O sr. Reinaldo Azevedo, a quem injustamente referiu-se a
ombudsman da Folha de S. Paulo como rottweiler do conservadorismo, continua a
desmentir sua colega de redação. Qualquer comparação com uma raça canina tão
forte e cheia de personalidade é realmente despropositada. Se o nobre animal
lesse jornal, provavelmente se sentiria insultado. O colunista, tanto pelas
posições que defende quanto por estilo, está mais para cachorrinho de madame.
Deu-nos mais uma prova, no dia 6 de dezembro, em artigo
intitulado "Direita já!", de qual é o seu pedigree. A ideia básica é
que falta, no Brasil, uma força política que tenha competitividade eleitoral e,
abraçando claramente valores de direita, faça oposição ao governo. Ou que
acredite na hipótese de se tornar dominante exatamente por defender esses
valores. Ainda mais longe vai o santarrão do conservadorismo: o PT
provavelmente continuará a governar porque não seria possível "candidatura
de oposição sem valores de oposição".
O que Azevedo esconde do leitor, por ignorância ou má fé,
são as razões pelas quais a direita brasileira atua disfarçada. Esse campo
ideológico, afinal, esteve historicamente comprometido com a quebra da
Constituição, o golpismo e a instituição de ditaduras. Seus valores de raiz são
o autoritarismo, o racismo de índole escravocrata, o preconceito social, o
falso moralismo e a submissão às nações que mandam no mundo. Vamos combinar que
não é fácil conquistar apoios com essa carranca.
Não é de hoje que direitistas recorrem a truques de
maquiagem para não serem reconhecidos. A mais comum dessas prestidigitações tem
sido a de se enrolar em supostas bandeiras democráticas para cometer malfeitos.
Exemplo célebre é o golpe militar de 1964, quando bateram nas portas dos
quartéis e empurraram o país para uma longa noite de terror, em nome da
liberdade e da democracia.
A ditadura dos generais foi o desfecho idealizado pela
"direita democrática", depois que se viu sem chances de ganhar pelo
voto e tomou o caminho da conspiração. O suicídio de Getúlio Vargas sustou a
intentona por dez anos, mas os ídolos de Azevedo estavam à espreita para dar o
bote. As provas são abundantes: estão presentes não apenas nos discursos de
personalidades da "direita democrática" de antanho, mas também nas
páginas dos jornalões da época, que clamavam pela ruptura constitucional e a
derrubada do presidente João Goulart.
Algumas dissidências desse setor, a bem da verdade, tentaram
se reconciliar com o campo antiditadura, depois de largados na estrada pelos
generais ou frustrados com sua truculência. A maioria dos azevedinhos daquele
período histórico, no entanto, seguiu de braços dados com a tortura e a
repressão. Eram ativistas ou simpatizantes do partido da morte. Batiam
continência como braço civil de um sistema talhado para defender os interesses
das grandes corporações, impedindo a organização dos trabalhadores e
massacrando os partidos de esquerda.
O ocaso do regime militar trouxe-lhes isolamento e desgaste.
A direita pró-golpe, mesmo transmutada em partidos que juravam compromisso com
a democracia reestabelecida, não teve forças para forjar uma candidatura
orgânica nas eleições presidenciais de 1989. Acabaram apoiando Fernando Collor,
um aventureiro de viés bonapartista, para enfrentar o risco representado por
Lula ou Brizola. O resto da história é conhecido.
Depois deste novo fracasso, as forças reacionárias ficaram
desmoralizadas e sem chão. Trataram, em desabalada carreira, de aderir a algum
pastiche que lhes permitisse sobrevida, afastando-se o quanto podiam da herança
ditatorial que lhes marcava a carne. Viram-se forçadas a buscar, entre as
correntes de trajetória democrática, uma costela a partir da qual pudessem se
reinventar. Encontraram no PSDB, capturado pela burguesia rentista, o
instrumento de sua modernização e o novo organizador do bloco conservador.
