Enquete feita entre colunistas do
mais tradicional veículo da velha mídia mostra o que eles pretendem em 2014:
mandar na política e ditar a opinião pública
por Antonio Lassance, na Carta
Maior
O jornalista Ancelmo Góis fez uma
enquete junto a outros colunistas do jornal O Globo para saber o que eles
esperam de 2014. Merval Pereira espera que as coisas continuem ruins no ano que
vem, mas acha que vão piorar. Carlos Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir
Ventura torcem por mais protestos – “protestos vigorosos”, quer Sardenberg.
Ricardo Noblat pediu a Papai Noel que dê discernimento aos brasileiros para
escolher o próximo presidente da República. Se é para dar, supõe-se que é
porque ainda não temos.
A enquete deixa claro o que o
mais tradicional veículo da velha mídia está preparado para fazer em 2014. É o
mesmo que fez em 2013: pegar carona na insatisfação popular para tentar influir
decisivamente no mundo da política. Desgastar aqueles de quem não gosta para
dar uma força àqueles que são seus prediletos.
A mídia que foi escorraçada das
ruas e teve que mascarar as logomarcas de seus microfones quer repetir o que
sempre fez em eleições presidenciais: entrar em campo e desempenhar o papel de
partido de oposição.
As corporações midiáticas se
organizam para, mais uma vez, interferir no resultado das eleições porque disso
depende o seu negócio. De novo, entram em campo para medir forças. Já estão
acostumadas a partir para o tudo ou nada. Vão testar, pela enésima vez, a
quantas anda seu poder sobre a política. Disso fazem notícia e assim agem para
deixar os políticos e os partidos de joelhos, estigmatizados, envergonhados e
obsequiosos.
Como nos ensinou Venício Lima,
uma Presidência, um Congresso e partidos achincalhados são incapazes de propor
uma regulação decente da mídia, nem mesmo para garantir a liberdade de
expressão, a diversidade de fontes de informação, a pluralidade de opiniões e
um mercado da comunicação não cartelizado.
Em 2013, as corporações
midiáticas, mais uma vez, anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar. E
não é que o tal do mundo não se acabou? Quando os protestos de junho tomaram as
ruas, o preço do tomate tinha ido às alturas. O PIB de 2012 se tornou conhecido
e seu crescimento havia sido próximo de zero. Os reservatórios estavam bem
abaixo do normal e “especialistas” recomendavam rezar para que não houvesse
apagão. O caso Amarildo fez derreter a quase unanimidade que havia em defesa do
projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs).
Parecia que o país ia mal das
pernas e que um modelo de governança estava esgotado e ruindo. Tudo levava a
crer que a presidência Dilma havia entrado em um beco sem saída. Mas saiu. Ela
recuperou sua popularidade, enquanto seus adversários potenciais caíram em
preferência de voto e aumentaram sua rejeição.
O ano terminou melhor do que
começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta.
Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram,
usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da
meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um
novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram
desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014,
deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm
saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem,
continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a
entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de
infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo
muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem.
Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil.
Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados,
mas respingando no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o
mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de
ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A
derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única
situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo
Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem,
terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as
demais.
Os protestos de 2013 foram uma
tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse
diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e
bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de
junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se
ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a
percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as
tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014
a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a
março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos
Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a
junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da
negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos
interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o
período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente,
claro, a Copa do Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais
ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos
mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais,
populares e seus partidos — até para que os partidos possam abrir menos a boca
e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela
fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública
mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso
da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as
mudanças.
(*) Antonio Lassance é cientista
político.
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