usado depois de um par anos por ter passado de moda. Ganham
também em preços: aproveitando a febre
do novo, podem fixar preços mais elevados. Com os móveis e os equipamentos de
música, com os automóveis e os novos aparelhos de comunicação, acontecer algo
semelhante. Tudo isso gera um desperdício maior e personalidades alienadas que
chegam a parecer caricaturas. Em economias com péssima distribuição do
rendimento e sérios problemas de realização (isto é, de procura efectiva),
semelhante rota é praticamente inevitável. Diríamos que é condição de vida do
sistema. [9]
Essa lógica também invade o mundo
das ideias: há publicitários,
mercadólogos, jornalistas e até académicos que também procuram a novidade pela
novidade. Já não interessa a teoria tal ou qual pelo seu possível poder
explicativo e sim por ser "a última" que o mercado das ideias
apresenta. Neste caso, a alienação chega a extremos: passa-se a viver num mundo
frívolo em que os "pensadores" mudam de perspectivas teóricas como
quem muda de cuecas. Consequentemente, as grandes e mais valiosas construções
teóricas, que exigem sempre um estudo árduo e laborioso, são deixadas no
sótão: consomem muito tempo e não
alimentam as vaidades mediáticas e mercantis. [10] Como dizia um cronista da
televisão: "se as usar, meu
público fica adormecido". O que naturalmente não dizia é que esse público
havia sido muito bem adestrado no consumo de estupidezes, pelo mesmo meio
televisivo. Tão pouco podia dizer que tal difusão e consumo de estupidezes
acaba por ser vital para a reprodução da ordem social vigente.
Neste quadro, expande-se também
uma ideologia que se auto-qualifica como moderna e inovadora. E também com um
estilo um impulso anti-conservador: há que cultivar a mudança. A mensagem,
nestes termos, torna-se atraente. Mas o que é que se destrói e o que é o novo
que chega às nossas vidas? O que a experiência nos mostra é berrante: o que se
destrói hora a hora e dia a dia é o mais superficial e aparente, é a borbulha e
a externalidade, o rimmel dos olhos e a cor da gravata. Quanto ao substantivo,
isto é, os fundamentos do edifício social que regula nossas vidas, tudo isso
funciona como zona sagrada da qual nem se fala e que, naturalmente, permanece
intacta. O culto é bastante singular: prega-se o novo para preservar o velho,
impulsiona-se a mudança para evitar a mudança.
Implicitamente, em termos quase
sempre inconscientes, em tais atitudes opera um pressuposto: os fundamentos da
vida social são inamovíveis. Logo, a pretensão de fazê-lo é ingénua ou até
tonta. É, no melhor dos casos, própria de um minúsculo segmento da juventude
que leu demasiada poesia, que vive estagnada e acredita que com versos de
Gustavo Adolfo Bécquer se pode ir para a cama com a companheira do colégio.
V
Os processos indicados
verificam-se como parte (decisiva em todo caso) de um movimento que é complexo
e multilateral. Para nossos propósitos e por razões óbvias de espaço, basta-nos
sublinhar o fundamental.
Configura-se uma situação em que
se combinam: i) por um lado, uma ansiedade ou angústia muito profunda e
estruturalmente determinada; ii) pelo outro, anseios ou objectivos de vida que
implicam um arrivismo social desenfreado e claramente sem destino. Arrivismo
que opera pelo lado da imitação do consumo que se acredita conspícuo.
O arrivismo social, num sentido
muito geral, implica: 1) o desejo de
ser parte da classe alta: chegar ao cimo da escala social; 2) o desejo de isso
conseguir aceitando o regime social em vigor.
Vale aqui uma nota marginal: a
burguesia inglesa antes de Cromwell queria chegar ao poder. A francesa de antes
da Grande Revolução, também. Os referidos anseios materializaram-nos destruindo
com grande violência a ordem sócio-económica imperante. O arrivismo não
destrói. Muito pelo contrário, aceita a ordem em vigor e vê a sua classe
dominante como algo maravilhoso, como um modelo a seguir. As armas que se
utilizam para a possível integração não são os arcabuzes e sim a imitação.
