Para se saber se um país é rico ou pobre, basta resolver
esta questão: qual a taxa de juro que nele vigora (…) A baixa do juro ou
restrição da usura é causa primária e principal da riqueza de uma nação.
Josias Childs, séc. XVII, citado por Marx em Teorias da
Mais-Valia [1]
A teoria económica como é amplamente ensinada desde a década
de 1980 fracassou miseravelmente no entendimento das forças que estão por
detrás da crise financeira.
James Galbraith, A desgraçada profissão de economista, [2]
1 – A LEI FUNDAMENTAL
Em termos de economia política podemos dizer que uma lei
fundamental, válida para todos os sistemas económicos, é a da correspondência
entre as relações de produção e o desenvolvimento das forças produtivas. Esta
lei traduz-se em capitalismo pela maximização do lucro e em socialismo pela
maximização das necessidades sociais.
É de facto uma lei fundamental que Marx exprime no prefácio
à "Critica da Economia Política": "Num certo estágio do seu
desenvolvimento as forças produtivas entram em choque com as relações de
produção existentes ou com as relações de propriedade no seio das quais até aí
tinham evoluído. São as contradições geradas neste processo de contradição
entre a maximização do lucro e a necessidade de desenvolvimento das forças
produtivas que dão origem às crises e à consciência que relações de produção
superiores devem substituir as existentes".
Mas o que queremos agora mencionar é uma outra
"lei", que o meu professor de economia (com um certo despeito)
enunciou da seguinte forma: "parece que para engenheiros a lei fundamental
da economia é: "quem paga?". Assim mesmo.
Ora, se um dos princípios da democracia, é que não deve
haver "taxação sem representação", uma pergunta pertinente no
exercício da cidadania democrática será muito justamente a que atrás deixamos:
quem paga o quê, a quem, como e porquê. E não sendo uma lei não deixa de ser
uma questão fundamental a colocar. Aliás questão atualmente obscurecida pela
dogmática do mercado dito livre.
O mercado tornou-se o biombo atrás do qual as pessoas são
levadas a acreditar que ninguém nem o Estado podem fazer nada para alterar os
seus desígnios. Mas o mercado são pessoas e é o comportamento das pessoas
nessas atividades que tem de ser regulado e controlado de acordo com critérios
democráticos e sociais.
Aliás não há "os mercados", há diversos tipos e
modos de funcionamento do mercado, designadamente: o das MPME, o monopolista, o
financeiro especulativo. Se a sociedade vive sob uma inquestionável dogmática
dos mercados, a democracia, a própria soberania perdem conteúdo real, são meras
formalidades, vergadas ao dogma.
Recordo que uma sra. deputada do CDS, confrontada com os
escandalosos rendimentos dos administradores dos grandes grupos económicos face
ao congelamento salarial e perda de direitos dos trabalhadores, afirmou que
"os "vencimentos" dos administradores são decididos pelos
acionistas e os salários dos trabalhadores pelo mercado". Espantosa
metafísica! Os administradores são também acionistas e todos eles (como classe)
constituem "os mercados" que promovem a usura e a austeridade. De facto,
é como se houvesse, com os "incentivos" e "riscos
sistémicos", "socialismo para os ricos e mercado para os
pobres". [3]
O iluminismo do século XVIII veio mostrar que a teologia
escolástica era a forma de obscurecer os espíritos, impedir o livre pensamento
e a descoberta das leis da natureza. A "ciência" económica atual,
integralmente ao serviço da grande capital, tem funções muito semelhantes
mostrando-se, por isso mesmo, incapaz de resolver quaisquer problemas criados
com a sua prática. Afastados os axiomas do "equilíbrio competitivo dos
mercados" e da "eficiência do mercado livre", tudo se desmorona
como baralho de cartas.
Chamar a atenção para as leis fundamentais dos diferentes
sistemas económicos, parece-nos da máxima importância. O que pôs fim às
ilusões, maquinações e burlas da alquimia, com a sua pedra filosofal e
movimento perpétuo, foram as descobertas das leis da química e da
termodinâmica. Também o fim das ilusões, manipulações populistas e burlas do
sistema capitalista está ligado à compreensão das suas leis fundamentais.
Pseudo soluções avulsas ou que remetem para o subjetivismo e
voluntarismo, deixando intocáveis as leis de funcionamento do sistema, estão
destinadas ao fracasso. São como as operações da alquimia que, embora várias
tenham sido aproveitadas pela química, nada podiam fazer, pois contrariavam as
leis fundamentais da matéria.