A mágica acabou, porém, quando o PT chegou ao Planalto,
deslocando para a esquerda boa parte do eleitorado que antes era seduzido pelo
conservadorismo. Esse foi o resultado da adoção de reformas que modificaram e
universalizaram providências antes circunscritas a tímidas medidas
compensatórias, como parte de um projeto que permitiu a ascensão
econômico-social da maioria pobre do país. Tais conquistas tingiram de cores
fúnebres, na memória popular, o modelo privatista e excludente sustentado pelo
tucanato.
Enquanto a direita republicana tratava desesperadamente de
estabelecer vínculos entre o sucesso do governo petista e eventuais políticas
do período administrativo anterior, evitando reivindicar seu próprio programa,
outro setor deu-se conta que, sem diferenciação clara de projetos, seria muito
difícil reconquistar maioria na sociedade e romper a dinâmica estabelecida pela
vitória de Lula em 2002.
Não haveria saída, contra o petismo, sem promover a
mobilização político-ideológica das camadas médias a partir de seus ímpetos
mais entranhadamente individualistas, preconceituosos e antipopulares. Ao
contrário de uma tática que encurtasse espaços entre os dois polos que definem
a disputa nacional, o correto seria clarificar e radicalizar o confronto.
As legendas eleitorais do conservadorismo titubeiam a fazer
dessa fórmula seu modus operandi, mas os meios tradicionais de comunicação
passaram a estar infestados por gente como Azevedo e outros profetas do
passado. A matilha não tem votos para bancar nas urnas uma alternativa à sua
imagem e semelhança, é verdade. Seria um erro, no entanto, subestimar-lhe a
audiência e o papel de vanguarda do atraso que atualmente exerce nas fileiras
oposicionistas.
Até porque conta com uma fragilidade da própria estratégia
petista, de melhorar a vida do povo através da ampliação de direitos e do
consumo, mas atenuando ao máximo o enfrentamento de valores e o esforço para
modificar as estruturas político-ideológicas construídas pela oligarquia,
especialmente os meios massivos de comunicação. O PT logrou formar maioria
eleitoral a partir dos avanços concretos, mas não impulsionou qualquer
iniciativa mais ampla para estabelecer hegemonia cultural e ideológica.
Seria persistir neste equívoco não dar o devido combate ao
conteúdo programático do discurso azevedista. Sob o rótulo de "direita
democrática", o que respira é uma concepção liberal-fascista, forjada na
comunhão das ditaduras chilena e argentina com a escola de Chicago e os
seguidores do economista austríaco Ludwig Von Mises.
O velho fascismo, que trazia para dentro do Estado as
operações dos conglomerados capitalistas, tornando-os parasitas econômicos da
centralização política, efetivamente caducou como resposta aos próprios
interesses grão-burgueses. Entre outros motivos, porque retinha parte
ponderável da taxa de lucro para o financiamento do aparato governamental.
A combinação entre ultra-liberalismo e autoritarismo
converteu-se em um modelo mais palatável entre as elites. O Estado assumia as
tarefas de repressão e criminalização das lutas sociais, na sua forma mais
perversa e violenta, soltando as amarras legais e sociais que regulavam o
desenvolvimento dos negócios em âmbito privado. Não eram à toa os laços
afetuosos que uniam Margaret Thatcher e Ronald Reagan ao fascista Pinochet. O
neoconservadorismo se trata, afinal, do liberal-fascismo sem musculatura ou
necessidade de realizar seu projeto histórico até o talo.
Claro que o ladrar de Azevedo e seus parceiros não é capaz,
nos dias que correm, de ameaçar a estrutura democrática do país. Mas choca o
ovo da serpente pelas ideias e valores que representa. A melhor vacina para a
defesa da democracia, contudo, como dizem os gaúchos, é manter a canalha segura
pelo gasganete. Os latidos dos cachorrinhos de madame devem ser repelidos,
antes que se sintam à vontade para morder.
Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera
Mundi e da revista Samuel.
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