No caso chileno observam-se
certamente ingredientes mais específicos. Neste caso, temos que: a) entende-se
ou acredita-se que a fama e o grande dinheiro (o "big money" de Dos
Passos, o financiador de Th. Dreiser ) são as provas de que se conseguiu. Ao
mesmo tempo, pensa-se que tais êxitos são os remédios que curam as angústias e
incertezas radicais; [11] b) o
arrivismo não segue o caminho do trabalho intenso, longo e consistente, no
estilo dos velhos puritanos (trabalhar arduamente e poupar muito) e dos
preceitos codificados por Benjamin Franklin. De resto, o mesmo clima que impera
nas alturas, hegemonizadas pelo capital financeiro e sua lógica económica
parasitária, coloca num segundo plano quase invisível o espaço da produção e do
trabalho que ali se verifica; c) durante
muito tempo propagandeou-se a noção de "capital humano": se você aumenta sua qualificação aumentará
seus rendimentos. Muitíssimos, fazendo um esforço oneroso, incorporam-se à
educação universitária. Muitos caem nas novas universidades privadas, recebem
uma péssima preparação e assumem uma dívida elevadíssima. No fim seus
rendimentos elevam-se (nem sempre), mas em termos decepcionantes; d) além disso, como o trabalho árduo não
rende, coloca-se toda a ênfase nos golpes de sorte. As pessoas trabalham sim,
com intensidade e longas jornadas, mas o trabalho, para além de todo o esforço,
simplesmente não resulta. Neste quadro, a motivação laboral desmorona-se:
efectua-se só porque "não há outra alternativa"; e) as actividades que se desenvolvem são
levadas a cabo em termos do interesse egoísta mais grosseiro. De facto, podemos
falar de ausência de códigos morais: o
bom é o que permite chegar ao êxito, às alturas. Para chegar às alturas,
"tudo é permitido": a traição, o roubo e o crime. Assim sendo as
coisas, chega-se a uma sociedade em que a deslealdade e o engano tornam-se
traços que chegam a parecer próprios da "natureza humana".
Quantos podem chegar à fama e ao
grande dinheiro? Diríamos que por definição só uma delgadíssima e
insignificante minoria, quase igual a zero. Contudo, a ilusão se mantém.
Neste quadro, ensaia-se um
caminho muito peculiar: o do consumo.
Mais precisamente, o do consumo que segue a marca implantada pelos de cima, o
que está na moda. Este é o grande mandamento:
seguir o que a moda ordena. Nele, o fetiche do bem de consumo ostentatório
desempenha um papel chave. Há bens de consumo que se associam à alegria de
viver, às preferências da classe "superior". São bens
"conspícuos". Passam a interessar não pelo seu valor de uso real e
sim como símbolos de status. Aceder a esses bens provoca um salto mágico: sobe-se de categoria social. E como a moeda
é essencialmente efémera, a ilusão renova-se só se se renovarem as compras de
ostentação: é o famoso "compro,
logo existo", compras que nos tempos actuais não se referem ao que exige a
existência humana e sim ao que exige a reprodução da ilusão, do arrivismo
social. [12]
A lógica com que opera este tipo
de consumo é cruel. Quando se estende e massifica, o bem de consumo perde suas
propriedades mágicas. Há que procurar outro tipo de bens que possua essas
capacidades. Disso se encarregam as classes altas e/ou as artistas do cinema e
televisão; em seguida, a moda (e a feroz campanha mediática que a impulsiona)
encarrega-se de divulgar essas virtudes. Entretanto, o povo raso vai ficando cada
vez mais endividado, o que – diga-se de passagem – gera grossos lucros para o
capital bancário e financeiro. [13]
Processos como os que temos
delineado vão configurando um mundo (ao nível da consciência social) em que o
visível e aparente difere brutalmente do que é mais medular e relativamente
invisível. Neste, o que reina é o "princípio da conservação": não se move nem sem altera, parece imutável.
Por isso mesmo, nem chama a atenção: é
como uma pedra. Pelo outro lado, no aspecto mais externo e visível, parece que
reina a mudança, a vida e a juventude. O superficial assume um tom sedutor.