O PS nas suas propostas, parece não ter consciência desta
situação, apenas se propõe gerir melhor o capitalismo, aceite como sistema
absoluto, sem ter em conta as suas contradições e vícios, em particular do
fundamentalismo neoliberal dominante na UE. Quaisquer que sejam as suas
"boas intenções", não passam de meras ilusões de alquimia política,
logo esquecidas perante as pressões do grande capital, como se viu no passado.
2 – QUEM PAGA
Vamos então à questão fundamental. Quem paga as reduções de
IRC? Quem paga os benefícios e privilégios ao grande capital e à finança? Quem
paga os prejuízos originados pela fraude e pela má gestão na banca dedutíveis
no IRC durante anos? Quem paga os lucros e todas as manobras legais e ilegais
para a fuga aos impostos dos grandes grupos económicos? Quem paga as fraudes ou
a má gestão no BPN, no BPP, no BANIF, nas PPP? Quem paga os cerca de 3 mil
milhões de euros de perdas potenciais dos SWAP?
Perante tudo isto, a direita e seus comentadores apenas
questionam o que o Estado gasta em salários, pensões, prestações sociais.
Quem paga a livre transferência de capitais
(descapitalizando o país)? Os paraísos fiscais e a "concorrência
fiscal" na UE? Quem paga os empréstimos do BCE não aos Estados, mas aos
especuladores? Quem paga os excedentes comerciais da Alemanha e as taxas de
juro negativas (abaixo da inflação) que obtém? Quem paga o Euro? Uma moeda
imersa em capital fictício, com os bancos europeus a necessitar serem
recapitalizados entre 500 e 1000 milhares de milhões de euros.
Quem paga? Os mais ricos não por certo, pois o dinheiro da
oligarquia desaparece sem pagar impostos nos paraísos fiscais. Os
propagandistas do sistema explicam: trata-se de "incentivos ao capital
para captar investimento". Falso. Porque eles não investem: especulam com
as dívidas.
Quem paga? A pergunta é ociosa, como se costuma dizer. Se a
lei fundamental do sistema se baseia na maximização do lucro e na exploração da
força de trabalho, resta alguma dúvida sobre quem recaem, todos os desmandos e
contradições de um sistema que além do mais sofre do mal congénito da queda
tendencial da taxa de lucro? Sabemos quem paga: são os trabalhadores e também
os MPME.
A economia atual, os "economistas vulgares", na
expressão de Marx, são injustos para com Malthus, envergonham-se de tão má
companhia, porém seguem-lhe as pisadas. Malthus para quem "um salário alto
desestimula o trabalhador, o lucro baixo um desalento para os capitalistas. [4]
Sabemos quem paga, com salários mais baixos, impostos mais
altos, prestações sociais (que são salário indireto e forma de redistribuição
de riqueza) cada vez menos acessíveis e mais onerosas. Sabemos quem paga
transportes mais caros para os utentes e quem lucra com salários reduzidos para
os trabalhadores, em empresas que gastam muito mais em juros que em salários.
São os "sacrifícios para todos" e a
"comparticipação solidária". Mas "solidária" com quem e com
quê? A solidariedade não se estabelece com os povos, mas com os
"mercados".
Os "incentivos" e os "riscos
sistémicos", são a formalização desta "solidariedade", sem
margem para cedências, o capitalismo sem riscos. O "risco sistémico"
foi uma invenção da "ciência económica atual", diga-se que desde logo
adotada pelo PS. Riscos sistémicos, fundamentados em coisa nenhuma, com o
argumento de porque sim, que foi o que de concreto disseram responsáveis pelas
finanças
3 – JUROS E DÍVIDA
Acerca da dívida diz-se que temos de "honrar os nossos
compromissos". Trata-se do mesmo tipo de "honra" do servo na
defesa do senhor feudal. Vejamos então em que consiste a dívida e o juro.
Quem paga a dívida? A dívida é impossível de pagar nas
atuais condições. Marx cita o economista Hodgskin (1797-1869) que em vários
textos adotou "o ponto de vista proletário": "Nenhum trabalho,
nenhuma força produtiva e nenhuma arte podem satisfazer as exigências dos juros
compostos". [5]
Tal é sabido desde a antiguidade, compreendendo que o juro
era a forma dos grandes proprietários e grandes comerciantes expropriarem os
pequenos, os plebeus, ou ainda apropriarem-se dessas pessoas. Por isso,
legisladores de então fixaram limites ao juro e o cancelamento periódico de
dívidas, para evitar a destruição da economia e a desestabilização social.
Para demonstrar como são impagáveis as dívidas na base de
juros (acima do que a taxa de crescimento económico permita) o matemático
Richard Price em 1769 calculou que 1 xelim à taxa de 6% ao ano daria desde o
nascimento de Cristo até àquela data o equivalente a uma esfera de ouro com 1
780 milhões de milhas de diâmetro! [6]
Tal é mais que evidente no endividamento dos países ditos em
desenvolvimento: entre 1970 e 2009 esses países pagaram como serviço de dívida
4 529 mil milhões de dólares, isto é, reembolsaram 98 vezes o que deviam em
1970, mas a dívida é 32 vezes maior, atingindo 1460 mil milhões de dólares.
(Les Chiffres de la dette, 2011, CADTM)
Portugal, submetido à burocracia antidemocrática da UE,
enveredou pela via do subdesenvolvimento, agravada com a troika. Entre 1999 e
2012, Portugal pagou de juros de dívida pública 65 716,8 milhões de euros, a
soma dos défices do Estado foi de 112 117 milhões, porém a dívida pública
passou de 58 657,1 para 204 485 milhões de euros (mais 145,8 mil milhões!). Ou
seja, quanto mais se paga mais se deve. Em 2013, os juros atingiriam cerca de
100% do défice do Estado previsto pelo governo, como o défice aumentou
representam agora 82% (contra 69% em 2012), cerca de 5% do PIB! Mas o governo
diz que estamos no "bom caminho" – de quem?
O aumento da dívida é devido à especulação financeira. Com
as receitas a reduzirem-se devido à paragem do crescimento económico, com o
grande capital exigindo partes crescentes do RN, através das privatizações, das
PPP, dos SWAP, dos "resgates" e garantias financeiras à banca, o
país, sem soberania financeira, ficou submetido "aos humores" da
especulação e respetivos juros usurários.
Compreende-se assim como é importante manter as pessoas na
ignorância, (destruir a escola pública e generalizar a pobreza – como no
fascismo – ajuda…) propagandeando como um "êxito" a "ida aos
mercados", na realidade um verdadeiro suicídio coletivo. Entre 2014 e 2021
os encargos da dívida pública atingem uma média anual de 18 000 milhões de
euros; estimativas apontam para 20 mil milhões anuais nos próximos três anos;
20 mil milhões de euros adquiridos nos "mercados" a 6% representam
mais 1 200 milhões de euros ano de juros a adicionar aos existentes. E isto sem
diminuir o endividamento!
A riqueza criada no país vai servir para pagar juros e ser
"livremente" transferida para centros financeiros.
A direita considera que o Estado será eficiente, cortando no
social, vivendo do crédito privado obtido com taxas negativas (abaixo da
inflação) no BCE. Mas crédito é dívida, e no fim a questão é: quem paga esta
"eficiência".
Este ano as maiores empresas da Bolsa portuguesa distribuíram
mais de 1,7 mil milhões de euros em dividendos aos acionistas; cerca de 1/3 vai
para o estrangeiro. ( Jornal de Negócios, 13/Maio/13).
"O juro revela a forma como a mais-valia se reparte
entre as diferentes espécies de capitalistas." [7]
O BCE está organizado para os Estados vergarem a sua
soberania ao peso da dívida, constituindo uma reserva de mão-de-obra barata e
sem reivindicações significativas de forma a garantirem a competitividade da UE
no processo de "globalização" imperialista.
O endividamento do Estado é um alibi para impor esta
estratégia assegurando a perpétua obtenção de rendas financeiras, através da
austeridade, o eufemismo adotado para designar a exploração generalizada e sem
direitos, ou seja, um programa económico e social idêntico ao do fascismo.
1. Teorias da Mais-Valia, Livro 4, Vol. III, de "O
Capital", Difel, S.Paulo, 1985, tradução a partir da MEW 26.2, Dietz
Verlag, Berlim, 1974, p. 1574
2. A desgraçada profissão de economista, James Galbraith,
resistir.info/crise/galbraith_18mai10.html
3. Um roubo de US$16 milhões de milhões, Atílio Bóron,
resistir.info/eua/boron_02ago11.html
4. Teorias da Mais-Valia, ob. cit. p. 1178
5. idem, p. 1349
6. The bubble and beyond, Michael Hudson, Ed. ISLET, 2012,
p. 82
7. Teorias da Mais-Valia, ob. cit. p. 1528
[*] Engenheiro.
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