E também dramático, pelo menos
para alguns. Se aceitamos que o mundo é como se vê, que pensar dos que
pretendem mudar suas bases estruturais? Que estão loucos e que simplesmente vão
partir a cabeça. Por acaso agrada-te este mundo? Não, não me agrada mas não há
outro. Então, vais viver na amargura? Não, viro-me por outro lado, trato de
passar bem, pelo menos nos fins de semana. Vou ao cinema, vou dançar, estou com
meu namorado(a). Algo mais? Não. Será que por acaso há algo mais?
VI
Quando um espectro ideológico
como o que temos descrito se torna dominante, passa a funcionar como regulador
da conduta. Por óbvias razões, aponta-se ao segmento jovem da população. Tenta-se
que esses valores sejam internalizados e a socialização das pessoas consiga
essa internalização. Surge então a pergunta:
que canais segue esse processo de aprendizagem e de internalização de
tais normas e valores?
Primeiro, temos os media, a televisão
em especial. Em termos de configuração da consciência social, hoje é sem dúvida
a ferramenta mais potente. Mais eficaz que os curas da Idade Média e, por
vezes, inclusive mais impactante que a família.
No Chile, sobretudo da classe
média para baixo, a família já não reza o rosário e sim vê os programas da TV:
telenovelas, musicais, futebol, revistas para "o lar e a mulher",
etc. Num primeiro momento, muito possivelmente alguns pais e alguns avós
resmungarão e os filhos aplaudirão. A seguir, pais (os que antes foram filhos)
e filhos aplaudirão. Quando isto acontece emerge a família como mecanismo de
socialização básica do novo. São os pais que pressionam os filhos a serem
"triunfadores", os rapazes grandes futebolistas e a meninas, futuras
coristas, cantoras ou actrizes (inclusive do tipo das "stripers").
Quanto aos companheiros de jogo e de escola, como foram moldados em termos
semelhantes, reforçam o processo de assimilação.
Talvez seja curioso, mas um dos
principais canais por onde penetra a ilusão consumista encontra-se nos próprios
centros comerciais (no Chile chamados de "mall", de acordo com a
regra – igualmente arrivista – de que nenhum estabelecimento comercial pode ter
denominação em castelhano). Nestes lugares, concentram-se dezenas de lojas e,
se se observar bem, pode-se constatar que, especialmente durante os
fins-de-semana, se transformam num passeio público, um lugar de reunião social.
Antes, talvez a maioria, usava o fim-de-semana para ir ao campo, caminhar por
uma praça arborizada ou pela margem de algum rio, ler, praticar algum desporto,
ir a algum concerto ou peça de teatro. Hoje, a grande maioria (falamos das
classes médias para baixo) substitui os campos e espaços arborizados por um
passeio (familiar inclusive) pelos "mall". Pode ser que não comprem
nada, mas é a sua distracção e seu encanto do fim-de-semana. Seria bom filmar
essas caras, mas à simples vista observa-se um rosto de satisfação plena, de
"iluminados" que parecem haver chegado ao paraíso, ao mundo da modernidade
e dos avanços tecnológicos. E voltam às suas casas como uma espécie de
reedição, algo mais patética, do famoso Dr. Pangloss .
"Como o mundo progride! Que
coisas bonitas! É preciso comprar essa novidade! Viste a tipa que comprava
essas calças? Que bonita, que classe! Ai mãe, ai irmã, temos que ser como ela,
quando nos pagarem a quinzena viremos comprar essas calças!"
Em outros tempo, quando se falava
de dominação ideológica a nível da consciência social, tendia-se a pensar em
corpos doutrinários-ideológicos mais ou menos globais e coerentes. Ou seja, num
discurso e numa argumentação intelectual relativamente refinada. Mas hoje, caso
dos centros comerciais, vemos que tal tipo de discursos já não interessa a
ninguém e que é muito mais eficaz mostrar vitrinas em fila. O chamado interesse
ou vontade geral parece que agora se processa nesses corredores.
VII
As ideologias distinguem-se não
só a partir das condições que sacralizam e estimulam como das ideias e imagens
que projectam. Também se identificam a partir dos seus demónios. Ou seja, das
condutas, mundos, valores e ideias que reprovam.
No caso que nos vem preocupando,
podemos apontar dois exemplos: da vida
política e o do comunismo-marxista.
Quanto à actividade política,
procura-se desacreditá-la e recomendar uma espécie de abstinência em tal tipo
de actividades. Na mensagem, a política surge desconectada de todo ideal e de
todo propósito transformador. Os que nela participam são pessoas que só
procuram satisfazer seu interesse pessoal. Quanto ao resto, acredita-se que
todo anseio transformador está condenado ao fracasso. Em consequência, é melhor
ser apolítico e não se sujar com as referidas actividades. Naturalmente, o
apoliticismo das massas é muito benéfico para as classes dominantes: podem dirigir os assuntos públicos em a
incómoda presença de alguns (pior se forem muitos) intrusos. [14]
Vejamos o segundo exemplo. Por
comunismo entendemos: i) uma sociedade
futura (não muito próxima) que corresponde a determinados traços. Nela, os
capitalistas não existem e só se vive do trabalho que se realiza; ii) uma
associação ou partido político que reúne os que lutam por esse ideal. Por
marxismo entendemos as teorias e ideias propostas por pessoas como Marx,
Engels, Lenine, etc.
A título prévio convém
assinalar: no Chile, a seguir ao golpe
militar e à sangrenta ditadura que se seguiu durante longos anos, a noção ou
ideia do comunismo-marxista acabou por se associar ao medo. Se alguém a reivindicava,
punha em risco seu trabalho, o sustento familiar e sua própria vida.
Neste quadro, que se prolongou
por muitos anos, acaba por operar um mecanismo psicológico conhecido. Para
proteger a vida, deve-se ocultar a referida preferência, mantê-la como um
segredo que ninguém deve conhecer. As ideias próprias passam à
clandestinidade: não podem ou não devem
ser externadas, nem declaradas nem defendidas. [15] Não são utilizadas para
atacar a ideologia dominante nem para se defender dos ataques desta. [16] E
advirta-se: ideias que não se utilizam
são como pernas que não caminham:
primeiro se enfraquecem e a seguir atrofiam-se.
Mas há algo mais: no mesmo período assiste-se ao derrube do
denominado "campo socialista". O que acaba por considerar-se uma
prova empírica concludente de que o comunismo é um fracasso e até uma
impossibilidade: algo que não tem
presente nem futuro. Ser comunista passa a ser considerado como o anseio de
viver na idade da pedra, ser marxista é declarar-se obsoleto. São os pobres e
anquilosados tipos que no mundo das revoluções electrónicas continuam a
escrever com penas de pato e a utilizar os velhos correios e carteiros, em vez
da Internet. Em certas ocasiões, do ódio passa-se à compaixão.
Juntamente com isso temos o
impacto mediático. Ao longo da ditadura de Pinochet insistia-se dia após
dia: o marxismo é algo erróneo e
obsoleto, "passou de moda", o comunismo ruiu e é coisa do passado.
Além disso – certamente o pinochetismo nunca foi muito tímido – insultava-se os
regimes "comunistas" por não respeitarem os direitos humanos. [17]
Isto foi um martelar incessante e que, com a Concertación, não se modificou. De
facto, este grupo político aliou-se aos grandes empresários e manteve-se, até
hoje (2013), uma obstinada ditadura mediática. Afinal de contas, os personagens
da Concertación (como o "socialista" de mercado, Camilo "el
escalador" Escalante), terminaram por colocar um sinal de igualdade entre
comunismo e pinochetismo. Uns e outros atentam contra os "valores
democráticos". Atacar "Mamo" Contreras [18] é o mesmo que atacar
Lucho Soto [19] , Ramona Parra ou Ricardo Fonseca. [20]
Neste quadro é compreensível que
muitos vacilem, que surja uma grande dúvida (alimentada pelas realidades e pelo
próprio inconsciente) e que haja uma debandada real. Alguns renegam por
completo suas antigas convicções e até passam a ocupar posições em grupos da
extrema-direita. Outros, encerram-se em suas casas e retiram-se da vida
pública. Também há segmentos, em regra bastante minoritários, que mantêm uma
postura radical: alguns, como simples
obstinação quase conservadora e outros com o desejo de assimilar as causas do
derrube e avançar para uma síntese nova e superior.
O anti-comunismo ou anti-marxismo
acarreta consequências variadas. A primeira é a conotação reaccionária – para não
dizer cavernícola – que assume o espectro cultural dominante. Sem esquecer que,
em regra, quando se persegue e denigre o marxismo também se costuma envolver no
ataque o iluminismo laico (em especial, o materialismo francês, o de D'Holbach,
Helvetius, Diderot, etc). Com isso, no âmbito cultura abre-se a passagem para
todas as variantes de obscurantismo.
Uma segunda consequência de facto
faz parte da já indicada. Pela sua importância convém mencioná-la à parte: o silenciamento do marxismo opera como suporte
sólido da ideologia dominante e, por isso, do regime imperante. Por que? Porque
tal silêncio é o silêncio da arma crítica mais corrosiva do status quo. Como
bem apontou Marx, a dialéctica, "na inteligência e explicação do que
existe abriga ao mesmo tempo a inteligência da sua negação, da sua morte
forçosa; porque crítica e revolucionária por essência, enfoca todas as formas
actuais em pleno movimento, sem omitir, portanto, o que tem de perecível e sem
se deixar intimidar por nada". [21]
Um terceiro aspecto refere-se ao
papel que o marxismo desempenha nos movimentos de oposição ao sistema. Para
transformar sua envolvente, o homem precisa saber. Muito ou pouco, conforme a
radicalidade dos propósitos. Se o que se procura são transformações substantivas,
o saber tem que ser superado e assumir a forma de sistema teórico. Esta teoria
deve avançar da exterioridade dos fenómenos rumo aos seus traços mais
essenciais para a seguir voltar à exterioridade, agora ligada aos seus
fundamentos e, por isso mesmo, já entendida. Neste plano, as teorias verídicas
cumprem duas tarefas básicas: uma, a de
iluminar o presente e desfazer distorções (evitar confusões) sobre o modo do
seu funcionamento. Por exemplo, romper com a crença grosseira de que o Estado
representa o bem comum, o que os lucros do capital são a contrapartida do
"sacrifício" que em termos de consumo realizam os capitalistas. [22]
A segunda grande função é a de orientar as práticas sociais que buscam
transformar a realidade. Neste caso, a teoria passa funcionar como "farol
orientador", a qual também põe em evidência sua nenhuma neutralidade
política.
Pois bem, se a teoria adequada
não existe ou não é conhecida, é muito evidente que os movimentos progressistas
ficam como se estivessem numa rua escura e infestada de assaltantes, sem luzes
e sem defesas.
Neste quadro, temos que o
paradigma marxista, pelos seus traços e temática, deveria representar a arma
fundamental de todo movimento radical e popular. Sem estas luzes, dificilmente
se pode avançar para processos de transformação social substantivos.
Mas o que acontece hoje no Chile?
Em geral, os mesmos sectores populares que começam a reclamar contra o modelo
neoliberal desconhecem completamente a teoria marxista. Sublinhemos: ao afirmar o anterior não estamos a pensar
num estudo e reflexão sólido e profundo. O ponto é outro: nem sequer se leu algum texto elementar.
Pior ainda, em termos algo soterrados, em cada alma parecem operar os insultos
e preconceitos inculcados pela ditadura pinochetista. E o que sucede com os
intelectuais de esquerda? Além de serem poucos, não se vêem muito equipados.
[23] Ignoram de todo a teoria económica de Marx, com Lenine e o Gramsci dos
Conselhos Operários de Turim, assustam-se. [24] Costumam auto-declarar-se
"pluralistas" e "anti-dogmáticos", abertos, "não
mecanicistas" e etc. No fundo também parecem haver engolido boa parte dos
sermões do anti-comunismo mais rústico. Assustaram-se e na academia subsistem
como pessoas com "ideias clandestinas" (as marxistas) e opiniões públicas
"respeitáveis" (as de direita). Nos seus textos tende a verificar-se
uma espécie de "salada russa" conceptual, salada na qual até aparecem
nazis confessos como Heidegger. E também, toda a bazófia do
"pós-modernismo". Em geral, parece que se chega a identificar a
desordem mental com a profundidade do pensamento. E mais do que entender a
fundo os processos reais em curso, interessa-lhes "estar na moda".
[25]
O que se depreende de tudo o que
temos argumentado? A resposta, a nível do enunciado, é simples: o movimento popular chileno deverá partir
(ou melhor, reiniciar-se) quase desde o zero. A nível prático, naturalmente, o
processo real será bastante complexo e difícil de implementar.
VIII
A que situação chegamos?
Por um lado, temos algo assim como
uma revolução de aspirações, em muito alto grau impulsionada pelo próprio
sistema. [26] Pelo outro lado, encontramo-nos com um sistema completamente
incapaz de satisfazer essas aspirações. [27] Até agora, no fundamental, a
contradição foi-se "resolvendo" pela via dos sonhos e ilusões.
No acima mencionado observa-se
uma singular confluência de factores económicos e não económicos. Por um lado,
temos uma base estrutural que é características do estilo neoliberal: o operar com uma altíssima taxa de
mais-valia – o que engendra um problema sério que gira em torno da realização
da mais-valia. Em termos mais corriqueiros, o problema do sistema – dada a alta
taxa de exploração que o caracteriza – radica em como encontrar um nível de
procura efectiva capaz de realizar (transformar em dinheiro) a altíssima massa
de mais-valia que gera. [28]
O segundo problema é de carácter
político: como legitimar um sistema que
funciona com uma tremenda desigualdade na distribuição do rendimento e da
riqueza? E como fazê-lo sem alterar essa distribuição ou alta taxa de
mais-valia?
Isto nos remete para o problema
cultural ou, mais precisamente, o das formas que pode assumir a consciência
social dominante. O que encontramos aqui? Uma consciência, nos de baixo,
profundamente despolitizada e que atribui virtudes mágicas a certas formas de
consumo. Estas formas, supõe-se, concedem alto estatus social e a felicidade
que – também se supõe – está unida a essa nível da escala social. É a ideologia
que penetra e se estende pela via das vitrinas do grande comércio e, especialmente,
pelo expediente de um sistema de media (TV e outros) que aliena e idiotiza as
grandes massas.
O acesso ao "consumo
mágico" não é gratuito. Como se financia? Um: reduzindo a zero a propensão a poupar (já em
si baixíssima) das camadas médias assalariadas. Dois: com o crédito, que é o recurso básico. Hoje,
as camadas médias assalariadas vivem com um elevadíssimo nível de
endividamento, o que obviamente não contribui para a sua tranquilidade
espiritual. Tudo isso, em ambos os casos, no plano económico pode suavizar um
pouco o problema da realização. Neste contexto deve-se assinalar outro processo
importante: a expansão da ocupação em
tais sectores. Expandem-se, por isso, as camadas médias assalariadas. E como
estas são improdutivas, não geram valor e vivem a cargo da mais-valia que o
sistema gera. Neste sentido, o consumo destes segmentos passa a funcionar como
um importante factor de realização.
Os sonhos podem-se prolongar
durante algum tempo. Mas, ao longo do temo, tal situação não pode subsistir.
Por outras palavras, chegará o desencanto (a "morte na alma"?) e as
massas frustradas deverão definir a conduta a seguir. Em geral, acredita-se que
tais desencantos impulsionam uma atitude radical e de aguda oposição ao status
quo. Mas esta não é a única possibilidade. Em certas ocasiões, essas
frustrações acabam por ser aproveitadas pela direita mais extrema, de corte
fascitóide. No plano objectivo, devem-se conjugar dois aspectos: i) superar a actual alienação enfermiça pelo
consumo de ostentação; ii) elevar a capacidade de consumo racional dos
trabalhadores e camadas médias. Naturalmente, isto implica romper de raiz com o
estilo neoliberal imperante.
A rota efectiva de saída
dependerá, em alto grau, das perícias políticas de uns e outros. O dado
estrutural tende a favorecer uma saída para o lado das esquerdas. Mas, existe
no Chile essa força política autenticamente de esquerda? No momento parece que
não. Para logo, haverá que ver.
Notas
1. Estes fenómenos também põem em
causa os pressupostos centrais da teoria neoclássica do consumidor. Mas este é
um tema que não será abordado aqui.
2. A taxa de mais-valia mede a
relação entre o rendimento inicialmente apropriado pelos capitalistas (massa de
mais-valia anual gerada pelo sistema) e a parte que vai para os assalariados
produtivos (capital variável consumido no ano). O pagamento do salário dos
trabalhadores improdutivos fica a cargo da mais-valia. O Rendimento Nacional é
igual à soma da mais-valia e o capital variável gasto no ano. Por isso, se se
eleva a taxa de mais-valia (ou taxa de exploração) eleva-se também a parte da
mais-valia no Rendimento Nacional. Exemplo:
se a taxa de mais-valia fosse igual a dois terços (40 para o capital e
60 para operários produtivos), a relação entre excedente (mais-valia) e
Rendimento Nacional será igual a 40%. Se a taxa de mais-valia fosse igual a
4.0, teríamos que do Rendimento Nacional 80 unidades iriam para as mãos do
capital e 20 para a classe trabalhadora. Consecutivamente, o excedente como
porção do Rendimento Nacional seria igual a 80%.
3. Adam Smith, "La Riqueza
de las Naciones", pág. 17. FCE, México, 1981.
4. J. Bentham, "Escritos
económicos", pág. 10. FCE, México, 1978.
5. Karen Horney, "La
personalidad neurótica de nuestro tiempo", pág. 118. Planeta, México,
1986.
6. Em matéria de consumo de
tranquilizar, o Chile não é jaguar e sim um tigre. Hoje ocupa um dos primeiros
lugares a nível mundial na referida rubrica.
7. Ver Karen Horney, obra citada.
8. Vance Packard, "Los
buscadores de prestigio", pág. 317. EUDEBA, Buenos Aires, 1971.
9. Suponhamos que o Rendimento
Nacional seja igual a 100. Que desses 100, aos assalariados produtivos
correspondam 20 e o resto (80) passa ao capital. Os assalariados produtivos, ao
gastarem todos os seus salários compram por 20 e, em consequência ajudam a
realizar (a converter em dinheiro) a parte correspondente do Rendimento
Nacional. Mas ainda restam 80 unidades sem vender. Estas unidades representam
uma mais-valia (lucros) potencial, que deve ser transformada em dinheiro para
ser real. A pergunta que emerge então é quais são os elementos do gasto que
podem cumprir tal papel. Em termos gerais as rubricas do gasto que podem operar
como gastos de realização são: a) a
acumulação; b) o consumo dos capitalistas; c) os gastos improdutivos do governo
(incluem os financiados com défice); d) outros gastos improdutivos diferentes
dos do governo (ex. o consumo dos assalariados improdutivos); e) o saldo
externo: exportações menos importações. O que, em grosso, coincide com as
exportações de capital. Se este tipo de gastos não chega a um nível de 80,
parte das mercadorias que integram o excedente ficarão sem vender e pode
precipitar-se uma "crise de realização". Quando a distribuição do
rendimento é muito regressiva, os problemas que surgem pelo lado da realização
pendem como espada de Damocles sobre o sistema. Daí a funcionalidade de elevar
o consumo (suntuário, em especial) e os gastos improdutivos para evitar esse
problema. Para isso, utilizam-se todos o meios possíveis, como a propaganda
alienante, o arrivismo ("trate de viver como os de cima"), etc. Em
resumo, "o capitalismo não pode ficar (...) sem a procura do seu
sobre-produto". Cf. Rosa Luxemburgo, "La acumulación de
capital", pág. 337. Grijalbo, Buenos Aires, 1966.
10. Entre um perito em marketing
e um filósofo e ensaísta agudo, ganhará sempre o mercadólogo: trata-se de vender, não de pensar. Na nossa
época, gente como Kant e Hegel teriam morrido de fome (ou se dedicado a cantar
"jingles" para vender dentifrícios).
11. Os estudos que se conhecem
sobre a saúde mental do "bem sucedido" empresariado chileno mostram
que neste sector a saúde mental não abunda.
12. De passagem, como já se
disse, ajuda-se a resolver o complicado problema de realização que é típico das
economias neoliberais.
13. A abertura irrestrita
facilitou as importações de bens de consumo, os quais provêm em alta
percentagem da China. Com isso foi embaratecido também o preço de tais bens.
Claro está que a custa da destruição da indústria autóctone que antes os
produzia.
14. Os sociólogos escrevem que
"onde existe a igualdade geral não há política, uma vez que esta
compreende subordinados e superiores". Na situação que nos preocupa, o
apoliticismo não implica ausência de política e sim que os de baixo (os
"subordinados") aceitam sem uma palavra de protesto, sem se mexerem,
as decisões que tomam os de cima (os "superiores"). A citação é Hans
Gerth y Wright Mills, "Carácter y estructura social", pág. 192. Edit.
Paidós, Barcelona, 1984.
15. Certamente existe uma rota de
saída: manter-se numa organização
clandestina. Mas, quase por definição, uma tal organização tende a ser
relativamente pequena.
16. Com elas, no melhor dos
casos, conversa-se à noite, debaixo da almofada.
17. A UDI, partido de
ultra-direita hoje dirigindo o governo de Piñera, perante a morte do Comandante
Chávez recusou-se a manter um minuto de silêncio no Parlamento, alegando que
Chávez foi um ditador. Na verdade, aplicando stricto sensu os esquadros da democracia
burguesa, constata-se que a Venezuela de Chávez foi infinitamente mais
democrática que o Chile da Concertación e de Piñera.
18. General do Exército,
torturador e chefe da policía política de Pinochet.
19. No Chile, imagem do
trabalhador anónimo.
20. Parra e Fonseca, destacados
dirigentes da esquerda comunista chilena. A primeira, assassinada pela policía.
O segundo, secretario general do Partido durante os duros anos quarenta,
21. C. Marx, "El
Capital", Tomo I, pág. XXIV, FCE, México, 1964.
22. Marx escrevia que "o
lucro e a renda da terra, ou o capital e a propriedade da terra, jamais
podemser fonte de valor". Se assim são as coisas, qual é a fonte de valor
e por conseguinte dos lucros? Como o valor só emerge se houver trabalho gasto
socialmente necessário e aplicado no sector produtivo, a resposta é clara: trata-se do trabalho excedente que geram os
trabalhadores assalariados. A exploração radica neste fenómeno: os trabalhadores geram um valor acrescentado
que é superior ao valor do capital variável e os capitalistas, a venderem a
produção, apropriam-se do valor acrescentado. Com isto pagam os salários e o
que sobra passa a constituir os seus lucros. A citação é de C. Marx, "Theories of Surplus-Value", Part I,
pág. 85. Progress Publishers, Moscow, 1969.
23. De Marx manejam frases, nada
mais. De facto nunca o estudaram com rigor e sistema.
24. Com o Mao da Revolução
Cultural, da qual têm uma imagem caricatural, escandalizam-se e aterram-se.
25. A intelectualidade francesa –
tão imitada na América Latina – costuma ser muito propensa à frivolidade. Já o
advertia o professor Kant: "na
metafísica, na moral e nas doutrinas da religião, nunca se é suficientemente
precavido com os escritos desta nação. Domina neles comummente muita bela
fantasmagoria, que não sustem a prova de uma investigação repousada. O francês
gosta da audácia nas suas expressões; mas para alcançar a verdade não há que
ser audaz e sim precavido. Na história gostam de ter anedotas, nas quais só
sente a falta de serem verdadeiras". Ver E. Kant, "Observaciones
sobre el sentimiento de lo bello y lo sublime", pág. 159. Porrúa, México,
1999.
26. O que não se ve confundir com
o impacto do chamado "efeito demonstração".
27. O ponto não se deve entender
como não crescimento do salário real e sim de um crescimento que fica muito
atrás do crescimento das aspirações.
28. No Chile, na ordem dos 75% ou
mais do Rendimento Nacional.
Do autor em resistir.info:
Estados Unidos: uma crise de ordem estrutural , 18/Mar/2009
O México descobre a luta de
classes: eleições e perspectivas
económico-sociais , 24/Jul/2006
México: A actual conjuntura política e tendências
subjacentes , 24/Mai/2006
A periferia e as crises no centro
, 06/Jan/2005
[*] Da Divisão de Ciências
Sociais da UAM-I. Autor de Teoría
general de las economías de mercado , Caracas, Banco Central de Venezuela,
2012, 888 p.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .
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